Quando pequena, eu era muito magra e me sentia mal com isso. Usava três calças, uma em cima da outra, colocava enchimento nos ombros e meia no sutiã, eu não gostava do meu corpo. Aos 13 anos, esse corpo magro me ajudou a iniciar carreira como modelo. Na época, não se usava nem ser musculosa, como hoje, era para ter corpo liso de adolescente, barriga marcada era cafona. Eu tinha as medidas ideais – 90 cm de busto, 60 cm de cintura e 90 cm de quadril – e bastante trabalho.
Aos 18, eu era capa de grandes revistas de moda, abria e fechava desfiles e estrelava campanha publicitária, quando, de repente, comecei a encorpar. Aquilo que eu sempre desejei – ser mais curvilínea – se tornou um problema. Eu já estava em carreira internacional, morava em Milão, na Itália, e de repente meu corpo entrou em transformação, o quadril aumentou, a pele ficou cheia de espinhas. Então, a Mega, a agência para onde eu trabalhava, me mandou de volta para o Brasil. Disseram que daquele jeito não daria e que eu deveria me cuidar. Voltei decidida a ter o corpo de antes. Foi aí que tudo começou.
Não é que a indústria da moda aponte uma série de dedos para você ou diga frases cruéis, isso é coisa de novela. Você simplesmente não se encaixa mais, então acaba querendo o corpo que tinha aos 15 anos. A roupa não entra, é preciso pedir um número maior, sua auto-estima vai lá embaixo. Eu usava calça tamanho 36, devia pesar 53kg. De cintura, devia ter 92cm, e as modelos mais incríveis tinham 87 cm, 88 cm de quadril.
Emagreci, mas a guerra para estar nos padrões não acabaria. Aos 21 anos, me vi perdendo trabalhos para meninas que tinham o quadril menor que o meu. Era a fase do Heroin Chic, a tendência da languidez que chegou com a Kate Moss, nos anos 1990.
De novo no Brasil, passei a pular as refeições e só comia quando estava perto da família, com quem eu morava. Fazia um desfile, pulava o almoço, depois a fome ia embora. Eu emagrecia e as pessoas me elogiavam, o que me levou a um ciclo. Você tem consciência, finge que esqueceu, mas sabe que deveria ter almoçado e vai postergando. Aquela fome começa a fazer parte da sua vida e deixa de incomodar. Você não come, não come, não come. O prazer de comer diminui e chega a sumir. Algumas vezes, eu comia com asco e a sensação de estar engolindo um remédio.
Foram seis meses assim. Eu emagreci muito, porque na anorexia não existe limite. A magreza é viciante e você não se enxerga esquelética. Eu estava com 49 kg e me achava linda.
Só percebi que havia algo errado comigo quando não consegui comer, mesmo com vontade. Eu estava com muita fome, não tinha comido o dia inteiro e, na hora em que quis, não pude. Eu estava em casa sozinha, fiz um prato de fettuccine com molho branco, que eu adoro, e, quando levei a primeira garfada à boca, a saliva não veio, eu não consegui mastigar. Engoli a comida, mas ela desceu seca, rasgando. Caí no choro, tomei um copo de leite e fui dormir. No dia seguinte, pela manhã, disse para mim mesma, "Estou perdida". Muita gente não sabe, mas a doença atinge o cérebro, dificulta a comunicação do apetite. Quando você vê um pão de queijo, automaticamente saliva. A anoréxica não consegue salivar. É fisiológico. É a sensação de ter comido um boi e lhe oferecerem uma feijoada. Você não vai salivar. E não vai conseguir mastigar. Coincidentemente, foi quando as minhas irmãs disseram que eu não estava bem, estava magra demais e andava irritadiça. Comecei a chorar de novo e elas me levaram ao médico.
Fui diagnosticada com anorexia e depressão. Tomei remédio de tarja preta por meses, acompanhado de uma psicoterapeuta e de uma nutricionista. Também ouvia os discos do padre Marcelo Rossi – ele já havia me ajudado a superar a morte do meu irmão Fábio, de leucemia, em 1994, e aqui me ajudou novamente. Minhas amigas modelos entravam no meu carro e ficavam bestas com a música, "Nossa, eu não acredito".
No início do tratamento, fiquei reticente, disse ao psiquiatra que não poderia engordar porque dependia da magreza para trabalhar. Ele me perguntou, então, que outro sonho eu tinha na vida, além da carreira de modelo, e eu falei de prontidão que queria ser mãe. Venho de uma família de seis filhos, era natural para mim. Ele me respondeu que já havia tratado muita paciente com anorexia e que nenhuma havia conseguido engravidar quando estava muito magra. Foi como um golpe, “tum”, eu resolvi me tratar e me curei em seis meses. Foi um processo, lógico. Foram precisos dois meses só para voltar a me alimentar normalmente e a pesar 53kg, uma magreza bonita.
Hoje estou curada, mas tem momentos da vida de uma ex-anoréxica em que é preciso tomar cuidado para a doença não se instalar de novo. Quando eu terminei o namoro com o Stefano*, meu marido, eu fiquei mal, emagreci, a anorexia estava lá. Hoje, eu acho que eu tenho um pouco de distorção de imagem, ainda penso que eu poderia perder dois quilos.
E a pressão continua. Com certeza, a moda agora é mais cruel do que na minha época. A modelo é magra para não chamar mais atenção que a roupa. Deve vir daí a idolatria da indústria da moda pela magreza. Que hoje parece pior. Eu vejo desfile e fico chocada. A gente precisava ser magrinha, mas não precisava se matar na academia, afinar a pele. As modelos agora são esqueléticas, não vendem saúde e beleza.
*Isabella Fiorentino é casada com Stefano Hawilla há nove anos e tem três filhos, gêmeos, de 5 anos
Foto por Bruno Santos