Nasci na Ucrânia em 1990, um ano antes do colapso da União Soviética. As circunstâncias econômicas eram terríveis. Meus pais tinham vários empregos para conseguir ganhar o mínimo necessário para a gente viver. Eles não recebiam dinheiro, apenas cupons que davam direito a comprar mantimentos, como um saco de 5 quilos de açúcar. Não havia eletricidade de noite. Mais tarde, descobri que ser uma jovem mulher em meu país é uma experiência particular. Nas ruas, era comum que homens dessem às garotas panfletos com convites para trabalhar em bordéis, prometendo salários enormes, de 1 000 dólares.
Apesar dessas adversidades, consegui entrar em uma prestigiada universidade de Kiev e estudar jornalismo. Aos 19 anos, recebi uma mensagem em uma rede social perguntando se eu queria participar de uma reunião do Femen sobre resistência à indústria do sexo e sobre a luta contra a prostituição. Ninguém sabia o que era o Femen. Eu pesquisei no Google e não achei nada. Aí, comecei a me perguntar coisas como: “Afinal, eu sou contra a prostituição?” Era a primeira vez que eu me vi obrigada a pensar nessas questões, porque na universidade, na escola ou nas conversas com amigos, ninguém discutia os direitos das mulheres.
O primeiro protesto topless de que participei com o Femen aconteceu em 2010, dois anos depois de me juntar ao movimento. Victor Yanukovich, aliado do russo Vladmir Putin, estava prestes a ganhar a eleição porque todos os candidatos a favor do Ocidente e da democracia tinham sido eliminados. Eu e outras quatro ativistas aparecemos com mensagens no corpo alertando para o fato de que a democracia estava em perigo. Eu era contra mostrar os seios, mas ao ver a reação ao protesto entendi que a tática fazia sentido. Trata-se de uma maneira de mudar a percepção do corpo feminino, que, por causa da sociedade patriarcal, só aparece nu no contexto sexual. Ao colocar a nudez em um contexto diferente, nós a transformamos em um instrumento político, em uma arma. E isso incomoda muito os ditadores.
Quando nós protestamos na Bielorrússia (governada por Alexander Lukashenko, aliado de Putin), em 2011, um grupo de homens armados nos agarrou e nos jogou em um ônibus. Durante a noite toda, eles nos mantiveram lá, circulando, e nos fazendo perguntas: “Quem mandou vocês fazerem isso? Nós sabemos que o Ocidente pagou vocês". Depois, eles vestiram capuzes em nós e nos puseram em outro ônibus. Não podíamos nos mexer nem levantar a cabeça. A cada dez ou quinze minutos eles diziam que iam nos matar. “Imagine o rosto da sua mãe quando ela vir o cadáver que vamos mandar para ela”, falavam. Aí, eles nos levaram para a floresta, mandaramque tirássemos a roupa e nos bateram com um bastão. Filmaram tudo com uma câmera e um deles cortou meu cabelo com uma faca. Também nos deram cartazes com a suástica nazista, que tivemos de segurar enquanto registravam tudo. Ao final, eles nos abandonaram e saímos andando pela floresta, tentando achar um jeito de escapar dali.
É muito difícil lidar com o medo. O que me fez concluir que eu deveria continuar com as minhas atividades apesar dessa agressão foi entender que as vítimas, na verdade, eram eles. Uns 25 homens adultos, todos com cerca de 40 anos, que passaram 24 horas fazendo tudo aquilo com três garotas apenas porque elas tinham protestado de peito aberto contra a tirania. Eles eram vítimas da ditadura, que os estava comandando e submetendo aos seus dogmas. Em 2012, fugi da Ucrânia para não ser presa, e hoje moro na França. Aqui eu não me sinto sozinha, porque existem muitas pessoas que nos apoiam. Na Ucrânia, éramos um grupo pequeno. Atualmente, já estamos em sete países.
Depoimento colhido por Luiza Queiroz
Foto por Franco Origlia/Getty Images