PRIMEIRA PESSOA

Eu, mãe e pai

Aos 44 anos, a apresentadora Mariana Kupfer fala, em novo livro, de sua decisão de ser mãe-solo

query_builder 3 de maio 2019, 17h30

“A mamãe engoliu uma sementinha de amor e veio você." É assim que eu explico para a minha filha, Victória, de 8 anos, como ela nasceu. A vida toda eu quis ser mãe. A Vicky é a concretização desse sonho. Sou de uma família tradicional judaica, e até os meus 20 e poucos anos era muito importante casar na sinagoga, ter um marido judeu e só depois ter filhos. Quando perdi meu pai, o meu porto seguro e meu melhor amigo, a sinagoga e o marido judeu começaram a não ter sentido. Mas o desejo de maternidade sempre continuou legítimo e latente. E em todos os meus relacionamentos nunca havia surgido a conversa sobre filhos.

Aos 34 anos, em uma consulta de rotina, falei para o meu ginecologista que ia partir para a maternidade independente com sêmen doado. Já havíamos conversado sobre o assunto algumas vezes. Ele indicou um médico que é referência na área no Brasil. Uma semana depois eu estava no consultório dele. Esse médico foi muito objetivo. Indicou um banco de sêmen, explicou um pouco da parte burocrática e me deu uma lista gigantesca de exames. Felizmente, eu era muito fértil e saudável. Faltava escolher o doador. O médico me disse: “Reflita com alma”. Fiquei três meses, dia e noite, no site do banco de sêmen. Eu queria uma pessoa com algumas das características que mais admirava no meu pai: inteligência acima da média, bondade, generosidade, [ter amor à] família e judeu. Também queria alguém saudável e sem histórico familiar de doenças. Perdi meu pai cedo, minha mãe teve câncer de mama, então a saúde era o item mais importante para mim. Fisicamente, queria alguém que fosse o meu oposto. Eu achava que a mistura ia dar certo. Escolhi um galego, loiro, alto e de olhos azuis. O processo de importação é muito burocrático. Eu sempre falo para as pessoas: “Você tem que estar muito a fim”.

No dia do procedimento, minha irmã Karen foi comigo. O lugar parecia cenário de ficção científica. Deitei na maca e esperei a inseminação artificial [quando os espermatozoides são colocados no útero e a fecundação ocorre dentro da mulher]. Eu queria uma menina. Então, na hora do procedimento mentalizei uma menina loira e de olhos azuis. Quinze dias depois, veio o resultado: eu estava grávida.

Daí para frente as coisas não foram tão românticas. Descobri que tinha hiperêmese gravídica [síndrome que provoca náuseas e vômitos fortes e constantes durante toda a gestação]. Meu olfato estava tão apurado que até a água do chuveiro me dava enjoo. Meus vômitos eram um lava-jato. Minhas crises de enxaqueca também ficaram insuportáveis. Em uma ocasião, doía tanto que eu batia a cabeça na parede da clínica e cheguei a falar que queria interromper a gravidez. Foi assim durante nove vezes. Desmaiei e fui internada diversas vezes. Engordei 30 quilos, e o excesso de peso me causou uma hérnia de disco.

"Não tenho como explicar a sensação que tive quando peguei minha filha pela primeira vez. Eu só conseguia pensar que a vida fazia sentido."

A partir do sétimo mês fui morar na casa da Karen. Nós duas somos muito ligadas. Três dias antes da data marcada para a cesárea, entrei em trabalho de parto. Quando o médico falou "vai nascer", tive o que chamo de EQV: experiência quase vida. Eu vi um paraíso. Era como se meu pai estivesse me entregando minha filha.

Quando a Vicky nasceu, eu parei de trabalhar. Tive um estalo: eu sou mãe, pai, avô. Não queria que ninguém me contasse quando saiu o primeiro dentinho, quando ela andou. Eu estive lá para tudo, sempre. Hoje, com 8 anos, ela não sabe o processo científico, mas sabe que não tem pai — e é muito bem resolvida com isso. Outro dia ela teve uma apresentação de balé e uma amiguinha falou: “Meu pai me deu isso e aquilo. O que o seu pai te deu?”. Vicky respondeu: “Eu não tenho pai, mas a minha mãe me deu flores e um cartão lindo”. Pretendo explicar tudo quando ela tiver uma capacidade cognitiva um pouco mais formada, com uns 12 anos, e de uma forma bem lúdica. Eu decidi escrever meu livro Eu, Mãe e Pai [da Editora Manole] porque muitas mulheres me abordavam pedindo ajuda. Queriam fazer o que eu fiz, mas se preocupavam com a opinião dos outros ou não sabiam por onde começar. Eu precisava dividir com o máximo de mulheres possível toda a informação que adquiri.

Ao longo dos 8 anos da Vicky passei alguns sustos. Nesses momentos eu pensei: “Talvez se eu tivesse alguém aqui, para me dar a mão, as coisas poderiam ser mais fáceis”. Quando a gente viaja, também penso: “Cadê esse cabra para pegar as malas?”. Mas eu sempre matei no peito. Nunca deixo de fazer nada pelo fato de estar sozinha com ela. Eu sei que ainda tem muito julgamento. Às vezes chegamos a um restaurante e perguntam: “São só vocês duas?”.

A ausência de outra pessoa faz com que eu tenha que ser a boazinha e a ruim ao mesmo tempo. Apoio, mas também coloco limites. O fato de ter de tomar sozinha as decisões importantes, como em relação a educação, saúde e religião, também faz parte do ônus. Aí eu uso minha intuição. Nem tudo são flores. Eu chorei muito de tristeza, solidão e medo. Mas nunca me arrependi, só me perguntei porque não fiz isso antes. Como eu pude viver 34 anos sem a minha filha?

Depoimento dado a Giulia Vidale
Foto: Rachel Guedes