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Presidência da Câmara para o povo?

Faltam propostas na corrida pela disputa de Casa, pautada pelos mesmos interesses de sempre

Por Roberto Livianu*

query_builder 12 jan 2017, 18h30

*Roberto Livianu, 48, é promotor de Justiça em SP, doutor em direito pela USP e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. Atua na Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos.

Quatro deputados federais disputam abertamente a presidência da Câmara, cuja eleição ocorrerá no início de fevereiro. Noticiam-se viagens, articulações - houve até candidato que fez campanha de bicicleta. O atual presidente neste momento trava batalha jurídica, pois muitos entendem não ser possível sua recondução, até em nome do não enraizamento no poder.

Na arquitetura da democracia representativa e participativa pelo povo e para o povo se faz necessário que a sociedade saiba que espécies de propostas e prioridades pensam em ter os parlamentares caso sejam escolhidos para presidir a Casa que postulam do Poder Legislativo Federal.

Afinal, são vitais as forças do presidente da Câmara. Ele é chefe de poder e seu porta-voz. No ano passado, o Brasil assistiu ao triste espetáculo do afastamento e depois prisão por corrupção do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o que deveria impor zelo ainda maior por parte dos postulantes à cadeira no que diz respeito à transparência de propostas e intenções políticas à sociedade, a chamada accountability.

A opacidade pode sinalizar para a indesejável direção de que possam pretender o poder pelo poder - o que em geral é muito ruim e, especialmente no delicadíssimo momento político que vivemos hoje no Brasil, é desastroso, pois nos joga para abismo ainda maior. O brocardo latino é sábio: abyssus abyssum invocat (um abismo atrai outro abismo).

Não vieram a público tais propostas. Não se tem conhecimento, por exemplo, de que algum dos quatro candidatos se tenha comprometido a capitanear processo legislativo conducente à necessária proibição absoluta do imoral voto simbólico ou secreto, que desrespeita o povo e seu direito constitucional de acesso à informação bem como o princípio constitucional da publicidade, bandeira defendida com afinco pelo Instituto Não Aceito Corrupção.

Isso se mostra absolutamente essencial nesta quadra de nossa história republicana, especialmente depois dos tristes episódios vividos na noite de 22 de novembro do ano passado, em que se pretendeu aprovar anistia a todos os atos ilícitos das mais diversas naturezas tendo por objeto recursos não contabilizados em campanhas eleitorais (caixa dois), em votação secreta, com oposição firme e intransigente apenas de quatro partidos políticos que defenderam o voto aberto: PHS, PPS, PSOL e Rede.

Já nos ensinou Platão, há muitos e muitos séculos, ser compreensível o medo do escuro de uma criança. Mas que a real tragédia da vida acontece quando os homens têm medo da luz.

E não podemos esquecer que, na outra casa legislativa, o presidente do Senado, em dezembro, tentou aprovar a toque de caixa lei em causa própria, para autoblindagem e vingança, já que é investigado em doze procedimentos criminais e réu no STF, acusado de peculato.

Frequentemente noticiam-se fatos referentes a gastos excessivos e desarrazoados por parte da Câmara. Quanto a isso, não se tem conhecimento de proposta alguma dos quatro candidatos no sentido de radicalizar a prestação de contas e transparência de tudo aquilo que se gasta, de forma totalmente acessível aos cidadãos.

Aliás, recentemente, o Congresso aprovou o chamado ajuste fiscal, com drásticas contenções de despesas a diversos setores do campo público. Quais as propostas dos candidatos em relação a essas contenções no que diz respeito à própria Câmara? Ao número de assessores parlamentares, por exemplo?

Qual dos candidatos pretende se comprometer a capitanear mudança constitucional para a limitação do número de mandatos na Câmara a fim de que prevaleça o princípio republicano cuja essência é a alternância no poder?

Diversos organismos de pesquisa e do campo acadêmico, por outro lado, vêm detectando com nitidez sintomas de forte crise de representatividade política externados pelo grau de participação nas eleições, número de votos brancos e nulos e em outros indicadores.

A FGV tem pesquisado trimestralmente a credibilidade das instituições, e o Congresso e os partidos políticos ocupam as piores posições de forma lamentavelmente constante, a ponto de muitos hoje questionarem a ideia da democracia pelos partidos, defendendo candidaturas avulsas. Além disso, como se sabe, vários outsiders venceram as eleições para prefeito em 2016 diante desse quadro de saturação.

A crise de representatividade com certeza está relacionada a uma postura de descolamento dos parlamentares em relação aos representados, sendo vital que essa interação se revitalize. O presidente da Câmara deve liderar esse processo, tomando iniciativas que ampliem a voz e presença da sociedade no Parlamento, como, por exemplo, envolvendo-a efetivamente no processo de escolha dos representantes da Câmara dos Deputados junto ao Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público.

Isso pode legitimar e qualificar mais a escolha desses conselheiros, que desempenham papéis extremamente importantes no CNJ e CNMP, para que sejam chancelados pela comunidade.

O novo presidente da Câmara dos Deputados precisa trabalhar pelo início do resgate da essência democrática do Parlamento. Eis sua grande oportunidade.

Ilustração por AlphaDog