PRIMEIRA PESSOA

Um dia serei goleiro do Barcelona

Matheus Moreira, 11 anos, nasceu com má-formação na mão esquerda, mas uma prótese pode ajudá-lo a realizar seu sonho

query_builder 28 mar 2017, 15h00

Nasci com uma má-formação congênita e tenho apenas dois dedos na mão esquerda. Eu sempre quis ter cinco dedos como todo mundo e me incomodava muito com isso quando era menor. Algumas crianças na escola me chamavam de "sem dedo", ficavam olhando para mim, rindo, apontando, essas coisas. Era muito chato.

Não entendia por que eu era assim e as outras crianças, não. Minha mãe sempre me dizia que cada um é de um jeito, que eu não devia ligar, mas não adiantava muito. Eu não gostava de ser diferente. Com o tempo, ela foi me explicando que eu havia nascido assim e, aos poucos, fui me acostumando. Passou a ser uma coisa que já não me deixava tão triste.

Meus pais sempre me incentivaram a praticar esportes. Eu jogo handebol, vôlei, basquete e vou começar no tênis. Gosto de todos, mas futebol é o meu preferido. Meu maior sonho é ser goleiro. A maioria dos meninos quer ser atacante, mas eu sempre quis ir para o gol, mesmo sendo a posição mais difícil. Meus amigos e meu técnico dizem que sou bom. Jogo no time sub-11 na escolinha do clube Ubá, da minha cidade, Manhuaçu (MG), e meu apelido é "Muralha". Já tenho até troféu e medalha.

O problema é que, mesmo jogando bem e conseguindo fazer muitas coisas, ainda queria muito ter os cinco dedos. Fazer as coisas que todos fazem, brincar de fazer cócegas no meu pai, segurar um garfo para comer e, principalmente, ser um goleiro melhor do que já sou.

No ano passado, eu estava com a minha mãe em casa quando uma amiga dela ligou para falar sobre uma reportagem na televisão, que contava a história de um menino com uma prótese para os dedos. Na hora, eu pedi a minha mãe que conseguisse uma igual para mim. Entramos na internet, encontramos a página da empresa e ela mandou uma mensagem, mas disse para eu não me animar muito, porque não sabia se iríamos conseguir. Eu teria de esperar e torcer.

A resposta demorou a chegar. Todos os dias eu perguntava se havia alguma novidade, até que mandaram uma resposta de Belo Horizonte dizendo que poderiam fazer a prótese (desenvolvida por engenheiros da 3D Lopes e por técnicos do Laboratório Aberto da Fiemg, ao custo de 750 reais). Nem sei explicar o que eu senti na hora, foi muita felicidade, muita mesmo.

"Não entendia por que eu era assim e as outras crianças, não. Minha mãe sempre me dizia que cada um é de um jeito, que eu não devia ligar, mas não adiantava muito. Eu não gostava de ser diferente."

Virou uma ansiedade só. Durante a viagem até Belo Horizonte, na empresa, para fazer os primeiros testes, eu não parei de falar o tempo todo, estava muito empolgado. Depois, eu fiquei mudo, meio nervoso, mas na hora em que abri a caixa e vi a prótese foi uma felicidade enorme. Ela se encaixou direitinho na minha mão e já comecei a mexer os dedos. Era um sonho.

Minha prótese é amarela e preta. Escolhi as cores do Borussia Dortmund, da Alemanha, meu time preferido. Meu ídolo é o Neymar e, aqui no Brasil, torço para o Cruzeiro.

Quando fomos para Belo Horizonte no começo deste ano buscar a prótese definitiva, eu ganhei uma surpresa. Sempre quis conhecer a Toca da Raposa (centro de treinamento do Cruzeiro), mas meus pais disseram que tínhamos uma entrevista marcada com uma emissora de TV. Fiquei emburrado o caminho todo, estava muito chateado, eu ia perder uma chance única e não queria dar entrevista nenhuma. Mas de repente o carro parou e eu linuma placa: "To-ca da Ra-po-sa". Não acreditei. A emissora de TV tinha marcado um encontro para eu conhecer os jogadores. Foi demais, muita emoção, minha camisa está toda autografada. Na próxima viagem, quero realizar outro sonho e assistir a um jogo no Mineirão.

Na volta para a escola, meus colegas e professores fizeram uma festa para mim. Todo mundo queria ver minha prótese. Quando ando na rua, muita gente ainda olha, e eu não gosto. Não porque eu tenha vergonha da prótese, mas porque sou tímido mesmo, não acho legal as pessoas me olhando.

A adaptação está sendo boa. No começo, era um pouco difícil segurar as coisas. O garfo ainda é um desafio, mas já consigo fazer cócegas no meu pai a toda hora. Só não consigo ainda usar nos jogos. É um pouco difícil acertar alguns movimentos, como encaixar a bola. A gente pode errar no treino, mas não dá para errar no jogo, quando muita gente está assistindo, fica complicado.

Vou continuar treinando para ficar cada vez melhor. Em abril, devo ganhar uma nova prótese, com um encaixe diferente para os dedos. Isso talvez ajude no futebol. Quero jogar em um time sub-15. Eu sei que o Bangu, do Rio, faz testes e talvez eu me inscreva no ano que vem. Mas um dia quero mesmo é ser goleiro do Barcelona… Também do Cruzeiro e da seleção brasileira.

Depoimento colhido por Mariana Lajolo
Foto Arquivo Pessoal