PRIMEIRA PESSOA

Pensei na hora: atentado

Martha Rocha, 59 anos, deputada e ex-chefe da Polícia Civil do Rio, alvo de um tiroteio

query_builder 16 de janeiroro 2019, 14h30

“Estava no banco de trás do carro e minha mãe na frente, as duas tranquilas a caminho da missa de domingo, quando de repente meu motorista rompeu o silêncio com um grito: ‘Cuidado! Olha atrás!’ Foi o tempo de me virar, avistar um carrão vindo em nossa direção e um homem dependurado na janela com meio corpo para fora portando um fuzil. Vestia camisa, touca e luvas pretas.Logo ficaram lado a lado, ele e o outro bandido que estava ao volante, a uma distância mínima de nós. Aí vieram um, dois, três, quatro disparos de som seco, intermitente, tiros de boa mira. Um deles entrou por baixo da carroceria e os estilhaços atingiram o pé de Geonísio, meu motorista. Avançamos em ziguezague pela Avenida Brasil para evitar que emparelhassem de novo, até que aceleraram e desapareceram na via. Pensei na hora: atentado.

Não foi à toa que me veio essa ideia de estar sendo vítima de uma emboscada. Fui da Polícia Civil durante três décadas, inclusive chefe da corporação. Desde 2007, depois de investigar milicianos da Zona Oeste carioca, venho recebendo ameaças de morte anônimas. A última da série ocorreu em novembro passado; informações do Disque-Denúncia davam conta de que um líder miliciano planejava matar algumas autoridades do estado -- e meu nome estava nesta lista.

Até hoje o caso ficou parado, sem um esclarecimento de que era mesmo verdadeiro ou não. Conversei com o general Braga Netto (então interventor da segurança pública do Rio de Janeiro), com o secretário de Segurança, com o chefe da Polícia Civil, e nada. O máximo que me ofereceram foi uma escolta durante um mês. Isso não é resposta, não resolve as coisas, não tranquiliza ninguém. Quero saber, e ainda não sei, se corria ou corro risco real. Por via das dúvidas, eu mesma tomei uma providência: resolvi comprar um carro blindado. Foi o que nos salvou naquele domingo.

Em uma situação repentina de perigo, você pode perder o controle, se desesperar. Como policial, fui criada dentro de uma instituição em que a pressão é a regra. Estou habituada a ela. Então os disparos começaram, mantive a racionalidade e tentei proteger minha mãe, uma senhora de 88 anos, envolvendo seu corpo, segurando seus braços. Tudo aconteceu em minutos. Pedi a ela que tentasse se acalmar, que não gritasse. O cenário da maior parte da perseguição foi mesmo a Avenida Brasil, lugar de tantos tiroteios, mas a história começou na rua da minha mãe. Era dia de feira e alto movimento na vizinhança.

Quando Geonísio avisou que tinha sido alvejado, acenei para um carro pedindo ajuda. Deixei minha mãe com uma prima e segui para o hospital com ele. O médico logo confirmou que não tinha sido nada grave, que estava tudo bem. Agarrei a medalha de Nossa Senhora que carrego comigo e agradeci meu motorista, emocionada. Ele também acha que fomos vítimas de um atentado. Subtenente reformado da Polícia Militar, era uma das poucas pessoas que sabiam que eu havia sido ameaçada de morte mais de uma vez.

Tenho certeza de que meu caso ganhou tanta visibilidade porque sou uma autoridade, política e delegada, e só este fato é indignante. Quantas pessoas já foram abordadas com fuzil no meio da rua, no meio do dia, e ninguém tomou qualquer providência, caindo tudo no esquecimento? É inaceitável. A segurança do Rio de Janeiro anda se deteriorando. Os bandidos agem de forma cada vez mais ostensiva. As milícias estão se espalhando. Nunca tive um olhar pueril sobre essas organizações, mesmo quando uma parcela da sociedade as via como um escudo contra a violência. São grupos criminosos. Não sei o que ganhariam tirando a minha vida. Será que os bandidos me viram como um trofeu?”

Depoimento dado a Leandro Resende
Foto: Marcos Michael