PRIMEIRA PESSOA

Sonhei com futebol, me realizei na moda

Kadu Soares, 24 anos, queria ser jogador de futebol, mas acabou nas passarelas da SPFW

query_builder 31 mai 2017, 15h10

Durante toda minha infância e adolescência, em Ribeirão Preto (SP), sonhava em ser um jogador de futebol de sucesso. Imaginava ganhar dinheiro e poder ajudar meus avós, com quem cresci, depois que minha mãe me deixou ao se mudar para Minas Gerais, onde teve mais quatro filhas. Sabia que tinha que treinar – e treinei muito. Comecei a trabalhar cedo, como gandula em quadra de tênis, nunca deixei de praticar futebol. Até quando trabalhei em uma pedreira eu não descuidava dos treinos.

Depois que meus avós morreram, fui morar sozinho em 2011 e entrei para o Clube Atlético Pirassununguense, que me chamou para disputar a segunda divisão do Campeonato Paulista. Joguei pelo clube durante todo o ano de 2012. Foi um ano incrível. Achei que finalmente tinha engrenado no futebol. Em 2013, porém, comecei a pingar em times da região e tive de me conformar: não estava dando certo. Desisti de sonhar com os gramados. Em 2014, comecei a trabalhar em um posto de combustível, como frentista.

O glamour das passarelas sempre me pareceu algo distante. Tudo mudou no dia em que encontrei um amigo fotógrafo resolveu tirar meu retrato. Eu estava de chinelo, sem camisa, e ainda chateado por causa do futebol. Fiz uma cara qualquer, no quintal da casa dele, e, para minha surpresa, as fotos ficaram muito boas. Jogamos essas imagens nas redes sociais, e um agente de Ribeirão Preto gostou e mandou para uma empresa de São Paulo. Deu certo. Começou ali minha carreira de modelo.

Em 2016, me mudei para São Paulo e fui morar em uma república de modelos. A transição foi bem difícil. Fiz aulas de passarela, book, castings. Nos primeiros três meses, me sentia um peixe fora d’água. Não sabia como agir ou falar. Vivia desconfiado.

"O que me ajudou desde o princípio foi o foco nos meus treinos – a mesma dedicação que eu tinha com o futebol"

O que me ajudou desde o princípio foi o foco nos meus treinos – a mesma dedicação que eu tinha com o futebol. Não gosto de academia, por isso vou sempre ao parque. Treino mais de uma vez ao dia, todos os dias. Faço barra, flexão, pulo corda e corro. Minha determinação tem que ser proporcional à aposta das pessoas no meu nome. Essa força é algo que eu admiro em Paulo Zulu, meu ídolo no meio da moda. Ele tem uma carreira de longa data e nunca deixa o rendimento cair.

Estreei na São Paulo Fashion Week este ano desfilando pela marca do Emicida. Vira e mexe me pego lembrado esse dia: os flashes, o cheiro, as conversas no backstage, da música que Fabiana Cozza cantava enquanto eu entrei na passarela. Foi um momento muito feliz. A galera do meu bairro me mandou mensagens, todos torcendo por mim. Minha mãe também soube e ficou muito contente.

Meu maior desejo hoje é ajudar minhas irmãs. Uma vez, quando fui a Ribeirão, uma delas escondeu a boca com a mão ao sorrir porque estava com vergonha dos dentes. Isso foi muito difícil para mim. Espero que através do meu sucesso na carreira eu consiga dar assistência para elas.

Acho engraçado quando as pessoas me reconhecem na rua – e mais ainda quando me cantam. Esse meio pode iludir às vezes. Modelos são frequentemente assediados, e às vezes ouvimos falar de propostas de trabalho indecentes. Eu mesmo, contudo, sempre trabalhei em locais sérios, com pessoas profissionais e nunca vivi uma situação dessas. Espero que minha história sirva de exemplo. Não realizei o sonho de jogar futebol, mas meu empenho acabou sendo recompensado em outra área. Assim como Zulu me motivou, quero motivar outros jovens a partir do que eu vivi.

Depoimento colhido por Marina Rappa Neves
Foto por Felipe Cotrim