PRIMEIRA PESSOA

Arrancaram do Rio o que tínhamos de melhor

No aniversário da execução da vereadora Marielle Franco, sua companheira, Monica Benício, cobra a identificação do mandante do crime

query_builder 14 de março 2019, 18h30

A polícia prendeu os executores da Marielle e do Anderson, seu motorista. É um passo importante nas investigações, sem dúvida. Mas um ano de espera por justiça é tempo demais para um assassinato como este, mesmo para a morosa Justiça brasileira. Espero poder ter acesso em breve aos detalhes, para me sentir segura a respeito deste resultado. E, mais importante do que a prisão de "ratos" mercenários, é preciso responder à questão mais urgente e necessária de todas: QUEM MANDOU MATAR MARIELLE? Espero não ter que aguardar outro ano para saber quem foi o mandante. É dever do Estado providenciar esta resposta, condenar os envolvidos e assim dar uma satisfação a todas e todos que sofrem com a perda de Marielle.

A execução da Marielle é um divisor de águas e por mais que doa, por mais que todos os dias eu durma pensando “menos um para sofrer”, a sociedade brasileira está indignada. Eu sinto isso pela dimensão que a “Monica Benício viúva” tomou. Hoje a solidariedade e o impulso de mudar a ordem vigente são as duas forças quer me fazem levantar da cama.

Nós perdemos muito e não há mais como voltar. A minha escolha é segurar na mão de todas e todos que compreendem o que é companheirismo, o que é amor e afeto, que estão indignados com a execução da Marielle. É argumentar que o sistema está falido e se reconstrói em cima da opressão de nossos corpos e que é esta opressão que levou quem mandou matar Marielle a cometer um dos crimes mais odiosos da história. Acharam que a carne mais barata do mercado era a dela. Nós estamos provando que não.

A vitória da Mangueira no Carnaval é uma resposta a isso. O enredo fala sobre representatividade, referência. Conheci o samba que faz uma homenagem a Marielle e a outras personagens marcantes da nossa história quando ele competia para ser escolhido. Achei lindo. Ficava muito emocionada a cada etapa do concurso. A vitória dele foi na madrugada de 14 de outubro, mesmo dia do ato da distribuição das placas com o nome de Marielle na Cinelândia, no Centro do Rio. Entendi a coincidência também na homenagem, embora tivesse acontecido por acaso.

"A execução da Marielle é um divisor de águas e por mais que doa, por mais que todos os dias eu durma pensando “menos um para sofrer”, a sociedade brasileira está indignada. Hoje a solidariedade e o impulso de mudar a ordem vigente são as duas forças quer me fazem levantar da cama."

Eu assisti à apuração do desfile na quadra da escola. A energia era tão linda que não dava para conter a emoção. Para mim, a vitória da Mangueira faz parte do esforço de justiça para Marielle. Ela ajudou a dar novo significado à noite do 14 de março de 2018, que não deve ser vista apenas como uma noite de violência e barbárie, mas também como o momento em que Marielle virou um símbolo de resistência e da esperança. Eu dei a camiseta com a frase "Lute como Marielle Franco" para Cacá Nascimento, uma das puxadoras do samba da Mangueira. Ela vestiu pouco antes de cantar na quadra para comemorar a vitória. Ver o canto da Cacá, que é menina negra da favela da Mangueira, me fez, pela primeira vez em doze meses, chorar de alegria. Ali eu percebi que minha luta tinha sentido. Ali eu vi o legado de Marielle.

Arrancaram do Rio de Janeiro o que tínhamos de melhor. Hoje eu entendo que Marielle foi um fenômeno político como poucas vezes vimos no Brasil. Mulher, negra, lésbica, nascida e criada na favela da Maré, ela carregava no próprio corpo as bandeiras que defendia. Eleita com 46 000 votos (quatro vezes acima da projeção mais otimista que ouvi), estava ali para segurar as bandeiras que o povo, o povão mesmo, precisa levantar.

Talvez por isso ela incomodasse tanto. Era muito amada, muito querida, estava ao lado da maioria do povo e tinha luz própria. Não foi à toa que a Cinelândia ficou lotada durante o velório e que o crime repercutiu em todo o planeta. Marielle tinha potencial para incomodar os velhacos elitistas que dominam a política no Rio e dar novo fôlego à resistência em escala nacional.

Por isso, eu sigo lutando. Quero Justiça para Marielle e que o Estado brasileiro pare de matar pessoas como ela. Ergo as mesmas bandeiras e vou seguir avançando até a vitória, sempre. Tenho certeza de que é isso que ela esperaria de nós. O Estado brasileiro tem que responder quem mandou matar Marielle, porque este é seu verdadeiro assassino.

Depoimento dado a Bruna Motta
Foto: Rober Sungi/Futurapress/Folhapress