Eu sou o Gabriel Lesli e nasci na cidade de Cabo Haitiano, no Haiti. Cheguei em São Paulo há mais de um ano. Morar no Brasil sempre foi meu objetivo para melhorar de vida e fugir da violência n Haiti. Quando era criança, eu e meu pai gostávamos de assistir o futebol brasileiro. Era fã de Cafu, Rivaldo, Ronaldo. Por isso sempre gostei daqui.
Eu tinha uma loja no Haiti e vendia eletrônicos, laptops, celulares. Os negócios não iam bem, mas economizei e consegui juntar dinheiro para vir para o Brasil. Eu queria viver em um país melhor, mais pacífico e organizado. Passei um mês viajando e passando em vários lugares antes de chegar aqui. Tive que contratar uma agência e pagar 5.000 dólares para me trazerem ilegalmente. Primeiro, fui até a República Dominicana e de lá tive que contratar outro agente para pegar um voo até o Panamá, depois outro até Equador, onde peguei um ônibus que demorou oito dias para chegar ao Peru. De lá, peguei mais um ônibus para chegar até o Acre e depois um outro até São Paulo. Em todas as paradas eu dormi muito pouco e comi sempre muito mal. Foi uma viagem muito cansativa e confusa, com muita gente querendo se aproveitar de mim e de outros imigrantes. Nos prometem empregos, documentos legais, tudo. Mas é tudo mentira, só querem ficar com o nosso dinheiro.
Não conhecia ninguém, mas sabia da Missão Paz e fui buscar ajuda assim que cheguei. Passei uma semana dormindo no chão da instituição, nunca vou me esquecer disso. Depois de 15 dias, com a ajuda do Padre Paulo (da Paróquia Nossa Senhora da Paz) e por falar francês consegui um emprego de confeiteiro em uma pâtisserie nos Jardins, onde trabalho todos os dias das 5h00 às 13h00. A minha língua materna foi um diferencial, pois é o idioma do chef, o Fabrice Le Nud, e da pâtisserie também, das principais receitas. Aprendi uma nova profissão e agora sei fazer bolos, chocolates e tortas. Hoje, com o que ganho consigo pagar todas as minhas contas e o aluguel do quarto que alugo.
"Sabem do que eu gosto? Medicina. Quero ser médico. Mas não posso fazer faculdade agora, tenho que aprender português antes. Mas a vida é assim, né? Temos que ter paciência para ir em frente"
Mas o que gosto mesmo é de fazer negócios. Já abri uma loja pequena aqui em São Paulo, no Glicério. Corto cabelo, vendo cosméticos, cobro para fazer ligações internacionais e para enviar dinheiro para o exterior. Eu corro atrás da vida, busco melhorar minha condição, sempre. Fiz faculdade de contabilidade lá no Haiti, mas quando eu aprender a falar português muito bem, também quero fazer outro curso aqui, para aprender uma coisa nova. Sabem do que eu gosto? Medicina. Quero ser médico. Mas não posso fazer faculdade agora, tenho que aprender português antes. Mas a vida é assim, né? Temos que ter paciência para ir em frente.
Meu filho de 5 anos, Gabriel, e minha esposa Dorly ainda moram no Haiti. Falo com eles todos os dias e com meu pai também, mas mesmo assim sinto muita saudade. Quando eu vim para o Brasil não tinha dinheiro para trazê-los. Mas não posso deixar minha mulher para trás e quando tiver dinheiro suficiente, vou trazer todos para cá.
Tenho muitos amigos em São Paulo, brasileiros, haitianos, africanos. Quando novas pessoas chegam na cidade e precisam de qualquer coisa, seja auxílio para arrumar trabalho ou de um lugar para ficar, já vêm me procurar. Assim como me ajudaram a arrumar minha vida, gosto de ajudar os outros também.
Mas está muito complicado para os estrangeiros aqui em São Paulo. Eu tive sorte, mas muitos estão sem emprego e não têm dinheiro para voltar, ficam presos aqui. Mesmo assim, os haitianos continuam vindo, pois em nosso país não há empregos, está muito violento e instável. Não podemos andar nas ruas a qualquer hora. Por isso eu gosto daqui, posso andar na rua a qualquer hora e sair por aí tranquilo. Além disso, os brasileiros nos respeitam. Gosto muito disso.
Depoimento colhido por Julia Braun
Foto por Felipe Cotrim