PRIMEIRA PESSOA

Nenhuma relação deve ser ocultada

Ex-CQC Erick Krominski surpreendeu não por assumir o namorado, mas por receber apoio na internet

query_builder 8 mar 2017, 18h00

Eu não resolvi assumir minha orientação sexual, resolvi fazer uma declaração de amor. A ideia de “assumir” alguma coisa dá a impressão de que você cometeu algum erro. É a primeira vez que tenho um relacionamento tão sério, e não faz o menor sentido tratar um relacionamento assim em segredo. Nenhuma relação de amor merece ser ocultada como se fosse uma conta secreta de Eduardo Cunha na Suíça.

Quando atualizei o meu status de relacionamento e postei a foto no Instagram, não imaginei que a imprensa fosse dar atenção. Por isso, fiquei assustado quando comecei a ver as notícias e estava pronto para ataques. É incrível como a intimidade da vida alheia desperta interesse. Mas a reação dos seguidores me surpreendeu. Foram tantas mensagens positivas que devem ter repelido todos os haters.

O conteúdo das mensagens me fez refletir. Quanto mais pessoas tratarem o assunto com naturalidade, melhor nossos jovens vão lidar com a situação. Não quero que as próximas gerações se sintam tão deslocadas quanto eu me senti.

Quando me descobri gay, na adolescência, passei muito tempo pensando que, se me esforçasse, poderia mudar e ser “normal”. Tinha certeza de que era uma questão de força de vontade. É muito dolorido enquanto você não entende que é algo que você não pode cortar fora. Eu tentava querer ficar com meninas – porque uma coisa é você ficar, outra coisa é você querer ficar. E assistia a filmes pornôs, como Emanuelle. Eu não conhecia ninguém como eu, então me sentia errado.

Tive namoradas, mas faz tanto tempo que nem lembro direito. Desde que me considero homem, me atraio somente por homens. É engraçado como algumas mulheres sentem atração por gays. As mulheres são mais inteligentes e sensíveis e em geral costumam valorizar mais o amor do que o homem.

Eu conheci o Pablo na Copa de 2014, em Belo Horizonte, numa balada gay. Ele veio me zoar, pensando que eu era um hétero gringo perdido, quando foi surpreendido por um beijo. Eu me apaixonei no primeiro dia. Começamos a namorar um mês depois. Quando voltei a morar em São Paulo para fazer o CQC, há dois anos, convidado para um teste a partir de uns vídeos que publiquei na internet, tratei logo de pedir o Pablo em casamento. Não teve o documento, nem a festa, nem o bolo, fomos direto morar juntos. A gente até fala em fazer o tal casamento, sempre rolou aquela vontade de casar na praia e depois colocar os convidados em um barco para uma festa em alto mar, mas, no final das contas, sempre preferimos gastar com outras coisas.

"Alguns héteros me cumprimentaram por eu ser um gay que não dá pinta. Isso pode parecer um elogio, mas apenas evidencia machismo e homofobia"

Eu tenho 32. Ele tem 28 e é treinador físico em uma academia especializada em ginástica funcional. Somos muito amigos, passamos a maior parte do tempo juntos. Já vivemos perrengues e coisas incríveis. Gostamos de viajar, ver série, passear com a nossa cachorrinha, a Narcisa – uma homenagem à Narcisa Tamborindeguy, porque ela é bem louquinha. Somos um casal normal, que briga e faz as pazes.

Recentemente, depois de ver Rick Martin, Fernanda Gentil, Daniela Mercury e outros declarando seus amores, me senti mais confortável. Fico orgulhoso de ver que tantos jovens se sentiram representados por mim também.

Por outro lado, fui abordado por héteros que me cumprimentaram por eu ser um gay que não dá pinta. À primeira vista, isso pode parecer um elogio, mas apenas evidencia o machismo e homofobia incutidos na sociedade.

Quem acha que o mundo está ficando chato, com a onda de politicamente correto, está com medo de perder os privilégios que sempre teve. O mundo deve estar mesmo chato para quem é racista e quer fazer piada de negro. Para quem é machista e quer fazer piada misógina e para quem é homofóbico e quer fazer piada de gays.

Antigamente, eu até receava que minha sexualidade pudesse atrapalhar minha carreira. Mas já aprendi que é a minha carreira que precisa se adaptar aos meus interesses pessoais. Não o contrário. Estou em negociação para participar de um programa sobre história e política na TV paga. Por um instante, até pensei em esperar a assinatura do contrato antes de falar publicamente sobre a relação. Mas eu estaria subestimando a inteligência e a humanidade de profissionais incríveis. E realmente não interferiu nem vai interferir em nada.

Se alguém deixar de me contratar por causa da minha sexualidade, está me livrando da lástima que é trabalhar com gente homofóbica.

Além de ser ator, tenho um programa diário ao vivo no rádio, um site que teve 35 milhões de views nos últimos quatro anos, faço vídeos para a internet, produzo conteúdo, dou palestras sobre inovação e viajo o país apresentando e mediando eventos. Nenhuma das minhas atividades profissionais exige que eu transe com alguém.

Depoimento colhido por Maria Carolina Maia
Foto por Ricardo Matsukawa