O mundo do marketing e da publicidade tem testemunhado não poucos casos de comunicação inadequada por parte de empresas e corporações, provocando controvérsias e trazendo um sério comprometimento da sua imagem.
Um dos casos mais recentes ocorreu na semana passada. Dois dias após a tragédia criminosa de Brumadinho (MG) – que contabilizou centenas de vítimas humanas e não humanas, além da enorme degradação ambiental, com repercussão mundial –, uma empresa de cosméticos, totalmente desconhecida do grande público, protagonizou uma polêmica com uma ação de marketing em suas mídias sociais. Batizada de “ensaio de protesto”, a ação consistiu em fotografar modelos cobertos de lama, numa clara referência às vítimas daquele crime socioambiental. Imediatamente, veio a reação do público. Mesmo pedindo desculpas e informando que “não era intenção ofender as vítimas da tragédia”, o estrago estava feito. O caso revelou que, se a estratégia era trazer à luz uma marca minúscula e desconhecida, associando-a a valores como solidariedade e apreço à vida, ocorreu o contrário. Imediatamente, a empresa começou a ser alvo de críticas nas redes sociais. E isso, levou o caso à grande imprensa, ampliando exponencialmente a repercussão negativa para a marca.
(Wilson Dias/Agência Brasil)
Não sendo único, podemos rememorar alguns outros exemplos de comunicação inadequada, colecionados recentemente. Em 2018, acusações de racismo envolveram marcas como a sueca H&M (um garoto negro usando um moletom que o associava a um macaco, acarretando, inclusive, cancelamento de contratos com modelos famosos e depredações em lojas da marca), a Perdigão, com a campanha de Natal (uma família branca doando chester a uma família negra), e a Dove, em que uma mulher negra se torna branca ao usar um sabonete da marca (algo muito parecido com o que foi elaborado por uma empresa chinesa que anunciava sabão em pó, em 2017). Ou ainda da rádio Jovem Pan em 2018, com relação aos crimes de homofobia (“O Brasil é o país que mais mata LGBTI+. Se você fosse a próxima vítima, qual seria a última música?”). Em 2015, foi a Skol que sofreu acusações de machismo e apologia ao estupro com a campanha “Deixe o não em casa”, no Carnaval de São Paulo.
Uma rápida pesquisa nos mostra que os exemplos são fartos mundo afora. Elaboradas por profissionais muito bem remunerados, é difícil acreditar que essas estratégias sejam fruto de mera incompetência – isso até pode ocorrer em algumas instâncias, mas não em toda a cadeia que envolve a criação e veiculação publicitárias. Esta constatação torna vazias e inócuas muitas das alegações das empresas em seus pedidos oficiais de desculpas. Algumas, inclusive, manifestam uma postura com viés bem autoritário, como se o problema estivesse no receptor da mensagem: “dissemos uma coisa e a sociedade não entendeu”. Muitas vezes, soam até mesmo como uma equivocada estratégia de promoção – mesmo que propositalmente de forma negativa – da marca.
Além disso, parecem desprezar o fato de que a sociedade já não faz mais vista grossa a quem desrespeita questões como diversidade, dignidade das pessoas, animais e meio ambiente. Honrar esses valores significa não apenas afirmá-los numa peça publicitária (como muitas marcas se limitam em fazer), mas, principalmente, adotá-los em suas práticas corporativas e de negócios, simultaneamente, com ações propositivas, combatendo práticas que, simbólica ou concretamente, os ameacem. Estimulá-los, ainda que de forma indireta, por meio da publicidade, é inaceitável.
"A sociedade já não faz mais vista grossa a quem desrespeita questões como diversidade, dignidade das pessoas, animais e meio ambiente. Honrar esses valores significa não apenas afirmá-los numa peça publicitária (como muitas marcas se limitam em fazer), mas, principalmente, adotá-los em suas práticas corporativas e de negócios"
Boa parte dos equívocos cometidos nessas campanhas poderiam ser evitados se princípios básicos da comunicação fossem respeitados. Um deles se refere ao fato de que o contexto do destinatário da mensagem é um elemento importantíssimo na definição do seu sentido e na sua interpretação (e não apenas a intenção do emissor). O receptor interage com a mensagem (por meio de seus valores, crenças, visão de mundo) produzindo seu significado, não raro bem diferente da intenção do emissor. Não se pode aceitar tranquilamente que agentes supostamente preparados e gabaritados tenham o simplismo de ignorar esse pressuposto.
Outro aspecto que parece não estar sendo devidamente levado em conta por muitos publicitários e profissionais de marketing é o fato de que as redes sociais se tornaram um poderoso canal de manifestação quase imediata da opinião de cidadãos/consumidores sobre uma determinada campanha, por exemplo. Principalmente quando ela mexe negativamente com valores que lhes afetam. E, quando isso acontece, a repercussão negativa é imediata.
As novas tecnologias de comunicação e informação ampliaram exponencialmente o poder do público de interagir, de forma eficaz e contundente, com a mensagem veiculada. Isso acentuou ainda mais o seu papel na produção do sentido do comunicado. Tais plataformas permitem constatar, quase em tempo real, que as reações do público informam se o sentido da mensagem pretendido pelo emissor foi o mesmo do receptor. Se já sabíamos que o sentido não é unidirecional, atualmente isso se tornou uma verdade ainda mais inexorável.
Por seu lugar de poder (como formador de opinião), é tarefa do publicitário estar atento e preocupado com os valores da sociedade com a qual interage, sob pena de veicular uma mensagem que será alvo de intensas críticas. Isso nos remete ao universo da ética e ao conceito de comunicação consciente e responsável.
Cometer erros como os ilustrados acima é diferente de elaborar campanhas provocadoras para levar a sociedade a certas discussões. Foi o que aconteceu na campanha Dia dos Misturados, para o Dia dos Namorados, veiculada pela C&A em 2015, ou da Boticário, no mesmo ano – ambas mostrando diversidade de famílias e de casais. Isso é uma arte e uma virtude que exige muita competência técnica e uma capacidade diplomática bastante consolidada para lidar com a reação do público. É uma escolha e, portanto, exige do emissor muita cautela e expertise técnica para evitar as consequentes armadilhas em que pode cair involuntariamente.
Ousar provocar a sociedade é saudável. Mas é preciso ter muita competência e perícia para tanto. Um simples pedido de desculpas com frases protocolares como “não foi nossa intenção” não cobre erros graves cometidos numa comunicação.