PRIMEIRA PESSOA

Não pude curtir a barriga

Eliana Michaelichen, 44 anos, apresentadora, sobre a gestação delicada que a afastou da tevê

query_builder 7 set 2017, 19h00

Em março deste ano, com apenas 11 semanas de gestação, precisei passar por uma cirurgia. Tenho o colo do útero curto e foi necessário fazer uma cerclagem - espécie de reforço para garantir a sustentação do bebê no ventre. Fui operada durante quatro horas, por meio de uma técnica robótica, menos invasiva, mas ainda assim muito delicada. Minha filha foi monitorada o tempo todo. Ela esteve acordada, com sinais vitais perfeitos, enquanto eu estava com duas anestesias (raquidiana e peridural) para suportar o procedimento. Eu sofri com a recuperação, mas só pensava na bebê. Deu tudo certo. A Manuela foi uma guerreira. Hoje tenho apenas a lembrança deste momento bastante tenso e as cinco cicatrizes das pequenas incisões na barriga por onde passaram as "pinças" do robô. A partir daí, achei que seria só curtir a gravidez tranquilamente como na do meu primeiro filho, Arthur, hoje com 6 anos. Daquela vez, me senti super disposta o tempo todo e trabalhei até quase a véspera do seu nascimento.

Dois meses depois da cirurgia, um dia após gravar meu programa no SBT, eu visitava uma casa acompanhada de uma corretora. Até aí, tudo dentro de total normalidade. Tinha acabado de falar com uma amiga (Isabella Fiorentino) por telefone. Contei que estava tudo ótimo e que eu estava feliz – isso até voltar a circular pelo terreno. Foi nesse momento quando senti que algo errado estava acontecendo. Pedi à funcionária da casa que me deixasse usar o banheiro. Quando vi, estava sangrando intensamente. Fiquei apavorada. Saí sem falar muito, entrei no carro e comecei a chorar. Quando resolvi ligar para minha médica e, em seguida, para o meu namorado Adriano – que estava trabalhando na Globo, no Rio – a corretora entrou no carro e viu a gravidade: minha calça jeans estava toda manchada de sangue. Eu precisava encontrar com alguém da família para me ajudar, então saí de lá dirigindo. Ao menos, não tinha dor. Com o auxílio da moça – que me guiava pelas ruas, pois eu não sabia para onde ir, já que me perdia pelos caminhos que conheço desde minha adolescência –, finalmente consegui chegar na casa de minha mãe. Ela já estava na rua me esperando. Orientada pela minha obstetra dei entrada no hospital em estado de emergência. Depois de uma série de exames em nós duas, veio a explicação médica: um considerável descolamento da placenta. Mais uma vez eu ficaria no hospital. Eu precisava ficar internada para monitorar a evolução clínica da situação.

A essa altura, eu já estava amparada pelo Adriano e por minha mãe. Então, fui avisada que não voltaria mais para meu trabalho. Deveria ficar em repouso absoluto para salvar minha filha de um parto extremamente prematuro e que poderia ser fatal. O primeiro sentimento, depois de lidar com o susto e o medo iniciais, foi de revolta. Você se pergunta: “Por que está acontecendo isso comigo?”

Essa gravidez foi muito desejada desde sempre. O Adriano ainda não era pai e eu, muito feliz por já ser mãe, sabia que se fosse para ter mais um, deveria ser logo, pois já tinha cruzado a linha dos 40. Então, no ano passado, conversamos, planejamos, engravidei e comemoramos muito. A alegria, porém, acabou no segundo mês. No início de novembro tive um aborto espontâneo. Além da família e dos muito íntimos, ninguém soube nem da euforia e nem da tristeza que vivemos; do desabar dos sonhos. Aliás, pouco se fala da dor e do luto de uma gravidez interrompida. A mulher ou o casal vive isso no silêncio, no choro contido. Dois dias após a curetagem –, um processo difícil, tanto físico como emocionalmente –, eu já estava no palco, ao vivo por horas, no comando do Teleton, a maratona televisiva em prol da AACD, da qual sou madrinha.

Tentei sublimar a minha perda ajudando aquelas crianças com deficiência que tanto precisam e dando apoio àquelas mães tão especiais. Ninguém desconfiou de nada. Eu sorria por fora e chorava por dentro. Mas consegui cumprir o meu papel e fiquei realizada em poder colaborar.

"O primeiro sentimento, depois de lidar com o susto e o medo iniciais, foi de revolta. Você se pergunta: “Por que está acontecendo isso comigo?"

Mesmo depois do episódio, senti que a natureza estava do nosso lado e, no final de janeiro deste ano, a boa notícia chegou novamente: eu estava grávida. Junto, vieram o pedido de casamento e muitos planos –, até que aquele sangramento me paralisou como absolutamente nada havia feito antes. Trabalho desde os 14 anos. Tenho uma rotina intensa de gravações durante a semana para o meu programa ser exibido aos domingos, além dos meus outros negócios: editora de livros, portal na Internet e os licenciamentos da minha marca. De uma hora para outra, estava numa cama de hospital, sem levantar sequer para ir ao banheiro. Não foi fácil. Poderia, neste momento, dar mais importância à carreira e correr o risco. Mas, vivendo um relacionamento sólido e feliz, decidi me dedicar de corpo e alma para que a nossa Manuela tivesse todas as condições possíveis para se desenvolver ao máximo dentro de mim.

Mesmo tendo meu filho, minha mãe, além de amigos e outros familiares ao meu lado, uma gravidez de risco é um caminho que se faz sozinha. A dor e o medo são tamanhos que só quem vive conhece o verdadeiro significado. Além da gravidade do quadro, mesmo tendo uma equipe médica competente e dedicada cuidando de mim, o ambiente piora ainda mais a situação. Ficar dentro de um quarto hospitalar sem poder levantar, não ver outra paisagem –, a não ser uma mesma parede em sua frente –, faz com que o tempo não passe e a cabeça não pare de pensar. Não há paz. Nestes 30 dias de internação, a insegurança me rondava o tempo inteiro. Não pude curtir a barriga. Eram só incertezas. Não pude curtir a barriga. Aprendi que obstetrícia é uma especialidade médica sem respostas exatas. Cada gestação tem sua singularidade.

Passado um mês, recebi alta. Poderia sair e ir para "casa", mas não para a minha e, sim, a de minha mãe, que ficava bem próxima ao hospital. Foi emocionante sair daquele quarto, poder ver as ruas, as pessoas circulando, sentir o sol batendo no meu corpo novamente. Passei quatro semanas mais amenas, ao lado da família, podendo dormir e acordar com meu filho. Que felicidade! Até que aconteceu um novo susto. Em uma madrugada, saiu o “tampão” –, um prenúncio de que o parto estaria próximo. Começava o sétimo mês de gestação. Já seria a hora? Voltei para o hospital e por lá fiquei mais 17 dias. Temerosa. Felizmente, nada grave aconteceu. Meu quadro se estabilizou e pude retornar para a casa.

Apesar de todo o sofrimento, foi bom sentir que podia contar com o "colo" de muitos amigos e familiares, além do apoio de pessoas anônimas que faziam orações por nós e me escreviam suas histórias, pois já haviam passado pelo que eu estava passando e venceram. Elas me deram força através de cartas e mensagens pelas redes sociais. Essas mães me mandavam fotos do "antes e depois" de seus filhos. Se em algum dia fui inspiração para essas mulheres, neste momento elas é quem me deram força e me encheram de esperança. Foi uma troca arrebatadora.

Neste período vivi o novo. Saí completamente de cena. Deixei de ser observada e comecei a observar. Pude olhar as pessoas ao meu redor com calma, com alma. Depois desses três meses de repouso, longe da minha casa e do trabalho, sem autonomia alguma, precisando de ajuda para tudo, percebi que a gente vive acelerando, acelerando e perde o controle de si. Nossa existência é um sopro e, sem nos darmos conta, ficamos distantes do fundamental e simples: olhar nos olhos e viver o amor a cada dia. Agora já estou estrando no nono mês de gestação e as sequelas de um parto extremamente prematuro ficaram no passado. Já considero uma vitória. Curiosamente, depois de tudo o que passei, diferentemente da minha revolta no início de todo este processo, me vem um outro sentimento forte: de gratidão. Agora pode chegar, Manuela. Amadurecemos juntas. Hoje sua mãe é melhor que ontem.

Depoimento colhido por Thais Botelho
Foto Divulgação/Instagram