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Revolução veloz

Desde seus primórdios, a indústria automobilística experimenta mudanças drásticas – e rápidas. Não é diferente agora, quando está se reinventando

Por Antonio Megale*

query_builder 27 ago 2018, 19h00

* Antonio Megale é presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea)

A indústria automobilística está acostumada com transições rápidas. Desde seu surgimento, é pioneira de muitos processos que são utilizados em vários outros setores. Exemplos claros são a introdução do sistema de produção em série e, mais recente, a aplicação da internet das coisas, onde os robôs interagem entre si e os sistemas conversam automaticamente entre montadoras, fornecedores e clientes.

Mas mesmo trabalhando com velocidade de mudança absurda desde o início, a indústria automobilística atravessa hoje a maior revolução de sua história. Tudo muda ao mesmo tempo: a relação das pessoas com os automóveis, a cultura do compartilhamento e o senso de propriedade (usar em vez de ter), a preocupação crescente com a sustentabilidade, as restrições drásticas nos níveis de emissão de CO2, a necessidade de aumentar a segurança veicular, a direção autônoma, as exigências de conectividade, as relações globais de comércio, a inovação via parcerias e startups... é difícil até listar todos os pontos, pois todo dia aparece um novo movimento.

O futuro é do carro elétrico: o desafio é descobrir a melhor maneira de levar eletricidade ao motor (Divulgação)

Do ponto de vista produtivo, lá atrás, na década de 50, a preocupação do governo vigente, sob o impulso inicial de Getúlio Vargas e depois Juscelino Kubitschek, era atrair empresas para produzir localmente. A estratégia deu certo: hoje o parque industrial brasileiro conta com 65 unidades localizadas em dez Estados e 42 municípios. De um pouco mais de uma década para cá, as fábricas se reinventaram e é possível afirmar que o Brasil está em linha com o que há de mais moderno no mundo — e até melhor em muitos casos. Remodelamos as linhas de montagem para ganhar eficiência, somos extremamente sustentáveis quanto ao uso e tratamento de água no processo produtivo, reduzimos a geração de resíduos sólidos, utilizamos iluminação natural para economizar energia — há até produção própria de energia com centrais hidrelétricas e parques eólicos — e investimos na inserção de avanços tecnológicos no dia a dia das linhas de montagem, como a realidade virtual e simulação em 3D.

No quesito produto, ou seja, os automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, caminhamos rapidamente para o futuro em duas grandes vertentes. A primeira delas envolve as tecnologias híbridas e elétricas, diretamente ligadas às emissões de gases do efeito estufa e de consumo de combustível. Não há nenhuma dúvida de que o futuro do veículo é elétrico. O desafio é descobrir a melhor forma de levar eletricidade ao motor.

Observação importante: diversos países assumiram compromissos de redução das emissões de CO2 e, para cumpri-los, terão que adotar novas tecnologias de propulsão. O Brasil, por exemplo, firmou compromisso na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015, a COP21, de reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 43% até 2030 tendo como base de comparação o ano de 2005. A indústria automobilística é talvez a única que está firmando o mesmo compromisso de forma setorial.

Para chegar lá, os países estão pesquisando as tecnologias que melhor se adequem às realidades locais. No caso da Europa, a solução mais adequada parece ser o veículo elétrico. E aqui no Brasil temos a mania de achar que o que é feito na Europa ou nos Estados Unidos é automaticamente o melhor para nós. Nem sempre é.

"É bem provável que os veículos autônomos cheguem primeiro no campo. Algumas máquinas podem já ser controladas por celulares"

O Brasil possui nos biocombustíveis um dos maiores trunfos no campo da sustentabilidade. O etanol é um combustível neutro de CO2, quando se considera o ciclo completo da cana-de-açúcar, desde o plantio até o escapamento. Não devemos ficar de fora dos elétricos, mas sim entender, por exemplo, que podemos desenvolver a tecnologia híbrida com motor flex ou uma outra extremamente promissora, que é a célula de combustível abastecida com etanol — esta última, de forma muito resumida, utiliza as moléculas de hidrogênio presentes no etanol para gerar energia que movimentará o motor elétrico. Isso faz todo o sentido para o nosso país.

A segunda grande vertente é a segurança veicular, que passa pela evolução da direção autônoma. É simplesmente impossível comparar um automóvel de uma década atrás com os atuais. Todos os veículos hoje já saem de fábrica com airbag e freios ABS. Nos próximos anos, todos terão sistemas de fixação de cadeirinhas para crianças e controle eletrônico de estabilidade, que já equipam boa parte dos modelos. E da mesma maneira, já está em estudo a implementação de tecnologias como freios autônomos de emergência e até sistemas de proteção para pedestres. Isso significa que os veículos se tornarão autônomos de forma gradual e natural.

É bem provável que os veículos autônomos cheguem primeiro no campo. Algumas máquinas agrícolas até mesmo sem cabine já são testadas e podem ser controladas por celulares ou tablets. O segundo estágio deve ser com caminhões e ônibus nas estradas e rodovias, que oferecem um ambiente mais uniforme e controlável do que nos grandes centros urbanos. E só então devemos ver mais veículos autônomos nas cidades. A tecnologia está em fase de testes pelo mundo, mas o grande desafio é a interação da máquina com os movimentos imprevistos dos seres humanos — seja como motorista ou pedestre.

Tudo isso demanda grande volume de investimento, principalmente em pesquisa, desenvolvimento e inovações. A experiência do setor mostra que não dá para frear os investimentos. Por isso nasceu em julho a nova política industrial automotiva, o Rota 2030, cujo objetivo claro é continuar o processo evolutivo pelos próximos 15 anos, o que oferece previsibilidade para adequar os investimentos.

O Rota 2030 representa a ponte que levará a indústria automobilística brasileira para o futuro. Ele cria condições para o Brasil inovar ainda mais. Valorizará nossa engenharia que já é mundialmente conhecida pela criatividade e capacidade de desenvolver novas soluções. Manterá a todo o vapor nossos centros de pesquisa com força para elaborar projetos internacionais. Elevará o patamar tecnológico de nossa indústria automotiva.

É um programa que deveria ser, inclusive, repetido em outros segmentos da economia. Afinal, o Brasil pode e deve ser uma nação organizada, com ambiente adequado para a construção do futuro. Só assim teremos uma indústria forte e veículos cada vez mais modernos, tecnológicos, eficientes e seguros. E quem sabe trocaremos os sobressaltos e tempestades do passado pelas rotas de calmaria e previsibilidade do futuro.