O Brasil é o quarto país do mundo em número de presos. Somente no Estado de São Paulo são 230 mil, em 166 unidades prisionais, todas superlotadas e muitas com o triplo da capacidade. Não bastasse o caos no sistema penitenciário brasileiro, restam ainda 560 mil mandados de prisão a serem cumpridos no Brasil. Onde vamos colocar tantos criminosos?
Em meio ao caos, estamos nós, agentes penitenciários. Somos a separação entre os criminosos e o estado, aliás, somos a única presença do estado no meio do crime. Juntamente com os presos, somos aquilo que a sociedade prefere esquecer que existe. Aliás, nem mesmo em tempos de crise no sistema, somos lembrados. Esquecem que esses agentes suportam diariamente ameaças, são agredidos nas unidades e, muitas vezes, executados nas ruas pelo crime organizado, simplesmente por exercermos nossa profissão.
O sistema carcerário é tão falho que hoje é o melhor lugar para se ficar impune ao cometer um crime. Lá, pode-se usar drogas livremente sem ser incomodado e comandar mortes e crimes nas ruas e nos presídios. Em São Paulo, inclusive, não há nenhum risco de um preso de uma facção ser morto por outro de facção rival, pois o estado dá proteção, já que divide as unidades entre os grupos criminosos. E mais: se for líder de facção, terá a segurança reforçada pelo estado. Para eles, o crime compensa, pois matam os desafetos e ficam impunes.
E quando tais crimes ocorrem dentro das unidades, mesmo que os agentes presenciem, eles nada podem fazer, a não ser assistir, pois estão de mãos atadas, apenas com um molho de chaves para abrir e trancar celas. Lá no presídio as leis do estado não existem e sim a lei do crime organizado, pois, onde o estado não manda, as facções criam suas leis próprias. Funcionam como um estado paralelo, inclusive com tribunal do crime e pena de morte.
E se o estado sabe que a lei do crime opera nas unidades, por que então não pode intervir? Primeiro, pela falta de infraestrutura das prisões superlotadas, com presos soltos livremente por toda a unidade, o que favorece o crime organizado. Muitos detentos tratam a prisão de “quartel do crime”, outros de “escola do crime”. Os presos que trabalham e têm bom comportamento são hostilizados pelos demais, chamados de "Zé povinho". Presos pagam impostos ao crime organizado e, de tudo que entra na unidade e é vendido, o crime organizado tira sua parte.
No estado de São Paulo, a superlotação impede até mesmo uma simples intervenção em uma cela com 50 presos onde deveriam estar 12. Mesmo que o agente veja um preso utilizando um celular, ele fica impossibilitado de atuar, pois, em um plantão há cerca de 30 agentes em toda a unidade. Além disso, não temos equipamentos para intervir. Mesmo que os agentes de dois turnos se reúnam para uma intervenção horas mais tarde, provavelmente nada encontrarão na cela. A unidade prisional é tão perfeita para se cometer crimes, que, sempre que os agentes encontram algo ilícito na cela, há o “laranja” pronto para assumir. Assim, como o agente não tem condições de investigar, o primeiro que se apresenta como o dono do ilícito ou o responsável pelo homicídio assume o crime. Como mudar isso sem ter poder para investigar? Não há como! Nosso papel é chamar a Polícia Civil para investigar e achar os culpados.
"As facções criminosas cresceram no habitat certo para proliferação e, sem que ninguém as incomodasse, se tornaram tão poderosas a ponto de desafiar o estado"
Baseado nesses fatos é fácil entender o porquê de as facções crescerem tanto dentro dos presídios e se tornarem tão poderosas a ponto de desafiarem o estado. Elas crescem no habitat certo para proliferação e sem que ninguém as incomode. Os agentes penitenciários normalmente levam a culpa pela entrada de celulares e drogas nas unidades prisionais e, geralmente, a sociedade se pergunta como tais ilícitos entram nas prisões. No entanto, não questionam que o governo proibiu a revista íntima nos familiares de presos. Também não falam que os detectores de metais são obsoletos e não pegam drogas. Não dizem ainda que os novos microcelulares não são pegos nos detectores de metais, o que também ocorre com as armas fabricadas em impressoras 3D, explosivos, facas de plástico ou de cerâmica.
Enquanto isso, os agentes penitenciários, que representam o estado, são desvalorizados, sem plano de carreira, com péssimos salários, sem equipamentos, treinamentos e uniformes. Em São Paulo a categoria está há três anos sem reposição das perdas salariais, que já ultrapassam os 20%. Em vez de investir, o governo tem proposto terceirizar as unidades prisionais de todo o país acreditando que assim resolverá o problema do sistema penitenciário. Na verdade, a terceirização dá ainda mais poder ao crime, que sentirá definitivamente a ausência do estado, sem falar que, comprovadamente, o custo é maior. A unidade prisional é um ambiente do estado e ele deve se fazer presente, fiscalizar e punir.
A solução por nós apresentada é ignorada, preferem contratar especialistas que não conhecem de perto as unidades, entre os quais, juízes, promotores, delegados, coronéis da PM, entre outros. O primeiro passo para a solução do problema é não querer colocar nos agentes penitenciários a responsabilidade pela segurança das unidades e a ressocialização dos criminosos. O preso jamais vai aceitar um agente de segurança como ressocializador, e nem temos preparo para isso. Eis aqui a primeira resposta para o fracasso da reabilitação dos detentos no Brasil.
O segundo passo é dar aos agentes penitenciários o poder de polícia, incluindo a categoria no artigo 144 da Constituição, para que possam investigar os crimes nas prisões, como homicídios, tráfico de drogas, destruição do patrimônio e formação de quadrilha, entre outros. Além disso, como polícia, enfrentar o crime organizado dentro das unidades e fazer valer a lei dentro das prisões. Mas para isso é preciso ter poder e legalidade.
O terceiro passo é que o estado invista em infraestrutura. As celas deveriam ser menores e com menos presos para facilitar a intervenção, além de acabar com as unidades abertas, onde os detentos transitam livremente sem qualquer controle. As prisões devem ser automatizadas para evitar o contato direto do agente com a massa carcerária, evitando assim que se tenham reféns, já que qualquer intervenção com reféns dá poder e tempo aos presos nas rebeliões e motins. Também é necessário que se tenha dentro das unidades uma Célula de Intervenção Rápida (CIR), com armas não letais, prontas para agir logo no início de qualquer confusão ou motim. Outras medidas são contratar imediatamente mais agentes, instalar scanners corporais em vez de detectores de metais, para impedir de fato a entrada de celulares, droga e armas, além de bloqueadores de celular em todas as unidades. É preciso, além de comprar equipamentos, treinar e valorizar os agentes penitenciários. Por fim, é necessário acabar com a superlotação.
Essas seriam as mudanças necessárias para um sistema penitenciário ideal e seguro e para que o estado tenha controle total sobre as unidades prisionais e acabe com as organizações criminosas e facções que se proliferam nos presídios brasileiros.