Trabalho como estagiária na área administrativa e financeira de uma empresa que está de mudança do bairro Pacaembu para a Bela Vista, em São Paulo. Naquela terça-feira, dia 29 de agosto, eu passei a manhã no escritório da Rua Rui Barbosa e, por volta das 11h30, subi até a Avenida Paulista para pegar o ônibus até o Pacaembu, onde fica a sede da empresa. Esse é um percurso que faço com frequência, e essa linha de ônibus é bem tranquila.
Entrei no ônibus por volta do meio-dia. Não estava lotado e havia vários lugares vazios. Escolhi sentar em um banco ao lado da janela, mas, por causa do sol forte e do calor, tirei o blazer preto que eu estava usando e me sentei no banco do corredor. Eu estava com pressa porque tinha muitos orçamentos ainda para fazer. Por isso, peguei o meu celular e fiquei concentrada lendo as mensagens e sem prestar atenção em quem estava no ônibus. Percebi que o rapaz se aproximou do meu banco e não quis sentar, mas nem olhei para ele. A gente nunca imagina que vai passar por uma situação assim um dia.
Só me lembro que foi tudo muito rápido, pois o percurso entre a Avenida Paulista e o meu ponto de descida no Pacaembu costuma demorar uns dez minutos e isso ocorreu quando ainda estávamos na Paulista. Lembro que eu estava distraída, quando, de repente, senti um líquido quente escorrendo no meu pescoço. Na hora cheguei a pensar que podia ser cocô de pombo e, no instinto de me limpar, passei a mão. Quando senti a textura do líquido, olhei para o homem e vi que estava com o pênis para fora da calça e continuava se masturbando, com cara de prazer. Em nenhum momento ele se intimidou.
Gritei: “Tem um tarado aqui, tem um tarado aqui” e comecei a chorar, fiquei muito nervosa, comecei a tremer e passei mal. Na hora, ele correu para a porta, pois provavelmente pretendia descer e fugir, mas o motorista impediu. Uma aglomeração se formou, eu não conseguia parar de chorar e ele dizia: “Eu fiz, eu fiz”. Confessou sem que precisassem forçar.
"Quando cheguei em casa, joguei fora a calça e o sutiã que eu estava usando e tomei uns seis banhos para me livrar daquilo. Ainda hoje fico coçando a região do pescoço, como se ainda tivesse algo ali"
Eu perdi completamente o foco, não sabia nem onde estávamos. Uma senhora que estava em um banco próximo ao meu e foi minha testemunha me afastou do local e me levou para a frente do ônibus. Eu queria arrancar minha roupa, me limpar, estava com muito nojo, mas não tinha nenhuma toalha. Fiquei dentro do ônibus fechado com ele até a polícia chegar e nos conduzir à delegacia.
Chegando à delegacia, fiz o boletim de ocorrência e só. Não recebi nenhum tipo de orientação, não me falaram sobre advogado, não me encaminharam para psicólogo, nada. A única coisa que fizeram foi comprar uma blusa para eu me trocar, pois a que eu estava usando teria de ficar para perícia. Depois de liberada, fui tomar um banho na casa da senhora que foi minha testemunha e mora ali perto. A polícia não me deu nenhum apoio nesse sentido, não me levou para casa, não fez nenhuma ligação para mim nos dias seguintes. Nada. Quando cheguei em casa, joguei fora a calça e o sutiã que eu estava usando e tomei uns seis banhos para me livrar daquilo. Ainda hoje fico coçando a região do pescoço, como se ainda tivesse algo ali. No dia seguinte, fui ao posto de saúde perto de casa e passei com a psicóloga, que me deu três dias de afastamento do trabalho e da faculdade para que eu possa me recuperar minimamente.
Quando soube que a Justiça soltou o agressor, me senti um lixo e fiquei mais abalada ainda. Como podem dizer que fazem campanha de apoio às vítimas se nem sequer ouvem a vítima? Ninguém me procurou para ouvir minha versão, e o homem foi colocado em liberdade. Isso só aumenta a minha descrença na Justiça, não existe Justiça para pobres. Desde então, não consigo sair de casa sem achar que estou sendo perseguida. Precisei andar de ônibus de novo e, assim que entrei no coletivo, eu vi que tinha um homem lá no fundo. Na hora, me veio toda a lembrança na cabeça, como se fosse o mesmo homem que ejaculou em mim. E ainda calhou de ele descer no mesmo ponto que eu desci. Já achei que ele estava me seguindo. Isso abalou muito o meu psicológico.
Sou casada e tenho dois filhos pequenos, de 4 e de 8 anos. Fico preocupada com eles também. Demorou para cair a ficha do meu marido sobre o que aconteceu comigo, mas ele está me dando todo o apoio necessário. Eu uso transporte público todos os dias para ir ao trabalho e para a faculdade, mas nunca pensei que poderia passar por algo desse tipo.
Na segunda-feira eu pretendo tentar retomar a vida, voltar ao trabalho e à faculdade de gestão de negócios. A psicóloga me orientou a levar uma vida normal, mas é difícil. Vou tentar mudar os trajetos, pois tenho medo de encontrá-lo novamente no mesmo ônibus. Também vou procurar os meus direitos. Eu fui pega de surpresa e na hora não sabia o que fazer, mas agora vou cuidar de mim.
Depoimento colhido por Fernanda Bassette
Foto por Ricardo Matsukawa