Em tempos como os nossos, de divisões políticas tão acentuadas, devemos mirar em objetivos comuns, capazes de nos unir. O estímulo ao empreendedorismo tem potencial para isso. Afinal, ninguém se opõe a sonhos grandes se tornarem negócios de alto impacto, ajudando a resolver de maneira original e criativa problemas coletivos que há tempos aguardavam uma solução. Em um ambiente de negócios como o brasileiro, tão congestionado por exigências legais excessivas, pouco transparentes e, por vezes, contraditórias, como ampliar o impacto positivo dos empreendedores?
A Agenda para o Alto Crescimento, construída a partir de consulta a empreendedores da rede da Endeavor, é categórica em sua resposta: precisamos tornar as regras do jogo mais simples e transparentes, bem como os processos públicos mais eficientes, para que os empreendedores possam dedicar seus esforços ao que é produtivo – como, por exemplo, inovar no produto ou serviço que oferecem e treinar os funcionários –, e não a sobreviver aos entraves burocráticos do país.
Não se trata, por óbvio, de nos colocarmos contra a máquina pública como um todo, mas sim de lidarmos com seus excessos e disfunções, que tanto penalizam os negócios e a vida diária das pessoas. Este é o melhor caminho para ampliarmos o impacto do empreendedorismo e de seus efeitos positivos, como a geração de emprego e renda, o aumento da produtividade econômica, essencial para nos tornarmos uma nação de renda per capita elevada e menos desigual, e o crescimento sustentado, que não se confunde com “voos de galinha”.
A simplificação de processos de abertura, regularização de operação e fechamento de empresas é fundamental para o empreendedor (Getty Images)
Mas, diante de tantas amarras, por onde começar? A Agenda para o Alto Crescimento indica como desafios prioritários: (i) simplificar a estrutura tributária nacional; (ii) tornar mais transparente e ágil a concessão de crédito por parte de bancos públicos e agências de fomento; (iii) simplificar os processos de abertura, regularização, e fechamento de empresas; e (iv) agilizar a concessão de propriedade intelectual.
A complexidade de nosso sistema tributário está ligada ao alto número de obrigações a ser cumpridas e de documentos a ser preenchidos, e, principalmente, a mudanças frequentes no regramento legal. Somados, esses fatores tornam difícil ao empreendedor saber quais tributos pagar e a maneira correta de fazê-lo. A insegurança jurídica dificulta o planejamento dos negócios e faz surgir custos tributários – inclusive multas e juros – não previstos.
Os desafios ligados à obtenção de capital, por sua vez, devem-se menos à falta de dinheiro e mais ao que os empreendedores precisam fazer para acessá-lo – como apresentar muitas garantias, pagar juros altos e preencher muitos documentos e requerimentos. A dificuldade é maior quando o assunto são pequenas e médias empresas. Há uma diferença muito grande entre o que elas conseguem comunicar ao banco e o que a instituição financeira exige para avaliar a capacidade de endividamento da empresa e o risco envolvido, inclusive na identificação do potencial do negócio. No caso dos bancos públicos e das agências de fomento, especificamente, as políticas operacionais não são suficientemente claras nem sobre os critérios que guiam os processos de análise e concessão de empréstimos, nem sobre os documentos e exigências para a análise de crédito.
Já a simplificação de processos públicos ligados à abertura, regularização de operação e fechamento de empresas é fundamental não só ao empreendedor que está começando um negócio, mas também àquele que está escalando suas atividades por meio da abertura de filiais e de centros de distribuição, por exemplo. A rigidez da regulação brasileira, bem como a quantidade e o custo dos procedimentos, desencoraja a entrada de novas empresas no mercado e a expansão de negócios que já se provaram bem-sucedidos. As dificuldades mantêm-se para que a empresa funcione regularmente, em respeito a todas as exigências do Fisco e de outros órgãos públicos.
"Em meio a tantas obrigações legais – muitas delas pouco claras e até contraditórias –, é comum que o empreendedor, mesmo agindo em estrita boa-fé, acabe incorrendo em faltas administrativas que, não raro, só descobre quando tenta um financiamento ou quando deseja fechar as portas"
Em meio a tantas obrigações legais – muitas delas pouco claras e até contraditórias –, é comum que o empreendedor, mesmo agindo em estrita boa-fé, acabe incorrendo em faltas administrativas que, não raro, só descobre quando tenta um financiamento ou quando deseja fechar as portas. Um cenário como esse é a antítese da ideia de fail fast, essencial ao surgimento de empreendedores seriais que, ao aprenderem com os próprios erros, conseguem desenvolver produtos e negócios realmente inovadores.
Por fim, agilizar o processo de concessão de patentes é necessário para que direitos de propriedade intelectual sejam protegidos. Embora as patentes tenham duração entre quinze e vinte anos, o empreendedor brasileiro espera, em média, dez anos apenas para obter sua concessão, logo, é comum lhe faltar tempo para recuperar o investimento feito. Essa longa espera acaba desestimulando muitos empreendedores a se empenharem no desenvolvimento de novos produtos, serviços ou processos implementáveis no mercado.
Os desafios acima não podem ser enfrentados sozinhos. Por isso, o momento atual, de discussão sobre os rumos nacionais, é ideal para discuti-los e também para construirmos coalizões – entre empreendedores, organizações do terceiro setor e do setor privado, gestores públicos, políticos e cidadãos – capazes de resolvê-los. Apenas juntos podemos descongestionar o país para fazê-lo avançar.