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O celular ajuda a educação?

Tudo dependerá do treinamento e da criatividade dos professores para fazer com que o uso de novas tecnologias convirja com os objetivos da educação. As opções são muitas - e instigantes

Por José Renato Nalini*

query_builder 29 mar 2017, 19h00

* José Renato Nalini, 70, é secretário da Educação do Estado de São Paulo

Parece que o mergulho da humanidade no mundo digital é irreversível. As tecnologias da informação e comunicação equivalem a uma quarta ou quinta Revolução Industrial e vieram para ficar. Esse fenômeno oferece várias perspectivas. Uma delas é a celeuma em torno do uso de celulares e outros aparelhos móveis pelos alunos em sala de aula, que é proibido pela lei estadual 12.730/2007 – há leis semelhantes em outros estados, como MG, RJ e DF. Deve continuar vedada a sua utilização? Mesmo quando o professor entender que o aprendizado ganhará se o estudante puder consultar uma rede, resolver um game educativo ou atuar em equipe?

A consulta ao alunos terá uma só resposta: o uso de celular, smartphone, tablet ou computador em sala de aula deve ser permitido. Queira-se ou não, os instrumentos eletrônicos de comunicação e de acesso às redes da web já fazem parte do cotidiano dos alunos. As novas gerações nascem com chip, têm circuitaria neuronal inteiramente digital, enquanto a nossa continua analógica. Somos nós que devemos nos adaptar à realidade, não a criança ou o jovem declinar de viver sua contemporaneidade.

Um dos raros consensos no universo da educação é o de que as aulas prelecionais no cardápio de disciplinas compartimentadas não seduzem o aluno. Esse é um dos motivos da crescente evasão no ensino médio, exatamente a faixa de responsabilidade dos estados e aquela destinada a um aluno que já tem discernimento, adota sua própria concepção de mundo e de futuro e não se satisfaz com o divórcio entre o que se ensina e o que é necessário para sobreviver num futuro complexo e incerto.

Uma das fórmulas para manter o aluno interessado no aprendizado é propiciar a ele a oportunidade de se conectar com o mundo. As informações nunca estiveram tão disponíveis e acessíveis a todos os que têm curiosidade. Se a escola não oferecer aos estudantes da rede pública a competência para engajamento saudável no uso de mídias e outros provedores de informação, incluindo os da internet, o acesso continuará por outros meios, mas sem garantia de que haverá qualidade na assimilação do conteúdo.

O planeta está cada vez menor e, queira-se ou não, caminha-se para a cidadania global no mundo digital. A escola particular já maneja há muito tempo esse universo e, se a rede pública não adotar políticas e estratégias consequentes, a tendência é o aumento das disparidades entre os que têm e os que não têm acesso à informação e às mídias e entre os que são capazes ou não de exercer a liberdade de expressão.

Somente com a orientação de mestres capacitados é que o aluno terá condições de absorver todos os aspectos relacionados ao uso intensivo das redes sociais, universo em que já passa muitas horas por semana. É preciso treiná-lo para se proteger e aos interesses culturais locais e globais que podem ameaçar a valorização do pluralismo e da diversidade cultural. As mídias sociais exercem papel de extremo relevo e podem servir para fazer o aluno compreender a missão e as funções da mídia e de outros provedores de informação numa sociedade que se pretende democrática.

"Se a rede pública não adotar políticas e estratégias consequentes, a tendência é o aumento das disparidades entre os que têm e os que não têm acesso à informação"

O uso dos equipamentos eletrônicos, notadamente o celular, garantirá maior participação ativa e democrática, atendendo à vocação constitucional de edificar uma pátria justa e sem preconceitos, rumo à democracia participativa. Simultaneamente, favorecer-se-á a conscientização sobre as responsabilidades éticas da cidadania global e se estimulará a prática da diversidade, do diálogo e da tolerância, pois um dos valores do estado de direito de índole democrática do Brasil é o pluralismo.

As várias plataformas fornecem ao estudante um acervo de conhecimento que, se não for adequadamente selecionado, causará confusão e perplexidade, ambas nocivas à formação integral. Não é recente a preocupação de educadores de reconhecido prestígio em todo o planeta em propiciar uma alfabetização midiática e informacional para jovens de todos os continentes.

A partir do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, houve o reforço da Declaração de Grünwald, de 1982, a reconhecer a necessidade de os sistemas políticos e educacionais promoverem a compreensão crítica, pelos cidadãos, dos fenômenos da comunicação. A Declaração de Alexandria, de 2005, coloca a alfabetização midiática e informacional no centro da educação continuada e isso não é novidade nas escolas particulares. Estas mantêm ambiente de aprendizagem motivador e atraente, com animações de exuberante detalhamento, interatividade com simulações exclusivas e uso de objetos de aprendizagem 3D. Por que não estender a experiência para a rede pública?

É urgente dotar as escolas estatais de tecnologia educacional, para isso chamando à responsabilidade as concessionárias de telecomunicações que, por exercerem atividade concedida pelo estado, têm obrigação de oferecer conectividade à escola pública. E como é que o celular poderá ajudar na sala de aula?

Tudo dependerá do treinamento e da criatividade dos professores. Num determinado momento, verificará que a atenção arrefece e desafiará os alunos para o encontro de uma resposta na internet. Ou mandará "torpedos" com questões que devem ser respondidas individualmente ou em grupo no menor tempo possível. As pesquisas ganharão outro colorido se realizadas durante curto período, dentro da sala de aula, abrindo-se ao aluno que primeiro localizou o tema a possibilidade de verbalizá-lo.

Mas o uso da tecnologia vai muito além. A cobrança de exercícios no horário em que o estudante estiver em casa, a lembrança de que haverá avaliação no dia seguinte, a recomendação de leituras e tantas outras possibilidades reclamam o protagonismo de ambos: aluno e professor. Sabe-se que já existe, informalmente, um uso restrito do celular em sala de aula, mas, como a lei ainda proíbe, não se dispõe de dados consistentes sobre essa experiência.

O importante é acreditar na maturidade da rede pública. Haverá maior interação entre os parceiros, pois hoje o relacionamento aluno/mestre é diferente de há algumas décadas. Por sinal, há relatos de alunos que se encarregam de "tutorar" professores com dificuldades no manejo das redes sociais, monitorando-os e criando laços de um convívio mais aberto, mais franco e menos formal, o que produz melhores resultados no processo de ensino/aprendizado.

Há um número infinito de opções, todas elas instigantes. Por sinal, a proposta da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo não pretende revogar a lei que proíbe o uso do celular em sala, durante o período reservado à aula. Apenas ressalva a finalidade pedagógica e dependerá do professor encontrar fórmulas hábeis para que esse uso convirja com os objetivos da educação, em sua tríplice finalidade: desenvolver aptidões e habilidades pessoais, qualificar para o trabalho e capacitar para o saudável exercício da cidadania.

Ilustração por AlphaDog