Tenho 28 anos e sou soldado da Brigada Militar. Estou internado há mais de dois meses. Perdi o movimento das pernas depois que levei três tiros ao tentar evitar um assalto a ônibus em Porto Alegre. Uma bala ficou alojada na coluna, na segunda vértebra da lombar, a outra me feriu de raspão e a terceira atingiu órgãos como rim, pâncreas e baço. Minha esperança é conseguir voltar a caminhar, mas ainda não sei se isso será possível.
Eu tinha completado meu primeiro ano como soldado quando fui atingido. Antes de ser aprovado no concurso, nem sequer conhecia Porto Alegre. A primeira vez que viajei à capital foi para fazer a segunda etapa da seleção. Sou natural de Sobradinho, uma cidade pequena de 15.000 habitantes. Lá, trabalhei como frentista e como técnico de informática. Desde os 16 anos era voluntário — fazia entrega de cestas básicas e agasalho para famílias necessitadas. As pessoas da minha cidade me conhecem por causa disso.
Quando abriu o concurso para a Brigada Militar, em 2014, enxerguei a chance de ter estabilidade no emprego. Sou recém-casado, filho de uma dona de casa e de um servidor público. Assim que fui aprovado, percebi quanto ser policial é uma profissão importante e passei a me ver atuando em campo. Já nos primeiros dias, não me enxergava mais em outra carreira.
Com a mudança de governo, me chamaram apenas em 2016 para fazer o curso de formação. Foi uma espera difícil porque ninguém na cidade queria contratar uma pessoa que poderia ser convocada a qualquer momento. Nesse período, fiz um serviço aqui e outro ali. Após o curso, fui incorporado em 2017. Eu me dediquei e, por causa da minha classificação, consegui escolher o batalhão onde queria servir, na região central. Fiz policiamento a pé, em viaturas, abordei traficantes de drogas, evitei assaltos a pedestres e recuperei itens roubados.
"Há muita exclusão social. Acho que mais escolas e mais trabalho com oportunidades para todos ajudariam a reduzir a violência"
No dia em que fui baleado, em 11 de junho, eu voltava para casa de ônibus no fim do dia. Estava sentado e vi uma movimentação de dois assaltantes. Um deles rendeu o cobrador e o outro recolhia o dinheiro e os bens dos passageiros. Mesmo de férias, levantei, peguei a arma e dei voz de abordagem. Mas um deles atirou contra mim. Na hora perdi o controle das pernas e caí. Minha arma falhou e levei três tiros. Eles levaram minha arma. Com o barulho, as pessoas gritaram e desceram do ônibus. Consegui tirar minha carteira de policial do bolso. Chamaram o atendimento, mas não tinha nenhuma ambulância do Samu disponível. O motorista do ônibus dirigiu até o hospital escoltado por uma viatura da Brigada Militar que veio ajudar.
Eu não pensava em nada, só sentia uma dor muito forte. Sentia sede e não podia beber água, as enfermeiras apenas umedeciam minha boca. Fiquei três dias em jejum. Quando entendi tudo, me desesperei. Não sabia como seria minha vida, não sabia se conseguiria caminhar de novo. Depois da cirurgia que tirou a bala da coluna, me senti melhor. Com a fisioterapia, tento forçar o músculo das pernas. Minha expectativa é conseguir fazer a reabilitação para evoluir. Ao dormir, sonho que estou andando. Minha grande vitória será caminhar de novo.
Algumas pessoas acham que eu agi corretamente. Outras vão me criticar. Mas essa é a minha profissão. Não sei se acertei ou errei. Quanto aos assaltantes, um deles estava preso e foi solto uma semana antes de me balear. Com a cadeia desse jeito, eles não vão mudar. Lá eles têm contato com gente que faz coisa pior. A forma correta seria uma reeducação, retomar os estudos e trabalhar em algo honesto. Se a cadeia fizesse isso, diminuiriam os crimes. Há muita exclusão social. Acho que mais escolas e mais trabalho com oportunidades para todos ajudariam a reduzir a violência. Se tiver mais emprego, isso vai diminuir. Os policiais estão desmotivados. Alguns estão com o ânimo baixo. Falta o reconhecimento da sociedade.
Agora, eu nasci de novo e tenho de escrever um novo destino a partir das minhas limitações. Espero que eu consiga me recuperar com o tratamento e talvez fazer o que eu fazia antes.
Depoimento colhido por Paula Sperb
Foto: Paula Sperb