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Ofensas na internet não justificam censura

Informações falsas se multiplicam às vésperas das eleições. O caminho é a educação para a mídia, não a reprovação prévia

Por Ronaldo Lemos*

query_builder 1 out 2016, 15h40

* Ronaldo Lemos é advogado, doutor em direito por Harvard e pesquisador representante do MIT Media Lab no Brasil

Vivemos em um mundo em que a informação circula de forma cada vez mais rápida. Isso traz vantagens enormes, mas também pode gerar distorções na opinião pública. Lidar com esse desafio de forma construtiva e democrática é uma das tarefas mais importantes do nosso século.

Primeiro vamos ao problema. Um estudo feito por um pesquisador da universidade de Columbia e publicado pelo Instituto Americano de Imprensa demonstrou que informações falsas que "viralizam" tendem a circular três vezes mais rápido que as informações verdadeiras que tentam corrigi-las. O estudo teve por base o Twitter e analisou 100 000 publicações.

Apesar dessa dinâmica, o estudo constatou também que a mentira tem "pernas curtas". Depois do pico inicial de desinformação, a informação verdadeira acaba alcançando a informação falsa.

Um dos casos analisados foi o boato disseminado nos Estados Unidos de que o vírus Ebola teria sofrido uma mutação e se tornado transmissível a longas distâncias pelo ar. No momento inicial em que o boato se espalhou, a cada 3 tuítes publicados com a informação falsa, apenas um o desmentia. No entanto, poucas semanas depois, a informação falsa foi superada até perder totalmente o fôlego e desaparecer das redes.

No Brasil houve casos similares. Na semana anterior à votação do impeachment na Câmara, houve um surto de notícias falsas na rede, com ao menos três delas chegando à topo dos "trending topics", a lista de assuntos mais compartilhados no Twitter. Na semana seguinte essas mesmas três notícias falsas haviam praticamente desaparecido.

Essa dinâmica cria um desafio especial para os momentos de campanha eleitoral. Marqueteiros de má-fé muitas vezes buscam "viralizar" boatos na tentativa de criar ondas de influência na opinião pública. A receita para isso está ficando cada vez mais escancarada. Por exemplo, criam um veículo "noticioso" que publica a notícia falsa. A partir daí, dá-se a ela um título "bombástico", que é disseminado em redes sociais como se fosse um grande furo de reportagem.

Muitos usuários da internet tornam-se então "veículos" de disseminação do boato. Mesmo não encontrando qualquer confirmação se aquilo é verdadeiro ou não, resolvem passar a mentira para frente por causa de sua aparente "urgência". Isso gera um efeito cascata. Outras pessoas vão passando a notícia falsa adiante e a mentira vai ganhando ares de "verdade" simplesmente porque tem muita gente falando sobre ela.

Qual seria então a solução? Um dos caminhos é a crescente onda da chamada "checagem de fatos" (fact-checking) em tempo real. De 2008 a 2012 as matérias com fact-checking cresceram 300% nos EUA. Com a ascensão da candidatura de Donald Trump - que assimilou a desinformação como estratégia eleitoral - a prática cresceu ainda mais. No Brasil, além da imprensa tradicional, há várias iniciativas novas de fact-checking, que incluem a Agência Lupa, a Agência Pública e o portal Aos Fatos.

"A primeira lição é aprender a questionar fatos e, sobretudo, não repassar para frente tudo que chega pela rede parecendo ser 'urgente'. Essa sensação de urgência é a arma dos marqueteiros para disseminar boatos."

É fundamental também investir em educação para a mídia ("media literacy"). A primeira lição é aprender a questionar fatos e, sobretudo, não repassar para frente tudo que chega pela rede parecendo ser "urgente". Essa sensação de urgência é a arma dos marqueteiros para disseminar boatos. Em outras palavras, parar de agir como "veículo" de ideias pré-fabricadas produzidas maliciosamente por grupos de marketing político.

Mais grave que o próprio problema tem sido a reação a ele. Na tentativa de coibir essa dinâmica, muitos políticos têm buscado mecanismos inaceitáveis de censura prévia através do judiciário. Levantamento feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) mostrou que os pedidos de remoção de informações da internet explodiram no Brasil. Mal a campanha eleitoral começou já são mais de 28 ações propostas por políticos contra jornalistas, sites e empresas de mídia. O número já supera todas a ações similares propostas nas eleições de 2012.

Infelizmente, um a cada cinco pedidos de censura prévia feito por políticos tem sido aceito pelo judiciário. O campeão desse tipo de pedido é o deputado Expedito Júnior (PSDB-RO), com sete processos. Empatados em segundo lugar estão Dilma Rousseff, o senador Benedito de Lira (PP-AL) e o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), todos com seis processos cada um.

É preciso que o judiciário brasileiro exerça grande responsabilidade nessa hora. Decidir em favor da censura prévia e da remoção de conteúdos representa jogar fora o bebê junto com a água suja do banho. Infelizmente, no conflito entre liberdade de expressão e a proteção da "honra" de políticos, a jurisprudência dos tribunais superiores no Brasil tem pendido 70% para esta e somente 30% para aquela.

Esses números são preocupantes. Fazem o Brasil destoar não só do modelo de liberdade de expressão consagrado nos Estados Unidos - no qual a punição por ofensas à honra de figuras públicas é excepcionalíssima – mas destoar também de nossos vizinhos latino-americanos. Países como Argentina, Costa Rica, El Salvador, México, Nicarágua e Uruguai descriminalizaram ou nunca consideraram crime as ofensas contra a honra em assuntos de interesse público, especialmente quando envolvem políticos.

O caso mais emblemático foi a aprovação da chamada "Lei Kimel" em 2009 na Argentina, nome de um jornalista injustamente punido por difamação ao investigar o massacre da igreja de São Patrício, que expôs políticos do país. Por conta do caso, a Argentina foi condenada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por cercear a liberdade de expressão, levando o país a adotar uma nova lei que limita o direito de políticos de processarem cidadãos por difamação e outras ofensas à honra.

É nesse contexto que o Brasil precisa repensar o fenômeno da "censura judicial" que cresce entre nós. A internet traz desafios, mas a melhor forma de lidar com eles é com mais informação, e não com menos. Como já recomendou o Conselho de Comunicação do Congresso Nacional, por unanimidade: "a melhor reação a um discurso ou relato considerado problemático é a resposta a ele na esfera pública. Em vez de supressão ou tolhimento, mais discursos, mais versões, mais contraditório. Essa é a praxe saudável de uma sociedade que se governa sob um Estado Democrático de Direito".

Ilustração por ALPHADOG