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Venezuela exporta a crise para Cuba

Colapso do governo de Nicolás Maduro pode levar Havana à mais grave crise desde os anos 1990. E nem Moscou nem Pequim poderiam substituir a ajuda de Caracas à ilha comandada por Raúl Castro

Por Carmelo Mesa-Lago*

query_builder 26 jul 2017, 20h50

*Carmelo Mesa-Lago, professor emérito de Economia e Estudos Latino-Americanos na Universidade de Pittsburgh, é autor de 94 livros e mais de 300 artigos.

Apesar do agravamento da crise venezuelana, a economia do país caribenho ainda é responsável pela manutenção de outra, também em frangalhos: a ilha dos Castro. Em 2016, o governo cubano anunciou que o crescimento iria diminuir de 4,4% para 2% do PIB. Em junho do mesmo ano, reduziu a meta para 1% e, no fim de 2016, declarou uma queda de 0,9%. A debilidade da economia foi atribuída principalmente à Venezuela.

A hipótese mais provável é a continuação da crise em Caracas, com seus efeitos adversos sobre a economia cubana. O pior cenário seria a queda do governo de Maduro e terminação do comércio, da oferta de petróleo e da compra de serviços profissionais cubanos. Mas, mesmo nesse caso, a crise subsequente na economia cubana não chegaria à magnitude dos anos 1990, quando o PIB caiu 35% e as importações russas, 75%. Isso tem três explicações. Em primeiro lugar, o grau de dependência de Cuba em relação à União Soviética era maior do que é da Venezuela – por exemplo, o intercâmbio comercial era de 67%, contra 42%. Em segundo, a crise seria menos intensa porque o fornecimento de petróleo equivalia a 80% das necessidades de Cuba versus 60%, hoje. Por último, as relações comerciais de Cuba com outros países eram muito mais restritas do que agora.

"Tudo isso vai amortecer o impacto da crise cubana, embora esta possa ser a pior desde os anos 1990, quando a população enfrentou fome, faltou matéria-prima para hospitais, os serviços de saúde deterioraram, e não havia dinheiro para importações. Foi um período muito duro."

A história econômica de Cuba desde o início do século é caracterizada pela sua dependência de um país estrangeiro: Espanha, Estados Unidos, União Soviética e Venezuela. Entre 1960 e 1990, a ajuda soviética a Cuba somou 65 bilhões de dólares. Por causa da falta de estatísticas, não é possível calcular com exatidão as trocas de bens, compra de serviços profissionais cubanos e investimento direto entre Venezuela e Cuba no período entre 2001 e 2016. Contudo, estima-se que em 2010 o valor era equivalente a 10% do produto interno bruto (PIB) cubano. O auge dessa relação, em 2013, ultrapassou o da União Soviética em 1985. O economista cubano Pavel Vidal calcula em 81% a correlação econômica da Venezuela com o crescimento da economia cubana. Em 58 anos, a economia de Cuba não tem sido capaz – sem ajuda externa – de gerar crescimento sustentado e financiar as importações com exportações.

O principal sócio cubano vai de mal a pior. Em 2016, a economia da Venezuela contraiu 9,6% (a taxa mais baixa na região), dez vezes mais do que a queda do PIB cubano, e a inflação foi de 700%. Ambas as economias dão sinais de debilidade e as projeções para 2017 são mais preocupantes, com a queda pelo sexto ano consecutivo da produção venezuelana de petróleo. Os dados oficiais do primeiro semestre de 2017 mostram que o PIB cubano cresceu apenas 1,1%, metade da meta de 2%. Considerando que os primeiros seis meses historicamente são muito melhores do que a segunda metade do ano, em virtude principalmente do turismo e da colheita de açúcar e tabaco, o PIB de 2017 deve ficar muito abaixo do planejado.

Em 2015, o comércio de bens de Cuba com a Venezuela diminuiu de 40% para 28%. A exportação de serviços profissionais, que representa o maior ingresso de divisas de Cuba, deve ter registrado uma queda de 26% em 2016. Além disso, também diminuiu o envio de médicos cubanos para o Brasil, Angola e Argélia. Assim, o saldo global da conta-corrente caiu 47%. Se isso aconteceu em 2015, quando o PIB cubano cresceu 4,4%, a situação em 2016 deve ter sido muito pior, uma vez que o PIB caiu 0,9%. A galinha dos ovos de ouro, o suprimento de petróleo para a ilha, diminuiu em 27% em 2016 e 13% no primeiro semestre de 2017. A exportação de óleo bruto para a refinaria Cienfuegos caiu pela metade, reduzindo igualmente a produção e exportação do excedente refinado.

"Especula-se sobre a possibilidade de que a Rússia ou a China ajudem substancialmente Cuba. As chances de que isso aconteça são remotas."

Em 2015, o comércio entre Havana e Moscou representou apenas 1,2% de todas as transações comerciais de Cuba. Segundo a ONU, a economia russa caiu 3,7% em 2015 e 0,9% em 2016, de modo que a ajuda a Cuba é excepcional. Embora Putin tenha políticas arrojadas que não correspondem à situação econômica, eu acredito que em médio prazo será difícil continuar com esses fornecimentos de petróleo para Cuba, pois isso poderia provocar uma nova espiral da dívida cubana.

Além disso, o relacionamento terminou em um déficit de 78 milhões de dólares com a Rússia e não se sabe como Cuba pagou. Em maio passado, foi reportado um carregamento russo de 250.000 toneladas de petróleo a Cuba, o equivalente a 1,8 milhão de barris, um fornecimento para dezessete meses (com base nos 105.000 barris que a Venezuela enviava em 2012). O carregamento teria custado 82 milhões de dólares – 61% do total das importações cubanas da Rússia em 2015. Esse carregamento aumentara o déficit com a Rússia em 2017. Três anos atrás, Moscou perdoou 90% da dívida do país caribenho, mas Cuba ainda deve 2,5 bilhões de dólares à Rússia. Finalmente, existe um processo para privatizar a Rusneft, o gigante petrolífero russo, largamente controlado pelo Estado.  Se isso acontecer, seria ainda mais difícil para a Rússia enviar petróleo a Cuba. No fim de maio, o Ministério de Energia russo declarou que essa não é uma questão de caridade e que as companhias russas fornecerão petróleo a Cuba se houver financiamento.

As chances de receber ajuda chinesa também são pequenas. O déficit comercial com a China ultrapassou 2 bilhões de dólares em 2015, o maior entre todos os parceiros comerciais e 52% maior do que com a Venezuela. Cuba exporta 400.000 toneladas de açúcar para a China, que tem sido muito pragmática nas suas relações comerciais, e muitas de suas empresas são autônomas do governo. Eu acho improvável que esse processo substitua a Venezuela.

A normalização das relações entre os Estados Unidos e Cuba beneficiou essa última economicamente de diversas formas, mas não é suficiente para suprir o rombo deixado pela Venezuela. A principal mudança na ilha é no turismo, o setor mais dinâmico hoje. O ex-presidente Barack Obama abriu doze categorias de viagens a Cuba: a mais importante e flexível era baseada no intercâmbio cultural. Em 2016, havia 284.937 turistas americanos, 74% a mais que em 2015. Em janeiro de 2017, o crescimento foi de 125% em relação ao mesmo mês em 2016. Apesar de ter anunciado grandes mudanças, o presidente Donald Trump não mudou substancialmente o status quo. No turismo, eliminou a categoria de visitantes mais flexível e passou a exigir que as viagens aconteçam em grupos controlados com um responsável pela aplicação da lei, o que poderia afetar o fluxo de visitantes americanos e reduzir a renda no turismo. As novas diretrizes também proíbem hospedagens em hotéis e pousadas operados pelos militares, e há rumores de que algo semelhante será imposto sobre as remessas de dinheiro de residentes nos Estados Unidos para seus familiares cubanos. As duas últimas medidas serão difíceis de implementar.  Uma política similar de George W. Bush não teve resultados.

O fundamental para Cuba é retomar as vigorosas reformas econômicas de Raúl Castro – semicongeladas desde a visita de Obama – a fim de transformar a economia, gerar crescimento sustentável e reduzir a sua pesada dependência externa.