PRIMEIRA PESSOA

Médicos me deram 24 horas de vida

Paloma Lira, 21 anos, conta como superou rejeição por causa de doença rara

query_builder 10 mar 2018, 10h30

A rejeição começou assim que minha mãe contou ao meu pai que estava grávida. Ele foi o primeiro a sugerir o aborto, mas não foi o único. Alguns meses depois, os médicos notaram que eu não me desenvolvia bem e que nasceria com uma doença grave. A interrupção da gravidez foi sugerida pela segunda vez, mas minha mãe recusou.

Assim que nasci, ficou nítido que eu não era um bebê comum, desses que as pessoas pegam no colo e acariciam. Vim ao mundo com uma doença rara chamada "ictiose congênita lamelar", que prejudicou o aspecto da minha pele, deixando-a ressecada e com aparência de escamas. Também nasci com úlcera nas córneas, o que dificultava que eu fechasse os olhos. Para corrigir o problema passei por onze cirurgias, mas essas eram as primeiras dores que estavam por vir.

Os médicos me deram 24 horas de vida. Felizmente erraram e no dia 16 de fevereiro completei 21 anos. Quando cheguei da maternidade, após um longo período de internação, as pessoas que iam me visitar não queriam me tocar. Tinham medo de a doença ser contagiosa, embora não seja.

Com tratamentos contínuos e os avanços da medicina, minha doença amenizou. A vida nunca foi fácil para mim. Na escola, tive dois ou três amiguinhos, as crianças não queriam se aproximar. Fiz amizades na rua onde eu morava, mas, no geral, fui uma criança solitária. A fé me ajuda a caminhar e a enfrentar o preconceito que segue todos os meus passos.

Como nunca gostei de reclamar da vida, sempre arrumei motivos para sorrir. Quando chegava em casa, ouvia música e começava a dançar e cantar para espantar a tristeza. Claro que alguns dias eu chegava deprimida e chorava, mas na maior parte do tempo o amor da minha família era o suficiente para me sentir bem. Hoje em dia até dou risada dessas pessoas que me rejeitaram.

"A vida nunca foi fácil para mim. Na escola, tive dois ou três amiguinhos, as crianças não queriam se aproximar. Como nunca gostei de reclamar da vida, sempre arrumei motivos para sorrir."

Não ligo mais para a opinião alheia, mas o preconceito ainda dificulta a procura por emprego. Quando completei 18 anos, quis trabalhar de imediato porque não gosto de depender da minha família. Eles têm suas próprias despesas e eu queria arcar com as minhas. Fui em vários estabelecimentos entregar currículos, mas sempre me olhavam e diziam que não estavam contratando. Eu agradecia pela atenção e ia embora. Depois de um tempo, voltei em um desses comércios e vi que tinham contratado vários funcionários. O preconceito é muito presente e por isso ainda não trabalho.

As coisas melhoraram quando comecei a cursar Zootecnia em uma faculdade em Presidente Prudente, a 24 km de Pirapozinho, no interior de São Paulo, onde eu moro. Os amigos que não tive na infância, tenho na faculdade, onde fui muito bem acolhida. Agora tenho alguns passatempos que me ajudam a esquecer dos problemas, como a dança sertaneja e meu canal no Youtube, o Cinderela Country. Nos vídeos, ensino tutoriais de maquiagem — algo que sou apaixonada desde a infância — e levo informações sobre minha doença às pessoas.

No início, esse universo do Youtube me assustava um pouco porque a internet é o refúgio de muitas pessoas maldosas, mas um amigo me convenceu e criei coragem para gravar. O meu público é bem carinhoso. Sempre recebo mensagens de mulheres que têm depressão e problemas de autoestima, mas de vez em quando alguns comentários desagradáveis me entristecem e dão vontade de desistir. Aí eu paro e vejo que já fui muito longe e não posso voltar atrás. Estou ajudando muita gente levando informações importantes e não posso parar.

Esse ano completo dois anos de canal e estou com mais de 60 mil inscritos. Meus vídeos estão sendo monetizados, não é um valor tão expressivo, mas é alguma coisa. Espero que esse número aumente e que meu canal cresça. Não para eu lucrar com isso, mas para apresentar minha história às pessoas e ajudá-las com conhecimento.

Depoimento colhido por Bianca Lemos
Foto Bruno Saia/VEJA