PRIMEIRA PESSOA

Dou o ingresso e mais 10 reais para quem assistir à minha peça

Adriana Nunes, atriz, 49, protagoniza o espetáculo 'Mercedez com Z', que presenteia, a cada sessão, as trinta primeiras pessoas que chegam à bilheteria

query_builder 1 de novembro 2018, 8h15

Meu grupo de teatro Os Melhores do Mundo está em cartaz há 23 anos. Há uns cinco anos, sentimos uma queda do público. Mercedez com Z é relativamente novo, ainda não tem a força dos nossos outros espetáculos. Fizemos uma temporada em São Paulo recentemente e, quando chegou ao fim, paguei o aluguel do teatro, os técnicos, as passagens, hospedagens, assessoria de imprensa e cheguei à conclusão: estou pagando para fazer teatro. Brinquei que só faltava pagar o público para assistir à peça. Antes de estrear no Rio de Janeiro, decidimos fazer isso de verdade. Estamos em cartaz no Teatro Candido Mendes, e damos, além do ingresso, mais 10 reais para as primeiras trinta pessoas que chegam na bilheteria, às 18 horas. O compromisso é assistir ao espetáculo.

As pessoas estão deixando de sair de casa por causa da violência e da crise econômica. Mas a gente acredita que é necessário sair, se encontrar, conversar. Quando você vê uma peça, passa por uma experiência única, porque aquele espetáculo foi feito para você naquele dia. Essa ação tem um valor simbólico, é uma coisa para gerar boca a boca, para que as pessoas assistam e depois comentem com alguém. É uma peça pequena em um teatro pequeno, mas eu acredito no movimento positivo que isso pode causar.

O espetáculo foi mudando de acordo com o que aconteceu nos últimos anos, inclusive na minha vida. É o retrato de uma mulher que liga para um programa de rádio para contar sua história de desilusão amorosa. A peça traz alguns questionamentos, como: qual o valor do casamento? Vale a pena estar com uma pessoa a vida inteira para manter um padrão social? Por que algumas mulheres aceitam viver com companheiros que as prejudicam? Estamos contando uma história social do país e das mulheres. Estou separada há um ano e isso mudou muito o espetáculo. É difícil você chegar aos 40 anos e dizer que está separada, todo mundo fica com dó. Mas e se eu quiser ficar sozinha? E se eu estiver melhor assim?

"Já teve gente que disse que não queria receber o dinheiro e algumas pessoas, por outro lado, apareceram duas horas antes na bilheteria, porque realmente estavam ali pela ação."

Ao final da peça, eu e meu colega de elenco Ricardo Pipo nos encontramos com o público que vai receber o dinheiro. A gente diz que cada um faz o que quiser com ele, mas se quiserem reinvestir em cultura seria sensacional. Estimulamos que eles comprem um livro no sebo, assistam a outro espetáculo. Já teve gente que disse que não queria receber o dinheiro e algumas pessoas, por outro lado, apareceram duas horas antes na bilheteria, porque realmente estavam ali pela ação. Mas 10 reais, se você pensar, também é mais ou menos o que se paga de transporte, para ir e voltar do teatro. A ação não deixa de ter essa função para quem não pode pagar e não teria nem como se deslocar para ver uma peça.

A ideia é que o dinheiro que damos venha dos ingressos que vendemos, mas a divulgação ainda não decolou, então por enquanto está saindo do nosso bolso. Ainda estou investindo, tenho gastado mais do que recebido. Vivo de teatro, vem daí a maior parte da minha renda, e não vou desistir. Essa peça não tem patrocínio, mas eu acredito nas leis de incentivo à cultura. Estou esperando a aprovação da Lei Rouanet para captar fundos para outros dois projetos. É uma lei necessária e muito interessante, que deve ser usada e aproveitada por todos. Há muita desinformação sobre esse assunto, porque, como em todas as áreas, pode ter algum processo que aconteça de forma errada e isso acaba se sobressaindo em relação ao resto, que acontece corretamente.

A cultura no Brasil é muito desvalorizada, assim como a educação. E é justamente isso que poderia mudar a nossa realidade, porque a pessoa que tem acesso a educação e cultura vai dividir seu conhecimento com as outras, é uma propagação. Nas cidades, tem entretenimento para todos os gostos e bolsos. As pessoas não têm desculpa para ficar dentro de casa, só vendo Netflix. A internet chegou a um ponto sem volta, mas não podemos deixar que a tecnologia tome a vida das pessoas de tal maneira que elas parem de conviver. Não precisa deixar de ver Netflix, eu mesma adoro, acompanho tantas séries. Porém, está faltando o lúdico, a brincadeira, o ócio. O tempo todo você está fazendo alguma coisa – até na praia as pessoas ficam no celular, não olham mais o mar, não veem a onda indo e voltando.


Serviço:

Mercedez com Z

Teatro Candido Mendes - Rua Joana Angélica, 63, Ipanema, Rio de Janeiro
Quintas-feiras, às 20 horas (Para participar da ação é necessário chegar às 18 horas)
Em cartaz até 20 de dezembro

Depoimento colhido por Meire Kusumoto
Foto: Nick El-Moor