Serei a única menina a representar o Brasil na Olimpíada Internacional de Matemática do Cone Sul, que reúne sete países, em agosto (*entre 15 e 21 de agosto). Nasci em Porto Alegre, tenho 15 anos, já ganhei 28 medalhas nacionais e cinco internacionais em olimpíadas de exatas e sou, sempre, uma das poucas garotas. Não só no Brasil, mas em todo o mundo, apenas um em cada dez participantes desses campeonatos é mulher.
Participo das competições desde 2013, mas fui me dar conta dessa desigualdade no ano passado, durante o treinamento para a Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM). Na turma de 27 pessoas só havia eu de menina, e comecei a me sentir desconfortável. No ano anterior, um dos professores havia me dito que ‘olimpíada de matemática não é lugar de menina’. Ganhei uma medalha de ouro na OBM naquele ano, 2015, e o professor passou a me apoiar. Acredito que, muitas vezes, os docentes e cientistas não notam o machismo no discurso e veem como natural o fato de existirem poucas garotas nas disputas.
O problema é que existe o estigma de que exatas é "coisa de homem", como se estudar e ser competitiva fizesse com que perdêssemos a feminilidade. As pessoas não falam isso diretamente, mas, ao longo de minha vida escolar, eu senti isso. Não era bem aceita pelos meus colegas na escola estadual de Frederico Westphalen, no Rio Grande do Sul, onde estudei até o fim do ensino fundamental. Era vista como a garota estranha da classe, que estudava mais que as outras.
Gosto de desafios. Adoro superar meus limites, e meus pais, professores universitários de computação e direito, sempre me incentivaram. Aos 9 anos eu participava de competições de patinação artística e, aos 11, ganhei minha primeira medalha em campeonatos de matemática, um ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep).
"O número pequeno de garotas nas disputas de exatas e o preconceito sutil que sentimos faz com que muitas de nós acreditem que não é possível que sejamos tão boas quanto os meninos"
Acabei participando da competição quase por acaso: a professora avisou em um dia que, no seguinte, faríamos a prova da Obmep, para a qual todos os alunos estavam inscritos. Não sabia do que se tratava, mas achei interessante e, mesmo não tendo um afeto especial pela disciplina, passei para a segunda fase. Chamei uma colega da sala para estudarmos nos fins de semana para as próximas provas. Estava acostumada a estudar sem orientação, pois havia feito isso para prestar um exame e pular do 5º para o 7º ano na escola. Consegui a classificação na Olimpíada aprendendo sozinha e tirando dúvidas com finalistas que encontrei pelo Facebook.
A medalha foi um enorme incentivo, e quis aprender mais. Minha mãe é professora de lógica da programação no curso de computação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e me chamou para assistir, como ouvinte, às aulas dela. Era engraçado que eu, aos 12 anos, estivesse em uma universidade, entendendo o conteúdo da matéria. Mas as aulas me ajudaram muito a desenvolver o tipo de raciocínio matemático exigido pelas competições.
"Resolver desafios de matemática é quase como uma arte: de repente as coisas se encaixam de uma maneira lógica e exata. É belo, prazeroso e divertido"
No ano seguinte, ganhei uma medalha de bronze na Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM) e fui convocada para os treinamentos para competições internacionais. Não parei mais. Essa preparação é essencial, pois as provas das olimpíadas trazem um tipo de ‘matemática pela matemática’, ou seja, não são as aplicações rotineiras da disciplina. Temos que quebrar a cabeça até chegar a uma solução criativa e original para os problemas propostos. Para mim, resolver esses desafios é quase como uma arte: de repente as coisas se encaixam de uma maneira lógica e exata. É muito belo, prazeroso e divertido.
Aos 13 anos, eu já era a primeira menina a ganhar um ouro nível dois na OBM, nome dado à medalha para a categoria 8º e 9º ano. Participei de competições de física, astronomia, geometria, informática e geografia, mas as de matemática são minhas preferidas. Na Olimpíada Iraniana de Geometria e na Olimpíada de Maio (entre países da América Latina, Espanha e Portugal), fui a primeira brasileira a ser premiada.
Para tentar aumentar essa baixa participação feminina, criei, junto com minha mãe, o projeto Meninas Olímpicas. Divulgamos a presença das jovens e problematizamos a baixa participação. O número pequeno de garotas nas disputas de exatas e o preconceito sutil que sentimos faz com que muitas de nós acreditem que não é possível que sejamos tão boas quanto os meninos. Tive colegas que não conseguiram ir para a Olimpíada Internacional de Matemática (IMO, na sigla em inglês) por não acreditarem nelas mesmas. Neste ano, não passei nos testes para participar (serão seis meninos), mas isso não me desanima. Estou disposta a vencer mais esse desafio.
Depoimento colhido por Júlia Moura
Foto por Ricardo Matsukawa/VEJA.com