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Unir florestas e agricultura: a grande oportunidade brasileira

Usar de forma mais estratégica o solo significa trilhar um caminho de oportunidades, no qual produção agropecuária e conservação ambiental caminham lado a lado

Por André Guimarães* e Luiz Cornacchioni**

query_builder 27 set 2018, 17h00

* André Guimarães é cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)


** Luiz Cornacchioni é cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag)

O Brasil, potência agropecuária mundial, é detentor dos maiores ativos ambientais do mundo, como a maior floresta tropical e as mais altas taxas de biodiversidade do planeta. Por isso, o país tem em mãos uma oportunidade única: provar à humanidade que é possível integrar desenvolvimento econômico e conservação da natureza, sem abrir mão de gerar prosperidade a seu povo. O destino da grande agricultura brasileira já havia sido anunciado na carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel, em 1º de maio de 1500, ao relatar a terra fértil que havia encontrado e anunciando que, aqui, “em se plantando, tudo dá”. Como uma profecia, mais de 500 anos após a carta, a antiga colônia se tornou responsável por 7% das commodities agrícolas no planeta.

Para chegar a esse lugar de destaque, o enorme patrimônio ambiental brasileiro foi fundamental. Mas é chegada a hora de substituir esse processo por um melhor aproveitamento das áreas já antropizadas e pelo uso de mais tecnologia no campo, reduzindo a pressão pelo desmatamento e melhorando a eficiência produtiva do setor agropecuário. Usar de forma mais estratégica o solo brasileiro significa trilhar um novo caminho de oportunidades, no qual produção agropecuária e conservação ambiental caminham juntas, lado a lado.

(Jonne Roriz)

Para que o país se mantenha entre o seleto grupo das dez maiores economias do mundo e possa alçar voos mais altos, é preciso enxergar os sinais do mercado global. Um exemplo disso é o movimento de alguns investidores internacionais, que reúnem mais de 3 trilhões de dólares sob ativos, pelo desinvestimento em combustíveis fósseis para dar lugar à chamada economia de baixo carbono. As mudanças climáticas irão definir os negócios do futuro.

No Brasil, a maior parte das emissões de gases de efeito estufa não está relacionada ao consumo de combustíveis fósseis, mas sim às atividades do uso da terra, como o desmatamento e a agropecuária. No entanto, é por meio de práticas agrícolas mais sustentáveis e da valorização das florestas que podemos mudar o jogo, e não apenas reduzir nossas emissões, mas também capturar carbono da atmosfera, contribuindo ativamente para o combate às mudanças climáticas. O passado recente do país prova que isso é possível. Entre 2004 e 2012, as taxas de desmatamento da Amazônia foram fortemente reduzidas, simultaneamente a um período de saltos extraordinários da produção agropecuária brasileira.

O próprio agronegócio, responsável por mais de 20% do PIB brasileiro, precisa dessa guinada. O setor depende intrinsicamente de fatores climáticos, como chuva e umidade.

Sabe-se hoje que a floresta amazônica exerce o papel de regador gigante da agricultura brasileira. Além disso, nas grandes cidades, o cidadão urbano também já sente os efeitos de um clima diferente. A crise hídrica, agravada pela perda de cobertura florestal em várias regiões do país, deixou ao brasileiro o aprendizado da forte conexão existente entre cidade e floresta. Sem chuva, a atividade econômica será ameaçada, assim como o bem-estar geral da população. Manter preservadas as florestas brasileiras é proteger também o papel do país na segurança alimentar, hídrica e climática do planeta.

Em um cenário de mais de 13 milhões de desempregados, o país não pode pôr em risco setores tão fundamentais para sua economia. A agricultura e as florestas respondem por uma enorme cadeia de valor, que gera empregos no campo e na cidade. O agronegócio brasileiro emprega 19 milhões de pessoas.

A indústria de árvores plantadas no Brasil emprega direta ou indiretamente mais de 3 milhões de trabalhadores. Mas ainda é preciso explorar o enorme potencial das espécies nativas, que podem gerar até 200 empregos diretos e indiretos para cada mil hectares de áreas recuperadas. Considerando a meta assumida pelo Brasil no Acordo de Paris para restaurar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030, teríamos a criação de milhões de empregos adicionais. Outros campos desse setor ainda precisam ser fomentados e também podem contribuir para que o Brasil supere o grave quadro de desemprego, como a Pesquisa & Desenvolvimento para a chamada bioeconomia. Essa área busca descobrir novas moléculas para a indústria e desenvolver novos produtos e negócios a partir da biodiversidade brasileira.

"O país tem em mãos uma oportunidade única: provar à humanidade que é possível integrar desenvolvimento econômico e conservação da natureza, sem abrir mão de gerar prosperidade a seu povo"

Portanto, a conservação ambiental e o estímulo à agricultura sustentável são temas de relevância inquestionável, tanto para as regiões rurais quanto metropolitanas do país. Neste ano crucial para o futuro do Brasil, eles deveriam figurar no topo da lista de prioridades do eleitor brasileiro. Por isso mesmo, a maior parte dos candidatos à Presidência aborda, de alguma forma, o uso da terra em seus planos de governo. No entanto, ainda faltam aos candidatos propostas práticas de como conciliar produção e conservação.

Foi essa necessidade que inspirou a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento que reúne mais de 170 membros, entre representantes do agronegócio, de entidades defensoras do meio ambiente e da academia a elaborar 28 propostas aos candidatos às eleições 2018. Todas elas são factíveis para implementação em um mandato de quatro anos e podem ajudar a iniciar a revolução no uso da terra de que o Brasil precisa.

Essa agenda vem sendo apresentada aos principais candidatos e surpreendem, pois representam um consenso entre atores vistos como “opostos”: ambientalistas e produtores rurais. No entanto, a experiência da Coalizão Brasil em dialogar e buscar agendas comuns entre diferentes setores mostra que um modelo de desenvolvimento que contemple a todos é possível. Essa lição vem a calhar em um momento no qual a política precisa se renovar e encontrar novas formas de dialogar com a sociedade, que tem assumido, cada vez mais, um papel de protagonista.

Por isso, o eleitor brasileiro não pode perder de vista a grande oportunidade que a união entre florestas e agricultura tem a representar ao país. É hora de cobrar dos candidatos um comprometimento real nesta direção. A terra fértil que inspirou a carta de Pero Vaz de Caminha é um patrimônio dos brasileiros. Neste século 21, o país deve compreender que não é apenas plantando, mas também conservando, que irá garantir seu futuro econômico, social e ambiental. Esse recado precisa ser confirmado nas urnas do país no próximo dia 7 de outubro.