“Foi em uma viagem que senti, pela primeira vez, a angústia que os surdos experimentam diariamente. Estava sozinho em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, há uns dois anos, e perdi o cartão com o endereço do hotel onde estava hospedado. Precisei resolver um problema simples em uma língua absolutamente incompreensível e não consegui me comunicar de forma alguma. Foram instantes de grande tormento e frustração, pois estava em um país estranho em que ninguém me compreendia. Nesse momento, entendi o cotidiano dos surdos. Quem não escuta vive como estrangeiro em seu país, pois convive conosco, mas fala uma língua que não entendemos. Para os quase 10 milhões de surdos brasileiros, algo tão simples como cumprimentar alguém ou comprar uma revista na banca é um verdadeiro desafio. Para ajudar a superá-lo, criei com dois colegas em 2012 o Hand Talk, aplicativo de tradução do português para a língua de sinais.
A ideia do aplicativo surgiu no primeiro ano da faculdade de publicidade, em 2008. Fazia uma disciplina sobre criatividade, e o trabalho final era encontrar uma solução inovadora para um problema qualquer. Resolvi pesquisar sobre pessoas com deficiência e percebi que existia um imenso vazio na comunicação para os surdos – 70% deles afirma ter dificuldades em compreender o nosso idioma. Li livros, fiz buscas na internet, conversei com alguns surdos em Maceió, onde moro, e vi que o problema era real: ouvintes e surdos simplesmente não se comunicam. Idealizei um tradutor digital que pudesse fazer a tradução para aproximar os dois públicos.
O Hand Talk surgiu quatro anos depois, quando me uni ao Carlos Wanderlan, que é desenvolvedor, e o Thadeu Luz, arquiteto de 3D. Com o apoio de associações e grupos de deficientes, criamos um protótipo a partir de minha ideia inicial, e nasceu o carismático personagem do Hand Talk, o Hugo. Para usar, basta falar ao telefone, que o Hugo traduz com sinais – e vice-versa. Daí em diante, começamos a receber vários prêmios nacionais e internacionais e nosso programa teve uma repercussão que, sinceramente, eu não esperava. Em 2013, o programa foi selecionado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o melhor aplicativo social do mundo, no prêmio WSA-mobile. No ano seguinte, fomos eleitos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como uma das dezesseis startups mais inovadoras da América Latina, e o Ministério da Educação incluiu o tradutor em todos os tablets distribuídos na rede pública de ensino. Em outubro de 2016, fui escolhido pelo prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, como um dos 35 inovadores com menos de 35 anos. Fui o primeiro brasileiro a integrar a lista e sou o único latino-americano escolhido neste ano.
Com o apoio desse prêmio, esperamos conseguir levar o aplicativo para os americanos em 2017. Estima-se que 5% da população de um país seja de surdos, o que representa 15,9 milhões de pessoas nos Estados Unidos – e, assim como o idioma inglês, a língua americana de sinais é também muito usada fora do país. Seria o primeiro tradutor do gênero, no mundo. O mais interessante é que o aplicativo tem um impacto muito precioso não só para os surdos, mas para todos que estão próximos a ele. No Brasil, o Hand Talk teve mais de 1 milhão de downloads em três anos, mas estima-se que seja usado por 6 milhões de pessoas. São pais, irmãos, avós e colegas que usam o aplicativo para se comunicar e se aproximar de quem não ouve.
O impacto desse aplicativo é para mim, até hoje, surpreendente e tem uma profundidade que mal consigo mensurar. Um médico me contou que usou o aplicativo para salvar a vida de uma garota de 13 anos que chegou ao hospital muito agitada. A mãe não sabia o que a filha tinha, pois não compreendia a língua de sinais. Com o aplicativo, ele entendeu que a garota estava com uma dor de cabeça terrível e os exames mostraram que ela estava com uma hemorragia intracraniana, que foi imediatamente tratada. Também recebi o relato de uma mãe que disse que conseguiu, finalmente, falar para o filho de 30 anos, surdo, que o amava. Ela não dominava os sinais e jamais havia tido certeza de que o filho era capaz de compreendê-la. É emocionante ouvir esse tipo de coisa – são pessoas que não conheço e que, de alguma forma, tiveram a vida transformada por algo que criei.
O segredo, acredito, é usar a tecnologia de maneira inédita para resolver problemas reais. É uma ideia simples que, realmente, pode eliminar barreiras e mudar profundamente a vida de alguém. Acredito que todos deveriam ter os mesmos direitos e oportunidades – e se o Hand Talk puder deixar essa ‘balança’ da desigualdade mais equilibrada acho que estarei cumprindo meu papel como ser humano.
Depoimento colhido por Rita Loiola
Foto por Nissan