Eu saí de Resende, no Rio de Janeiro, para fazer Relações Internacionais em Porto Alegre em 2005. Ainda na faculdade, fui para a Coreia do Sul pela primeira vez graças a uma bolsa de estudos. Aprendi coreano e voltei ao Brasil para terminar a graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Com outra bolsa, retornei a Seul para fazer um MBA e, por fim, em 2013, fui trabalhar com cooperação educacional na embaixada brasileira.
Um dia, em abril de 2015, eu estava na plataforma do metrô e recebi um telefonema de um número desconhecido. Era alguém me convidando para uma seleção no Abnormal Summit, um programa de debates entre jovens estrangeiros. Era um sucesso na TV a cabo. Cortei o cabelo, me arrumei e fui fazer o teste no estúdio. Detalhe: eu estava com cerca de 100 quilos.
Cheguei lá e fui entrevistado por quinze mulheres em uma sala. Fizeram uma série de perguntas para saber se eu seria capaz de defender o Brasil: eles queriam alguém que falasse com paixão do país. Eu fui escolhido — e emagreci 7 quilos em um mês. Nas gravações, fiquei um pouco nervoso, pela dificuldade de expressar o que eu queria dizer. Hoje eu entendo tudo, mas na época era difícil sacar as piadas dos apresentadores.
Na estreia, houve um debate sobre qual seria um bom país para se viver. A primeira pergunta para mim foi se no almoço os macacos apareciam na minha janela. Fui irônico e disse: 'Claro, assim como na sua’. Foi um grande erro, porque na TV coreana a ironia não funciona. Um egípcio pediu então a palavra e disse que o Catar era o melhor país, porque tinha ar-condicionado para todos e ninguém pagava a conta de luz. Foi aí que começou a briga que depois viralizou na internet. Eu tinha lido um artigo dias antes sobre as mortes dos trabalhadores estrangeiros no país e comecei a despejar todos os dados. Ele nunca mais se meteu comigo.
Fama
Moro em um bairro turístico de Seul, frequentado por mulheres jovens, que são o maior público do programa. Um sábado, pouco depois da estreia, saí de casa e comecei a escutar ‘ô, ô, ô’. É o jeito coreano de dizer ‘é aquela pessoa’. Passei a evitar aglomerações porque todo mundo me reconhecia. Eu havia virado uma celebridade na Coreia.
Aqui, as celebridades são bastante patrulhadas. Se a pessoa é vista, por exemplo, bêbada demais, é cortada de todos os programas. O código moral é rigoroso: você não pode ser grosso, não pode usar certas palavras, não pode dizer não. Quando eu saio em público, digo para quem está comigo: ‘Se alguém vier falar comigo e você notar que estou incomodado, por favor, cumpra o papel de ser a pessoa chata por mim’. Mas, claro, na maioria das vezes atendo da melhor maneira possível os fãs. Adoro conversar com o pessoal e tirar foto.
A temporada acabou em junho de 2016, e em outubro comecei em outro programa, o Live Info Show, onde estou até hoje. Meu quadro se chama ‘Em busca da terra natal de Carlos’. Nele, ando pelo interior buscando comparações do dia a dia com o Brasil. Quando fui para a entrevista, o responsável pela seleção disse: ‘Você é bom porque não tem perfil de modelo’.
O quadro, que tem 15 minutos e vai ao ar toda semana, é voltado para donas de casa do interior do país que estão fazendo o jantar. É um programa diferente: com um humor mais pastelão. Já colhi acelga com facão, fui pescar ostras às 3h da manhã e vi o nascer do sol na montanha Seorak, num frio de 10°C negativos. A audiência é gigantesca: 4 milhões de pessoas.
"Passei a evitar aglomerações, porque todo mundo me reconhece aqui"
A Coreia é um país que tem muitas celebridades: o número per capita deve ser muito maior que no Brasil. Os salários não são tão bons assim, e é muito arriscado viver só disso. A celebridade estrangeira é duplamente cobrada: se você der um passo em falso, no outro dia está nos jornais. Por essa razão, nunca pensei em deixar o emprego na embaixada.
Aqui na Coreia do Sul, a pessoa está na TV porque é educada, confiável. É um país que tem teste para garota do tempo e para comediante. Só passam pessoas com boa formação. Quando veio o convite para trabalhar no Live Info, minha namorada, que é de uma família tradicional coreana, me disse: ‘Você tem que entrar, minha avó vai adorar’. Hoje, o avô dela me vê comendo ostra e me ama. A aceitação do estrangeiro é difícil aqui, mas a TV me deu aprovação social. Virei o gringo que dá para levar a sério.
Depoimento colhido por Cláudio Goldberg Rabin