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Quando a cura não chega: o que você deseja?

Ninguém sabe a hora em que a vida chegará ao fim e nem por quais situações de saúde passará. Poucos sabem, mas um documento é capaz de proteger a autonomia do paciente até o último suspiro

Por Luciana Dadalto*

query_builder 29 out 2016, 13h10

* Luciana Dadalto. Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG. Mestre em Direito Privado pela PUCMinas. Sócia da Dadalto & Carvalho Advocacia e Consultoria em Saúde. Administradora do portal www.testamentovital.com.br.

Você já pensou em como gostaria que fosse seu fim de vida? Quais cuidados e tratamentos médicos você aceitaria e quais recusaria, se estivesse em um quadro clínico incurável e irreversível?

Cada vez mais os brasileiros estão pensando sobre o assunto e documentando suas vontades por meio do testamento vital. Dados recentes do Colégio Notarial do Brasil demonstram que nos últimos quatro anos houve um aumento de 771% no número de lavratura de escrituras públicas de testamentos vitais em Cartório de Notas no Brasil, todavia, transformando essa estatística em números absolutos percebemos que poucas pessoas manifestam sua vontade por meio desse documento.

O testamento vital é o documento pelo qual o indivíduo manifestar sua vontade acerca de cuidados, tratamentos e procedimentos médicos que deseja ou não se submeter quando a medicina não tiver mais condições de curar sua enfermidade.

O pressuposto desse documento é a proteção da autonomia do paciente até seu último suspiro. Fazer um testamento vital significa tomar as rédeas das difíceis – e necessárias - decisões no fim da vida. Significa reconhecer que o paciente, ainda que sem possibilidades de cura, é um sujeito autônomo, com um projeto de vida único e pessoal, e que, portanto, é ele a pessoa mais adequada para decidir como quer ser cuidados quando não pode mais ser curado.

No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos e de muitos países da Europa, o testamento vital ainda não foi reconhecido pelo Poder Legislativo, não há em nosso país uma lei sobre o tema e não temos sequer um projeto de lei específico sobre o assunto em tramitação no Congresso Nacional. Como as leis refletem – ou deveriam refletir – os anseios sociais, é possível atribuir essa ausência de lei ao tabu que ronda questões atinentes à morte e ao desconhecimento do tema pela população brasileira.

Frequentemente o testamento vital é associado à eutanásia. Todavia, enquanto a eutanásia é consiste na ação ou omissão do sujeito que, por compaixão a um paciente incurável age ou deixa de agir para propiciar a morte do paciente; o testamento vital é um documento, feito pelo próprio paciente, no qual este deixará escrito suas vontades acerca de seus cuidados médicos para quando estiver em fim de vida. Sendo certo que, no Brasil, como a eutanásia é crime, o paciente não poderá manifestar desejo de ser eutanasiado.

Apesar de não existir lei específica sobre o testamento vital no Brasil, o Conselho Federal de Medicina já reconheceu esse documento na resolução 1995/2012, deixando claro que a vontade do paciente prevalece sobre a vontade dos profissionais de saúde e dos familiares. O Poder Judiciário, instado a se manifestar sobre a constitucionalidade da referida resolução, reconheceu que o testamento vital é um documento que encontra proteção constitucional, vez que protege a autonomia do paciente.

"O testamento vital é o documento pelo qual o indivíduo manifestar sua vontade acerca de cuidados, tratamentos e procedimentos médicos que deseja ou não se submeter quando a medicina não tiver mais condições de curar sua enfermidade"

Assim, é possível afirmar que o testamento vital é um documento lícito no Brasil, e, portanto, pode – e deve ser feito – por todos os brasileiros. Isso porque ninguém sabe a hora em que a vida chegará ao fim e nem por quais situações de saúde passará, mas em razão dos avanços científicos e sanitários, sabe-se que a expectativa de vida está em um aumento crescente e, com isso, as pessoas tem morrido mais de doenças crônicas e/ou degenerativas, situações que, em geral, geram um prolongamento do sofrimento e podem incapacitar o sujeito para a tomada de decisões.

A título de exemplo, seguem algumas situações em que uma pessoa pode precisar de um testamento vital: câncer em estágio terminal, esclerose lateral amiotrófica, Mal de Alzheimer, demências em geral, estado vegetativo persistente, entre outros.

Perguntas e respostas:

Por que fazer um testamento vital? Para decidir sobre seu próprio fim de vida. Caso você não o faça, sua família ou os profissionais de saúde é quem terá esse poder.

Quando fazer um testamento vital? Antes de ficar doente, pois não é possível prever quando a doença chegará e se você terá discernimento após o diagnóstico.

Quem pode fazer um testamento vital? Maiores de idade, com discernimento.

Como fazer um testamento vital? Como não há lei no Brasil não há um caminho obrigatório a ser percorrido, mas sugere-se que: a) Procure um médico de sua confiança e peça que ele lhe esclareça sobre doenças ameaçadoras da vida e sobre os cuidados e tratamentos que podem ser aceitos e recusados. b) Procure um advogado com prática no assunto para que ele lhe ajude a redigir o documento, afim de evitar a invalidação futura pelo Poder Judiciário. c) Faça uma escritura pública em um Cartório de Notas a fim garantir maior segurança jurídica ao documento. d) Deixe uma cópia do seu testamento vital com seu médico de confiança e com algum familiar ou amigo de confiança, para que essas pessoas apresentem o documento quando você precisar.

O que escrever no testamento vital? Cuidados, procedimentos e tratamentos médicos que você aceita ou recusa, quando estiver em fim de vida.

A quem o testamento vital vincula? Familiares e profissionais de saúde são obrigados a seguir a vontade do paciente manifestada no testamento vital.

Posso me manifestar sobre questões patrimoniais no testamento vital? Não, o testamento vital é um documento que tem conteúdo restrito a questões de saúde.

Por que uma lei é importante? Porque apenas uma lei poderá criar um banco nacional de testamentos vitais, permitindo que todos os testamentos vitais sejam armazenados e consultados nas unidades de saúde. Além disso, é a lei que vai especificar as formalidades (por exemplo, necessidade de testemunhas, obrigatoriedade de lavratura de escritura pública); decidir se menores de idade podem fazer o testamento vital, entre outras coisas.

Se eu fizer um testamento vital e mudar de ideia? Não tem problema, você pode revogar o documento ou ainda fazer outro.

Ilustração por AlphaDog