Não dá nem para usar a palavra feliz para me referir à notícia da absolvição, porque me encontro numa situação tão bizarra que prefiro dizer que me sinto satisfeito. Foi uma surpresa porque não esperava que a decisão viesse ontem, mas senti obviamente uma sensação de alívio, em primeiro lugar. Especialmente pelos meus pais, Gustavo e Maria Helena, ambos perto dos 80 anos, que estavam bastante preocupados e diariamente me pediam notícias sobre o caso.
Em julho do ano passado, o promotor Francisco Santiago, do Ministério Público de Minas Gerais, entrou com uma denúncia contra mim, pedindo que eu fosse julgado por homicídio doloso pela morte de Rodrigo Pádua. Em maio de 2016, após me render com uma arma calibre 38, Rodrigo ameaçou matar minha cunhada, a apresentadora Ana Hickmann, e minha mulher, Giovana Oliveira, que foi atingida com um tiro. Lutei pelas nossas vidas e o confronto resultou na morte dele. Durante vinte minutos, as duas estavam no quarto, depois foram mais cinco a sete minutos de luta entre ele e eu, e nesse período de tempo não apareceu ninguém do hotel para socorrer. Em nenhum momento ele tirou o dedo do gatilho.
A gente jamais acha que vai acontecer algo parecido na vida da gente, até porque não procurei isso. Eu saí da minha casa para trabalhar, acompanhar minha cunhada num evento de trabalho. Ele saiu para matar, comprou uma arma com numeração raspada e munição especial, com poder de machucar ainda maior que o de uma bala normal de calibre 38. O assassino não sou eu. Era ele.
Claro que tem a parte de tirar a vida de alguém, jamais pensei que um dia tiraria a vida de alguém. Se ele não era um bandido, passou a ser naquele dia. E se ele me matasse primeiro, como seria? Seria uma carnificina dentro daquele quarto. Acordo e durmo com isso todos os dias. Não sei quando vai passar, se é que vai passar. Eu, mentalmente, e minha mulher, fisicamente. Ela na frente do espelho, eu dentro da minha cabeça. Apesar de atingida por uma única bala, Giovana só se salvou porque foi prontamente socorrida. A bala atravessou o braço, entrou pela barriga e perfurou o intestino em nove lugares, até chegar à perna e acertar a artéria femoral. Sobraram duas cicatrizes bem grandes, uma em cada lado da perna, e uma na barriga. A bala até hoje está alojada no fêmur, e ela prefere não encarar outra cirurgia para retirar. Sente um formigamento quando pratica exercício físico.
Na minha cabeça, sempre fui inocente e fiz o que precisava fazer para me manter vivo e salvar minha família. Contratamos advogado e uma perita criminal, Rosângela Monteiro, que tem 25 000 casos no currículo, e fizemos uma reconstituição no quarto 912 do hotel em que ocorreu o ataque, o mesmo em que até hoje a parede do ar-condicionado se encontra perfurada pela bala com que Rodrigo tentou me acertar. Tenho certeza de que só estou vivo porque ele está morto. Não tenho como dizer que me arrependo, porque não se tratava de uma questão de opção.
"Eu saí da minha casa para trabalhar, acompanhar minha cunhada num evento de trabalho. Ele saiu para matar, comprou uma arma com numeração raspada e munição especial"
O promotor não queria que essa reconstituição fosse feita, conseguimos autorização da juíza e ele disse que enviaria alguém na ocasião — o que não ocorreu. Que fique bem claro, eu sempre estive à disposição da Justiça. Meu relato é o mesmo desde o começo, porque é a única versão: não tem lado A, B ou C. No dia do crime, colheram o meu depoimento e o da Ana e do cabeleireiro que testemunhou o ocorrido e socorreu minha mulher. Giovana, ao acordar no dia seguinte no hospital, também foi ouvida. A investigação foi conduzida na hora. Não saí do local, nem banho tomei. Das 14h15, horário em que acabou tudo, até as 2 da manhã, quando fui prestar depoimento, permaneci todo ensanguentado. Foram quatro depoimentos fidedignos aos fatos. Foi por isso que a Polícia Civil falou com tanta veemência que houve legítima defesa. Repeti a história para mais de quinze policiais naquele dia. E sem presença de advogado, que só chegou às 20 horas. Após a denúncia, houve duas audiências. Fui ouvido na segunda, e o promotor não me fez uma pergunta sequer. Os advogados da família do Rodrigo também não.
Minha vida seguiu normal, faço minhas coisas, trabalho bastante. Em viagens, a gente toma mais precauções com a Ana, deixa segurança em quarto contíguo ou na porta, mas não vivo preocupado com isso. Senão, é melhor parar de viver, fazer a mala e ir morar no meio do mato. Não vou dizer que sento e choro, porque eu fiz o que tive que fazer. Se eu estivesse armado, fosse um cara agressivo no meio de uma festa, ou tivesse provocado um acidente de carro, com certeza eu seria massacrado. Mas, do jeito que foi, as pessoas se colocaram no meu lugar. Se, por exemplo, numa briga de bar eu tivesse provocado a morte de alguém, estaria muito, muito mal. Mas, nesse caso, não vou falar para você que me rastejo chorando. Nunca caiu uma lágrima do meu olho. Estamos falando de um agressor de mulheres, que entrou naquele quarto para matar uma mulher. Havia 10 000 fotos feitas com montagens da Ana de cunho sexual dentro do pen drive dele, que acharam depois. Acredito que, de tudo o que leio dos comentários a respeito, no máximo 1% não é de pessoas se solidarizando. Mesmo assim, quem é contra fala coisas como “que quem é rico tem que se ferrar”, e isso não me abala porque rico eu não sou. Não é possível que uma pessoa armada, que levava mais munição no bolso, montou um plano passo a passo de onde e como atacar, atirou para matar na minha cunhada, acertou minha mulher, e eu vá ser condenado. Posso vir a ser? Não sei. Mas a história é muito bizarra.
Sinto muito pela mãe, porque ninguém cria filho para fazer isso. A irmã dele, Elaine de Pádua, andou falando besteira de mim em rede social, me chamando de assassino, tanto que foi processada e teve que parar. Entendo a família do rapaz. Veja você, se uma mãe vai à cadeia chorar a morte de um estuprador, de um esquartejador, de alguém que molestou criança, imagina se não ia chorar? No lugar deles, faria a mesma coisa. Só que ela precisa prestar atenção no que fala. Eles têm todo o direito de sentir dor, a mãe não tem culpa. Ele estragou com a minha família e com a dele.
A denúncia foi uma surpresa porque a gente não entendia ainda como funcionava a Justiça. Nunca me envolvi em nenhum tipo de problema parecido. O promotor tinha que fazer a denúncia, porque realmente aconteceu um crime, como depois me explicou meu advogado. O que não é muito comum é, depois de todas as provas contundentes apresentadas, ele insistir em me levar a júri popular. Fizemos a nossa defesa, e em momento algum parece que ele leu. Ele tem fama, em Belo Horizonte, de nunca mudar de opinião. O Ministério Público vai recorrer da decisão, apesar de a juíza ter decidido ontem a meu favor. Para esse promotor, foi uma execução. Ele continua insistindo na tese de que o Rodrigo já estava dominado quando foi morto, e ele não estava. A gente estava lutando. Ganhei essa etapa do processo, considero que o céu está mais azul e a estrada, asfaltada. Segundo meu advogado, ainda vai levar de um a dois anos para que esse processo chegue ao fim. Estou confiante, mas não vou cantar vitória.
Depoimento colhido por Alvaro Leme
Foto: Reprodução/Instagram