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Trump e o fim das relações públicas

Presidente americano subverte todos as boas práticas de RP. Se for bem-sucedido nesse caminho, os profissionais da área podem ter o mesmo destino do velho disquete de computador

Por Fraser P. Seitel*

query_builder 28 abr 2017, 20h50

Fraser P. Seitel é professor de relações públicas da New York University. Foi diretor do banco Chase Manhattan, porta-voz da família Rockefeller e conselheiro da Burson-Marsteller,. É autor do livro The Practice of Public Relations, na 13ª edição

A depender do interlocutor, o presidente Donald Trump pode representar o fim de muitas coisas: desde a imigração até o meio ambiente, passando pelo peso mexicano e o uso correto da gramática como conhecemos.

Há uma coisa a mais para adicionar à lista. A prática das relações públicas.

Esta, que durante um tempo foi considerada apenas a “cereja do bolo” de uma campanha efetiva de comunicação, hoje está no centro da estratégia de um negócio. Em uma era dominada pelas redes sociais, o marketing e a publicidade tradicionais perderam o impulso, e as relações públicas se tornaram a força de comunicação mais poderosa do século XXI.

Relações públicas positivas começam com uma performance apropriada e um bom comportamento, para então comunicar aquela realidade ao público. Em outras palavras, é “fazer o bem e ser pego”.

Mas hoje, com o ataque do furacão Trump, a prática pode estar destruída. Cem dias depois de sentar na sela, o novo presidente americano já violou meia dúzia de princípios centrais das relações públicas.

Princípio número 1 de RP: nunca minta

A regra cardinal da prática das relações públicas é nunca, nunca mentir. Seu principal ativo é sua reputação. E se você mentir, perde isso. Profissionais de relações públicas precisam explicar a repórteres o que seus clientes fazem e o porquê disso, e mentir é a maneira mais rápida de perder a confiança. O presidente Trump, em sua primeira semana, insistiu que sua cerimônia de inauguração trouxe mais público que qualquer outra na história (não trouxe), e também que, a despeito dos resultados oficiais, ele recebeu mais votos legítimos que sua oponente, Hillary Clinton. “Além de vencer o colégio eleitoral de lavada, eu ganhei no voto popular, se você subtrair milhões de pessoas que votaram ilegalmente." Em resposta, até o tradicionalmente circunspecto New York Times manchetou em seu artigo de primeira página: “Trump repete mentira sobre o voto popular em reunião com juristas”.

Princípio número 2 de RP: sempre cheque seus fatos

Jornalistas confiam naqueles que os abastecem com fatos precisos. Eles constroem relações de longo prazo com profissionais de relações públicas que os alimentam com a história certa. E não confiam em fontes que, propositadamente ou não, repassam informações erradas. O presidente Trump parece ter um problema com “fatos”, seja falando, seja tuitando. Por exemplo, o difícil relacionamento com seu vizinho ao sul da América começou quando o então presidente nomeado afirmou: “O México está mandando pessoas que têm muitos problemas, e eles estão trazendo esses problemas para a gente. Estão trazendo drogas. Estão trazendo crime. São estupradores. E alguns, eu imagino, são boas pessoas". Os fatos são um pouco diferentes. De acordo com os números mais recentes, 2% dos autores de agressões sexuais são imigrantes. Latinos correspondem a 9%, e brancos, a 71%.

Princípio número 3 de RP: Nunca ataque os meios de comunicação

Quando jornais impressos e revistas dominavam o horizonte das comunicações, a regra era: “Nunca tente ganhar no grito uma briga com um jornalista que compra tinta em barril”.

Isso continua sendo verdade na era da internet e das redes sociais. Noticiáveis espertos aprendem a desviar das flechadas dadas por repórteres. Eles não deixam que as críticas da imprensa os irritem. Mas o novo presidente não faz parte desse grupo. Depois que o New York Times criticou as afirmações de que ele teria ganhado no voto popular, Trump tuitou: “O falido @nytimes está errado sobre mim desde o início. Disse que eu iria perder as primárias, e depois as eleições gerais. FAKE NEWS!”. Isso logo depois de se sentar com os editores do jornal e concordar que ambos estavam quites.

"Líderes inteligentes não fazem promessas, a não ser que saibam que podem garantir que elas sejam cumpridas. E aí, temos Donald Trump..."

Princípio número 4 de RP: não insulte seus adversários

O que você conversa a portas fechadas é só da sua conta. Mas o que você declara publicamente pode colocá-lo em situações ruins. Então, quando questionado por um adversário de quem você não gosta, é sempre melhor ser discreto e evitar conflito. Mas Donald Trump não conhece a definição de “discrição”. Quando John Lewis, um ícone dos direitos civis de 76 anos que já teve o crânio quebrado por defender os direitos de pessoas negras, sugeriu que Trump era um presidente “ilegítimo”, Trump rebateu com pedras na mão: “O congressista John Lewis deveria gastar mais tempo ajudando e trabalhando pelo seu distrito, que está em situação terrível e caindo aos pedaços – sem contar na infestação de crimes – em vez de reclamar falsidades sobre o resultado das eleições. Tudo blá-blá-blá, sem ações nem resultados. Triste!”. Mesmo os conselheiros mais devotos de Trump devem ter se contorcido ao ouvir isso.

Princípio número 5 de RP: mantenha sua palavra

A maneira mais rápida de colocar sua reputação a perder é fazer uma promessa e, depois, fracassar no seu cumprimento. Quando o presidente Obama desenhou uma “linha na areia”, ameaçando fazer retaliações contra o ditador sírio Bashar Assad, a sua credibilidade sofreu. Ele nunca fez valer seu compromisso. Então, líderes inteligentes não fazem promessas, a não ser que saibam que podem garantir que elas sejam cumpridas. E aí, temos Donald Trump... Enquanto virtualmente todo candidato à Presidência dos Estados Unidos mostrou seu imposto de renda ao eleitorado, Trump rapidamente se recusou a fazer o mesmo. “Eu não publico meu imposto de renda porque, como vocês sabem, eles estão sendo auditados. Então não posso mostrá-los até que isso seja feito." Falsa promessa. A administração anunciou, pouco depois, que o presidente não iria publicar nada.

Princípio número 6 de RP: sempre mantenha o nível

Por fim, consultores de relações públicas, em geral, aconselham clientes a combater o bom combate. Líderes devem ser admirados e servir de inspiração. Isso significa agir com decoro e refinamento,] sempre. Aqui está o “refinamento” do novo presidente da América ao descrever uma de suas críticas mais ruidosas, a atriz Rosie O’Donnell. “Eu disse coisas bastante duras a ela, e acho que todo mundo deveria concordar que ela merece isso, e ninguém tem pena dela. A Rosie é uma perdedora, uma verdadeira perdedora. Eu espero tirar muito dinheiro da minha gorda e dócil Rosinha.”

Tudo isso sugere que, se o presidente Trump for bem-sucedido nesse caminho, a figura do profissional de relações públicas pode ter o mesmo destino do velho disquete de computador. Por outro lado, não dá para ter publicidade sem performance. Por ora, o presidente Trump falou sobre “grandeza” a torto e a direito, mas não entregou muito. Como o seu jogo publicitário é um número de corda bamba, o presidente precisa mostrar serviço rapidamente. Antes que ele – e as relações públicas que ele pratica – vá por água abaixo.

Ilustração por AlphaDog