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O MP não precisa ser midiático

Com maior poder de investigação e fortalecimento institucional, órgão pode manter seu impacto explosivo em velhas estruturas de corrupção sem se preocupar em parecer bombástico na imprensa

Por Ronaldo Porto Macedo Junior*

query_builder 9 ago 2017, 18h30

*Professor de direito da FGV e da USP e procurador de Justiça de São Paulo.

Tornou-se lugar comum afirmar que, se no passado era imperioso conhecer os generais da República para compreender a política nacional, hoje é preciso conhecer o nome dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Mas não foram apenas os magistrados do STF que ganharam protagonismo. Além do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o juiz Sergio Moro e diversos procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato, com destaque para Deltan Dallagnol, ganharam grande evidência nos últimos anos.

O protagonismo do Ministério Público neste momento político do país tem chamado a atenção de muitos analistas – afinal, essa instituição não teve presença tão marcante em outros momentos de crise da história do Brasil. Como explicar o surgimento deste novo ator político? É importante destacar que a relevância crescente do MP está ligada à ampliação do papel que o próprio Poder Judiciário vem desempenhando no cenário nacional. Cientistas políticos costumam denominar de “judicialização da política” o fenômeno pelo qual questões e conflitos que não se resolvem pelo sistema político e dentro dele são transferidos para a Justiça. Muitas dessas demandas, em particular as criminais, são trazidas pelas mãos do MP.

Mas a judicialização da política não explica tudo. Afinal, por que o Ministério Público tem sido tão relevante para o encaminhamento de demandas para o Judiciário? Aqui é importante fazer uma distinção. No campo penal, o MP detém o monopólio da ação penal pública. Todas as ações desse tipo de maior relevância exigem uma atuação direta do promotor propondo uma denúncia que dá início à persecução penal. Nos últimos cinco anos, contudo, vimos uma enorme revalorização da atuação criminal dos promotores em face da promulgação das leis das organizações criminosas e lavagem de dinheiro, que ampliaram muito os casos de colaboração (ou delação) premiada. Ademais, o STF reconheceu recentemente que o MP pode realizar investigações criminais de forma autônoma, sem depender da prévia instauração de inquérito policial.

O procurador Deltan Dallagnol, à frente da apresentação de denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Inácio Lula da Silva, no caso do tríplex do Guarujá, com transmissão ao vivo de TVs

Essas mudanças estão na base do sucesso espetacular que a Operação Lava Jato e seus desdobramentos vêm tendo no combate aos crimes praticados por grandes empresários e líderes dos poderes Executivo e Legislativo. Sem elas, não seria possível que a atuação do MP, do Judiciário e da Polícia Civil tivesse o alcance e a profundidade que tiveram e continuam a ter.

No campo cível, o MP também vem assumindo crescente protagonismo na vida nacional. Hoje, são diárias as notícias sobre grandes projetos do governo e de particulares que são embargados por violação da legislação ambiental, por exemplo. A presença do Ministério Público é também muito visível em questões relacionadas à gestão da cidade, à defesa do idoso, da criança e do adolescente, do consumidor e no controle da improbidade administrativa. As atribuições do MP no campo cível são o resultado de um processo de fortalecimento institucional inaugurado na década de 40 no Estado de São Paulo com a ampliação de funções na área cível e um esforço corporativo de “assemelhação com o Judiciário”. A Lei Orgânica do MP paulista de 1981 já antecipava um modelo de instituição muito parecido com aquele que foi consagrado na Constituição Federal de 1988. Esta, contudo, foi muito importante para gerar uma uniformização do desenho institucional nacional para o MP. Até a promulgação da nova Constituição, os procuradores da República (MPF) e promotores cariocas (MPRJ) podiam acumular suas funções com a advocacia privada, e o MPF acumulava as funções que hoje são desempenhadas pela Advocacia-Geral da União. O deputado constituinte de 1988 Plinio de Arruda Sampaio costumava afirmar que o MP seria uma bomba de efeito retardado na sociedade brasileira, antevendo que o novo perfil institucional traria importante impacto no combate ao crime e às injustiças no país.

"O MP ainda está testando os seus limites e possibilidades, sendo razoável esperar que um aprendizado institucional sobre como se comunicar publicamente possa fixar parâmetros mais estáveis e claros, garantindo a imagem de neutralidade que essa instituição deve apresentar"

A dimensão e profundidade de uma operação como a Lava Jato jamais seriam possíveis sem um MP forte e autônomo. E o MP não nasceu forte. A bem-sucedida estratégia de fortalecimento institucional, a garantia de independência e a boa remuneração permitiram que a instituição se modernizasse, ganhasse prestígio e passasse a recrutar uma elite do funcionalismo público que hoje vem fazendo a diferença na tutela de interesses coletivos e na persecução criminal. Além disso, possibilitou a contratação de técnicos, peritos e auxiliares que permitiram dar mais efetividade a sua atuação. Há pouco tempo, viu-se um fortalecimento semelhante, com investimento em treinamento, equipamentos e pessoal no âmbito da Policia Federal. Os seus efeitos positivos foram sentidos nas novas operações de combate ao crime organizado. Recentemente, foram criadas formas inovadoras de atuação através das forças-tarefa. A Lava Jato é a mais famosa delas. Esses grupos de promotores especializados permitiram o aumento da eficiência, coordenação institucional e profissionalismo em diversas áreas de atuação, com especial impacto no combate ao crime organizado.

A criação de uma estratégia de comunicação social tem se demonstrado um importante aliado para a defesa da integridade das forças-tarefa e a manutenção das prerrogativas e inovações legislativas. Nesse campo, o MP ainda está testando os seus limites e possibilidades, sendo razoável esperar que um aprendizado institucional sobre como se comunicar publicamente possa fixar parâmetros mais estáveis e claros, garantindo a imagem de neutralidade que essa instituição deve apresentar. Hoje, tais parâmetros não estão bem definidos, razão pela qual a forma de atuação dos promotores muitas vezes é qualificada como voluntarista ou até mesmo messiânica. As críticas em parte são geradas pela eficácia da atuação do MP. Contudo, elas também acenam para a necessidade de maior zelo, comedimento e reflexão sobre como estabelecer canais de comunicação com a sociedade em momentos tão críticos como este que atualmente vivenciamos. O MP não precisa ser bombástico na mídia para que o seu impacto explosivo em velhas estruturas e sistemas de corrupção possa contribuir para a renovação política e institucional do país.