Cresci em uma casa onde meu pai nas horas vagas entalhava madeira para fazer quadros e minha mãe trabalhava com artesanato, especialmente pintura em tela, bordado e biscuit. Por volta dos meus 9 anos, inspirada em minha mãe, passei a me interessar pelo artesanato. Comecei aprendendo a fazer ponto cruz comprando revistas em bancas de jornal. Logo depois, conheci a arte de fazer biscuit e aprendi a fazer bichinhos. Eu fazia chaveiros e vendia na escola. Era um sucesso.
Por volta dos 14 anos, fiz cursos de biscuit para me aperfeiçoar e, a partir de então, passei a fornecer as peças que fazia para cinco lojas da cidade - cerca de 100 unidades para cada loja. Na época, eu só estudava e o resto do tempo eu dedicava a produzir as peças. Mais adiante, comecei a fornecer cenários da Bíblia com peças em biscuit para livrarias evangélicas. Eu era muito jovem e reinvestia todo o dinheiro que ganhava em material e cursos.
Trabalhei como fornecedora de peças de biscuit por muitos anos. Chegava a ganhar 500 reais por semana. Mas, com o tempo, tive um problema nos ombros por causa dos movimentos repetitivos e tive de reduzir minha produção. Arrumei um emprego formal em uma multinacional para continuar comprando os materiais e manter pequenas encomendas.
Fiquei nessa empresa por quase cinco anos e, nesse período, tratei o meu ombro. Durante essa época, vendo TV, conheci a arte de fazer bebês Reborn [bonecas ultrarrealistas, que parecem recém-nascidos de verdade] e me apaixonei. A moça que apresentou as bonecas era a única do Brasil que trabalhava com isso, mas ela não deu nenhuma dica de como fazê-las. Comecei a pesquisar por conta própria, mas só achava cursos e materiais fora do Brasil e era tudo muito caro.
Por dois anos, fiquei pesquisando e fui aprendendo a técnica sozinha. Em 2010, decidi comprar nos Estados Unidos material suficiente para fazer uma única boneca, para testar. Gastei cerca de 750 reais para comprar um kit básico, que veio com a cabeça, braços e pernas de borracha atóxica. O corpinho de tecido também foi importado, assim como os materiais de acabamento: olhos, cabelo, tintas, pincéis. Eu, meus pais e meus irmãos estávamos muito ansiosos e passamos uma madrugada inteira para fazer a primeira boneca. Deu certo. E eu a vendi por um preço simbólico, 600 reais, para começar a divulgar meu trabalho.
"Fazer essas bonecas ultrarrealistas dá muito trabalho, pois tudo é feito artesanalmente. A cada mão de tinta, a boneca precisa ficar quinze minutos no forno, a 180 graus. Tenho de passar 26 cores de tinta para atingir a tonalidade mais próxima da pele humana. O cabelo é implantado fio a fio, com uma agulha."
Fazer essas bonecas ultrarrealistas dá muito trabalho, pois tudo é feito artesanalmente. Por exemplo: a cada mão de tinta que eu passo na borracha, a boneca precisa ficar quinze minutos no forno aquecido a 180 graus. Tenho de passar 26 cores de tinta para atingir a tonalidade mais próxima da pele humana – isso significa que cada boneca vai para o forno pelo menos 26 vezes. Aí é preciso esperar que ela esfrie completamente para retomar a pintura. O cabelo da boneca é implantado fio a fio, com uma agulha. Uso pelo de ovelha, que é o mais parecido com cabelo de bebê. Há quem use cabelo natural de adultos, mas os fios são muito grossos e acho que fica muito artificial.
Quando vi que o negócio estava dando certo, saí da empresa e investi todo o dinheiro da minha rescisão na compra de materiais. Passei a divulgar e a anunciar as bonecas nas redes sociais e em um site que eu criei. Comecei fazendo de duas a três unidades por mês, tudo dentro do meu quarto. Passei para seis bonecas por mês e decidi me mudar para um apartamento maior, onde reservei um quarto exclusivo para ser o ateliê.
As coisas ganharam outra proporção há cerca de três anos, quando a youtuber Nanda Lima, que hoje tem 13 anos, me procurou pedindo uma boneca para ela. A Nanda tem um canal com mais de 550.000 seguidores em que mostra a rotina das bonecas como se fossem de verdade. Ela foi a minha primeira cliente criança. Até então, eu só fazia bonecas Reborn para colecionadores. Depois dela, a procura explodiu. Todas as crianças queriam ter uma boneca igual à da Nanda. Até a Rafa Justus (filha da Ticiane Pinheiro com Roberto Justus) se tornou minha cliente.
Hoje, faço pelo menos três bonecas por semana. Mas já cheguei a entregar 25 unidades em um único mês. A boneca mais barata, feita com o kit mais básico, custa 3.600 reais. Todo o material é importado. Além disso, a boneca é entregue com enxoval completo – chupeta, manta, roupas, fralda, mamadeira, bolsa, certidão de nascimento, marquinha de vacina, teste do pezinho e certificado de autenticidade do material e da artesã. Há versões mais completas, com chupetas decoradas com cristais Swarovsky, por exemplo. Há também bonecas feitas com materiais de edição limitada. A mais cara que eu fiz custou 6.500 reais, mas era um exemplar similar a um bebê de 1 ano de idade.
A demanda cresceu tanto que tive de mudar de espaço de novo. Hoje, trabalho num ateliê de 90 metros quadrados e ainda quero expandir mais. Ao todo, até o fim de outubro, já produzi 948 bonecas Reborn. Enviei algumas para o México, Austrália, Portugal. Meu objetivo é abrir uma loja em um shopping para que a criança escolha a boneca e monte o enxoval de acordo com o que mais gostar, pois eu não faço apenas bonecas. Eu realizo sonhos.
Veja imagens de bonecas Reborn feitas pela artesã Ana Paula Guimarães
Depoimento colhido por Fernanda Bassette
Foto Douglas Magno/ VEJA.com