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As novas cotas empregatícias para presidiários são adequadas?

Presidiários são, majoritariamente, homens jovens, mesma característica dos desempregados. Por que privilegiar um grupo em detrimento do outro?

Por Marcelo Neri*

query_builder 27 jul 2018, 17h00

*Marcelo Neri é pesquisador da FGV e PhD em Economia pela Universidade de Princeton. Foi presidente do Ipea e ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Em 23 de Julho, foi assinado um decreto determinando que empresas contratadas pelo governo federal para prestação de serviços ofereçam cotas para presidiários e ex-presidiários, sempre que os contratos ultrapassarem 330.000 reais. Qual será o efeito da nova legislação?

O Brasil já possui uma série de leis de cotas empregatícias. Elas cobrem públicos diversos, como pessoas com deficiência (PCDs) e jovens aprendizes, no emprego formal em geral, e negros, no serviço público. O Estado brasileiro, no entanto, não mede o efetivo impacto da introdução dessas medidas. Não sabemos se a lei “pegou” nem quais foram suas consequências sobre o seu público-alvo -- as empresas envolvidas --, bem como sobre outros segmentos da população.

Como o Brasil não avalia suas políticas públicas, os diversos níveis de governo conseguem escapar de controles mínimos de efetividade de suas ações. Assim, não conseguimos responder à pergunta título do artigo.

iStock/Getty Images

A crônica falta de avaliação brasileira, no caso das cotas empregatícias, não se dá por falta de dados. Temos a Rais (Registro Anual de Informações Sociais) e o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), com o estoque e o fluxo dos trabalhadores preenchidos pelas empresas e enviados ao Ministério do Trabalho ao longo do ano. Essas bases de informação são particularmente úteis, pois as unidades de observação são as empresas, entidades-alvo das cotas empregatícias exigidas. Por exemplo, no caso das novas cotas para presidiários, companhias de até 200 funcionários têm de ter ao menos 3% de presos ou egressos do sistema penal em seu corpo de empregados. Esse número sobe paulatinamente conforme o tamanho da empresa, até chegar a 6% das vagas para empresas com mais de 1000 funcionários.

Um primeiro questionamento sobre a nova lei se dá sobre a lógica por trás dessas faixas, uma vez que são mais exigentes do que as demandadas para outros grupos, como o de pessoas com deficiência, por exemplo. Nesse caso, as empresas com menos de 100 empregados são dispensadas das cotas, e aquelas com mais de 1000 empregados têm de incluir no seu quadro ao menos 5% de pessoas com deficiência.

Um segundo questionamento se refere ao impacto no custeio das empresas. Se há um custo adicional de contratar um presidiário ou um egresso do sistema penal, ele será repassado no orçamento enviado pelas empresas contratantes ao Estado. Não há almoço grátis neste ou em outros casos. Há ainda o agravante de tornar o menu de escolhas empresariais mais complexo, deteriorando o ambiente de negócios nacional.

"O objetivo do sistema penal é punir pessoas por crimes cometidos. A lei gera uma sinalização na direção oposta"

Um terceiro questionamento se refere ao mérito do grupo contemplado ante outros grupos da sociedade. O objetivo do sistema penal é punir pessoas por crimes cometidos. A lei gera uma sinalização na direção oposta. Se a lei prevê algum tipo de atenuação do castigo, os incentivos a crimes, por consequência, aumentam.

É verdade que as leis de cotas para presidiários, para pessoas com deficiência, ou para jovens aprendizes podem ser parcialmente justificadas com o princípio de igualdade de oportunidades. Em muitos casos, a pessoa não consegue inserção no mercado por não ter experiência e, se não consegue trabalho, não consegue ter a experiência exigida. Entretanto, uma cota a mais vai impactar o cumprimento da cota para outros grupos contemplados por outras leis.

A principal alegação das empresas para o não cumprimento dessas leis é a falta de qualificação da mão de obra ofertada. A ressocialização deve ser iniciada por meio de uma melhor educação dos presidiários. Educação exige sacrifícios, e o trabalho é o maior prêmio ensejado.

Nosso estudo intitulado “Retratos do Cárcere” indicava que a principal característica do presidiário era o trinômio jovem-homem-solteiro, justamente a faixa mais afetada pelo desemprego no país. Ainda nos encontramos em meio a uma severa crise que afeta sobremaneira os jovens, cuja taxa de desocupação hoje é duas vezes maior que a média da população em idade ativa. Mais do que uma foto dramática, temos o filme de uma tragédia com feições juvenis. Nos últimos quatro anos, a renda do trabalho – efeito-desemprego incluso - das pessoas entre 20 e 24 anos caiu cinco vezes mais do que a média da população. Por que a escolha de Sofia deve favorecer o jovem presidiário? Esse ponto nos remete à história do rapaz egresso do sistema penal que diz para o amigo: consegui um emprego, o seu!