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É preciso combater a corrupção nas empresas, e não apenas fingir combater

O compliance, processo para evitar, identificar e interromper condutas ilegais, tem cada vez mais destaque nas mesas executivas

Por Alexandre Serpa*

query_builder 25 nov 2016, 18h00

* Coordenador do Curso de Compliance Anticorrupção da LEC, Alexandre Serpa é compliance officer desde 2009. Formado em ciências da computação com pós-graduação em administração, já trabalhou para empresas de auditoria (Arthur Andersen e Deloitte) e do ramo farmacêutico (Novartis e Alcon) na Suíça e na América Latina. É autor do livro “Compliance Descomplicado”.

Nos últimos anos o Brasil entrou em um ciclo aparentemente virtuoso em sua relação com a corrupção e com a falta de ética. Está no meio de um turbilhão de ações judiciais contra pessoas físicas e jurídicas, o que pode ser o maior caso de investigação de corrupção no mundo. A reboque de tudo isso, ou como uma de suas causas, o compliance toma lugar de destaque nas mesas executivas e de conselhos de administração de empresas grandes e pequenas, nacionais ou estrangeiras.

De uma forma simplista, mas correta, os programas de compliance são instrumentos, processos e ações implementados pelas empresas para evitar, identificar e interromper condutas ilegais. Sejam elas ligadas ao descumprimento de leis trabalhistas, ambientais, concorrenciais, tributárias, regulatórias ou de prevenção à lavagem de dinheiro ou de corrupção, um programa de compliance tem componentes básicos e necessários para ser efetivo.

Eles podem ser resumidos em suporte da alta administração (compromisso real dos donos e gestores da empresa em fazer a coisa certa sempre), avaliação de riscos, documentação de políticas e procedimentos, comunicação e treinamento, canais de comunicação ou canais de denúncia, due diligence (processo para conhecer os terceiros com os quais ela se relaciona) e monitoramento e auditoria.

Ou seja, o programa de compliance é um conjunto de processos de suporte que individualmente não são novidade e também não trazem grandes complexidades. Muitas empresas já possuem esses programas operando e muitas outras estão em processo de implementação.

No entanto, numa analogia com uma corredeira, os componentes acima são como as pedras do leito do rio. São razoavelmente estáticos e bastante materiais. Por outro lado, a complexidade de um programa de compliance é tudo aquilo que é fluído. É o que passa ao redor e gera os turbilhões e a espuma da corredeira.

Erros e fraudes podem (e vão) ocorrer e isso não quer dizer que o programa de compliance não é efetivo. Um programa de compliance efetivo é aquele em que as ações posteriores à identificação de problemas não deixam dúvida sobre a seriedade da empresa em lidar e resolver os problemas ocorridos, não poupando qualquer culpado independentemente de sua posição hierárquica, status ou contribuições ao resultado da empresa.

O que deve ser feito quando um funcionário problemático da empresa, que tem um comportamento ruim com seus colegas e que não bate suas metas de venda, é pego oferecendo propina a um funcionário público para obter uma licença? Ou quando o melhor vendedor, com anos de bons resultados, é flagrado por uma operação policial entregando suborno a um político para conseguir fechar um contrato de venda para um órgão do governo?

O desligamento imediato desses funcionários é o que provavelmente a maioria das empresas faria. Mas estes dois cenários são casos fáceis, pois não há muito espaço para discussão. O problema é que eles são raros, e uma empresa que não tome a decisão de ao menos demitir estes funcionários é uma organização criminosa.

A maioria das empresas acabam encontrando, no entanto, cenários menos escancaradamente criminosos. O problema ocorre quando há espaço para os “mas”, os “coitado”, para os “mas será que isso é tão ruim assim” e para outras racionalizações e explicações de que o problema não é tão grave. Um exemplo mais real é quando o funcionário dos sonhos não é flagrado pela polícia, mas pego em um processo interno de investigação. E ele, além de ser o melhor vendedor, é também um funcionário de longa data da empresa.

São casos como este que colocarão o programa e sua efetividade à prova. Se a empresa quer, de fato, combater os ilícitos e deixar claro para o restante de seus colaboradores que seu compromisso é com o cumprimento da lei e que nenhum desvio passará em branco, são nos casos difíceis que as ações falarão mais alto que as palavras.

E como a Lei brasileira Anticorrupção cita, não basta o programa de compliance existir só no papel. Apenas os que são efetivos de fato podem levar a benefícios relevantes, como redução de penas.

Ilustração por AlphaDog