O Brasil chegou bem credenciado à Conferência da ONU sobre Mudança do Clima, a COP 22, realizada em Marraquexe, em Marrocos, nesta semana e na anterior, entre dias 7 e 18. Trata-se de um evento histórico, por ser o primeiro após a entrada em vigor do Acordo de Paris, firmado no ano passado. O país reduziu suas emissões de desmatamento em aproximadamente 80%. Mais de 40% da matriz energética nacional já é renovável, sendo que a média dos países industrializados não alcança os 10%. Nossas emissões por produtos industriais se encontra abaixo da média mundial. Fomos também a única grande nação em desenvolvimento a adotar uma meta absoluta de redução dessas mesmas emissões. Um futuro sustentável é factível. Porém, para manter suas boas credenciais até 2030, quando se espera, se seguido o Acordo de Paris, cortar drasticamente as emissões globais, o Brasil terá que enfrentar grandes desafios. Sabe-se que o país passa por grave crise econômica, com forte pressão por ajustes fiscais. Uma das questões será como incentivar a indústria, imersa nesse cenário, a colaborar com os esforços conservacionistas.
É fundamental compreender que o clima é um bem público e, assim, requer ação coletiva global. A conexão com os investimentos privados é elemento crucial para o sucesso. Trata-se de um problema eminentemente político e econômico. A solução deve ser vista como uma grande parceria público-privada, que vá muito além de instrumentos de comando e controle pelo estado. A criação de mecanismos capazes de precificar a variável do clima nos diversos setores, concedendo bônus, é condição estrutural para direcionar investimentos de larga escala e orientar a escolha do consumidor. Portanto, esse tem que ser ponto prioritário para o governo, sob pena de perda de competitividade e de maior vulnerabilidade.
No âmbito das credenciais brasileiras, encontra-se a indústria nacional de árvores, um setor econômico que congrega todos os segmentos baseados no plantio e no uso de madeira 100% renovável proveniente do reflorestamento. Configuram-se nessa categoria, por exemplo, a biomassa para fins energéticos, a celulose, o papel, o carvão vegetal para a siderurgia, a madeira para construção civil, além de outras soluções a caminho, como o etanol celulósico e as biorefinarias. Pelos efeitos da fotossíntese das árvores reflorestadas e protegidas, o setor promove diferentes tipos de benefícios climáticos em uma mesma cadeia produtiva: 1) a remoção de carbono da atmosfera e sua consequente estocagem pelas florestas plantadas; 2) a remoção e a estocagem pelas florestas nativas, recuperadas pelo setor; 3) a redução de emissões pelo uso da madeira e derivados, no lugar de produtos e energia de base fóssil e / ou não-renovável; 4) o carbono estocado nos diversos produtos baseados na madeira e derivados. Além disso, destaca-se o papel do reflorestamento e da restauração na proteção de nascentes e na recomposição de áreas de recarga, contribuindo para a conservação de recursos hídricos, em meio a corredores ecológicos que interligam regiões de plantio e de preservação. Trata-se do setor que mais preserva florestas nativas, com aproximadamente 40% de sua área total. É um exemplo fidedigno da chamada economia verde, que denota que o “biofuturo” brasileiro precisa ser pensado de maneira ampla.
As políticas públicas brasileiras reconhecem, conceitualmente, boa parte dessas oportunidades e também que essa cadeia produtiva pode ter grande potencial de mitigação. Mas, para isso acontecer, é necessário superar diversas barreiras relacionadas à oferta e, especialmente, à demanda; em outras palavras, são precisos os estímulos sustentáveis, como os créditos de carbono (que, assim, garantiriam às empresas a continuidade de investimentos no setor sustentável). Isso para que todos os agentes envolvidos possam se motivar a escolher produtos que tenham efeito positivo em relação às soluções climáticas. Aí reside a conexão estrutural com os chamados mecanismos de mercado de carbono, instrumento aplicável ao conjunto da economia. Ou seja, ligado a ações renováveis, como o já conhecido etanol brasileiro, o biodiesel, as diversas fontes limpas de energia, e também a setores intensivos que precisam desse instrumento para otimizar as próprias atuações conservacionistas.
O Brasil tem credenciais suficientes, inclusive metas ambiciosas, que lhe dá a legitimidade necessária para atuar fortemente na construção de um mercado global de carbono. Capaz de servir de meio para ações de mitigação, com menor dependência de recursos do contribuinte. Ou seja, cujos gastos partem do caixa de empresas, não só de impostos. O país teve protagonismo, por exemplo, na fundação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto, que representou o maior vetor de mobilização empresarial no Brasil. A estrutura institucional e metodológica já disponível no MDL é aplicável a diversos setores, inclusive aos de energias renováveis e às atividades de reflorestamento. O Brasil pode exercer papel tão ou mais importante na transição do MDL para a nova estratégia prevista no Artigo 6.4 do Acordo de Paris, informalmente conhecido como SDM (na sigla em inglês, Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável). Há oportunidades para aproveitar a base metodológica já criada e ao mesmo tempo adotar lições aprendidas, superando restrições sem perder integridade ambiental. O SDM será aplicável a todos os países e não somente ao mundo em desenvolvimento, o que abre possibilidades inéditas de cooperação.
Em essência, por isso, o mercado de carbono deve ser mantido como papel basilar de incentivo para direcionar investimentos e estimular a inovação empresarial. As unidades de carbono necessitam ser vistas como integrantes da rotina econômica. Internamente, o país começou a estudar um sistema de precificação do corte da emissão de carbono por companhias privadas, o que poderia resultar num promissor cenário nacional focado na redução de emissões, contribuindo diretamente para o incentivo do reflorestamento e da restauração de habitats. É elemento prioritário garantir a existência desse mecanismo íntegro, adequado para viabilizar boa parte dos compromissos nacionais firmados no Acordo de Paris. E é fundamental que essa prioridade seja enxergada pelo governo. Naturalmente, aumentará a dureza do trabalho, como na necessidade de diálogo constante com técnicos, políticos e com o setor privado. Entretanto, trata-se de um elemento chave para atingirmos nossas metas sustentáveis. Sem ele, corre-se o risco de minar as hoje respeitadas credenciais sustentáveis do Brasil.