Eu estava passeando em Miami com a minha mãe e decidimos passar um fim de semana com uns amigos nas Bahamas. Fomos em um avião da família de um deles e voltamos em voo de carreira. Desembarquei no aeroporto de Miami e foi lá que tudo começou.
Eu estava na fila da alfândega. Sabe aquele negócio de mulher, que abre a câmera frontal do celular para dar uma checada no rosto? Eu fiz isso, uma amiga apareceu atrás de mim e resolvemos fazer uma selfie [o que é proibido no local]. Não deu nem tempo de apertar o botão. Um policial pediu documentos, pegou o celular de todo mundo e nos tirou da fila. Depois de um tempo, fui chamada e um oficial da imigração me perguntou se eu tinha autorização dos meus pais para viajar sozinha – eu era a única menor de idade do nosso grupo. Mostrei a autorização no passaporte e ele disse: “Isso está em português, não é válido nos Estados Unidos”. Então, me avisaram que eu seria escoltada para um aeroporto maior, também em Miami, para resolver o problema.
Quando cheguei lá, fiquei em uma sala sozinha, só com um vaso sanitário e uma câmera. Se precisasse ir ao banheiro, tinha que ser com a câmera me filmando. Estava indignada: por que fui barrada se eu tinha visto, carimbos de entrada e saída dos Estados Unidos e ainda uma autorização para viajar sozinha? Passei o dia todo lá, sem poder trocar de roupa, com frio e com fome, respondendo a um monte de perguntas. Até que um oficial da imigração disse que eu precisaria ver um juiz, mas que ele estava em Chicago e eu teria que ir até lá. Não entendi o que estava acontecendo, em Miami também há juízes e eu não queria ir para Chicago. Fiquei horas esperando o transporte, chorando sozinha, desesperada. Acabei não viajando naquele dia. Fui encaminhada para um hotel com dois oficiais que me vigiaram a noite inteira. Tive de dormir com a porta aberta, com eles postados na entrada do quarto. No outro dia, fui levada ao aeroporto em um camburão, daqueles de ferro, para bandidos, e algemada como se fosse uma terrorista. Mas até essa hora, achava que iria ver o juiz e que voltaria para Miami, talvez no mesmo dia. Na pior das hipóteses, pensei, vão me colocar em um hotel para esperar um voo de volta.
Que nada. Não fui levada a nenhum juiz, mas a um abrigo para menores. Lá, recebi um uniforme e uma lista de regras. Perguntei a uma assistente social quando eu iria embora. Ela respondeu: “Pode demorar dias, semanas ou até um tempo mais”. Comecei a entrar em choque. Não era um abrigo, eu estava presa. Só podia falar com a minha mãe duas vezes por semana, por dez minutos, e as chamadas eram monitoradas por alguém que falava português.
Acordávamos às seis da manhã, o café era uma miséria e a comida era pouquíssima, no almoço e no jantar. Durante o dia, tínhamos de fazer aulas de inglês e ginástica no pátio, debaixo de um calor infernal. No início eu estava bem revoltada, mas me acalmei e tentei me acostumar. Lá, todas as tentativas de desobediência ou questionamentos resultavam na mesma ameaça: poderiam atrasar a nossa saída.
Depois de duas semanas no abrigo, marcaram um encontro com a minha mãe e disseram que eu talvez já fosse com embora ela. Mal tive tempo de arrumar as malas. Em nenhum momento eu ou a minha família soubemos porque fui detida. Ninguém nos explicou nada ou deu qualquer justificativa para o que aconteceu. Nos Estados Unidos, cabe ao oficial de imigração aceitar ou não um documento, liberar ou barrar alguém. E eu fui barrada.
Sobrou um pouco de rancor, claro. Mas eu entendo o lado deles também, fazem isso pela segurança do país. Continuo querendo conhecer outros lugares, mas não penso em voltar para os Estados Unidos tão cedo.
Depoimento colhido por Daniela Flor
Foto por Gerardo Briceno