Desde pequeno, sempre gostei de nadar. Fazia aulas de natação, mas nunca me destaquei. A minha altura não ajudou muito, com 1,78m não era capaz de bater adversários de 1,90m. A competitividade me desanimou e acabei abandonando o esporte na adolescência, quando ainda morava no interior de São Paulo. Mudei-me para a capital em 2001 para estudar e trabalhar. Alguns anos depois, voltei a nadar para melhorar minha saúde, já que passava muito tempo sem fazer atividades e ganhando peso.
Em 2009, um amigo me convidou para ir à praia e nadar no mar. Nadei nas águas de Ilhabela, no litoral norte de SP, e me apaixonei. Pouco tempo depois, já estava procurando provas, sempre por hobby, sem intenção de ganhar. Comecei com passos pequenos, maratonas de 2 km, 3 km, 5 km até chegar à maior delas, que é a de 10 km (distância da maratona aquática olímpica). Assim que completei minha primeira maratona, resolvi nadar a chamada 14 Bis, uma travessia que sai de Bertioga e vai até Santos, com 24 km.
Logo após completar a 14 Bis, conheci o nadador Igor de Souza, que atravessou o Canal da Mancha em 1996 e 1997. Passei a namorar a possibilidade de nadar os 33 km entre a França e a Inglaterra. O trajeto, além de longo, é complexo devido à gélida temperatura da água e às correntezas. Muitas pessoas morreram no Canal da Mancha durante as tentativas de atravessá-lo, como a brasileira Renata Agondi, em 1998. Ciente dos riscos, passei a fazer uma preparação intensiva. Musculação e CrossFit pela manhã, e natação todos os dias à noite. Nos finais de semana, seguia para represas ou para o mar. Passei ainda por psicólogos, acupunturistas e fiz acompanhamento com nutricionistas. Nas travessias que demandam 10 a 20 horas de nado, a chave está em conservar a mente sã.
Enfrentei ainda a burocracia. Enviei documentos, resultados de provas anteriores, exames médicos. Recebi o sinal positivo e voei para Londres em agosto do ano passado. No porto de Dover, a cidade mais próxima da França, partimos em um barco que zarpou no início da madrugada e parou próximo a uma praia. Então, recebi as orientações da travessia: “Você pulará na água, nadará até a praia e quando estiver pronto, levantará o braço”. Assim o fiz. Às três horas da manhã, ergui o braço e uma forte buzina tocou; era o sinal que a prova tinha começado. Estava nervoso, mas consciente de que a travessia mudaria minha vida, mesmo se não conseguisse completa-la. Pedi ajuda às forças da natureza e à Iemanjá para que o mar estivesse calmo. Mentalizei: “Estou preparado. Fiz tudo o que poderia fazer. Minha parte está concluída. Agora, é ver o que dá”. Mergulhei naquelas águas geladas e escuras, não conseguia enxergar nada. Meu nervosismo aumentou e em cinco minutos meu corpo já teve reações à ansiedade. Aos poucos, me acalmei. As braçadas encaixaram, o sol começou a nascer, e tudo melhorou.
Quando já estava chegando à França, senti o peso e a dificuldade da prova. Os 33 km se multiplicaram devido à forte correnteza que me puxava para as laterais. O desespero era inevitável, afinal, era possível ver a praia francesa, mas não conseguia chegar, as braçadas não eram suficientes. Manter-me concentrado se tornou meu maior desafio. Quando ficamos nervosos, quase sempre tentamos forçar e isso pode acarretar em uma hipotermia. E 13 horas e 52 minutos depois de ouvir a buzina inicial, pisei na areia. Senti uma sensação de êxtase ao finalmente perceber que havia terminado. Gravei um vídeo para a minha família, que estava no Brasil. Fui para o hotel e dormi por 16 horas. Depois de acordar com o corpo dolorido e ainda muito cansado, eu não conseguia me recordar das coisas que havia feito logo após sair da água, como as mensagens ou fotografias tiradas. Estava muito desgastado e desorientado.
Voltei para o Brasil decidido a me superar. Agora me preparo para completar o trajeto do Canal da Mancha ida e volta. Faço treinos de até onze horas na piscina e amigos se revezam para ficarem comigo. Alguns nadam por horas, saem para comer e depois voltam. Até meus clientes são grandes apoiadores. Sou arquiteto, possuo uma construtora e lido com pessoas e serviços diariamente. Desde que comecei a completar travessias, minha autoestima subiu. A natação mudou a minha vida. Aos 38 anos, sou um homem mais esforçado, dedicado e seguro em diversos aspectos.
Depoimento colhido por Andressa Oliveira
Foto por Felipe Cotrim/VEJA.com