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Privatizar com eficiência

Num debate em que as ideias muitas vezes se sobrepõem aos números, a privatização de empresas estatais divide opiniões. Mas esse ainda é o melhor caminho

Por Fernando Vernalha*

query_builder 12 out 2017, 22h00

*Fernando Vernalha é pós-doutor em direito pela Columbia University Law School (NY, USA), professor de direito administrativo, advogado especialista em infraestrutura e sócio do VGP Advogados

Até há bem pouco tempo, a palavra privatização era vista como uma espécie de vírus da impopularidade nos debates políticos no Brasil. Embora a percepção popular sobre as vantagens e desvantagens das privatizações venha se renovando — talvez pelo reconhecimento cada vez maior de que os números devem prevalecer em relação às ideias —, ainda continuamos com alguma resistência quando o assunto é a venda de ativos estatais. Pesquisas feitas recentemente têm revelado que o apoio às privatizações ainda divide opiniões (veja-se o levantamento divulgado pelo Instituto Paraná Pesquisas em 4 de setembro sobre a venda da Eletrobras, com 49,3% a favor e 41,07% contra, e da Casa da Moeda, com 37,2% a favor e 57,9% contra. Uma outra pesquisa do mesmo instituto, conduzida em agosto de 2016, mostrou que 60,6% da população era contrária à privatização de empresas, enquanto 33,5% era favorável).

O tema, contudo, vem ganhando a atenção dos governos, seja por razões casuísticas, por sobrevivência fiscal ou pelo objetivo mesmo de buscar meios mais eficientes para a gestão dos ativos estatais. De qualquer forma, há uma agenda para desestatizações em formação nos diversos níveis federados. O movimento é puxado pela proposta do governo federal para a privatização de empresas importantes como a Eletrobras, a Casa da Moeda e o Aeroporto de Congonhas, além de outros 54 ativos, entre vendas e concessões, que compõem o Programa de Parcerias de Investimento (PPI).

Antônio Claudio Mariz de Oliveira (Sergio Lima/VEJA)

Essas iniciativas recolocam uma discussão de fundo sobre as vantagens e desvantagens de um programa mais abrangente de desestatização. Um ponto fundamental dessa análise é a capacidade das privatizações de melhorar a eficiência na gestão das empresas e a qualidade dos serviços prestados. Nesse sentido, os ganhos de eficiência e de produtividade das empresas privatizadas vêm sendo diagnosticados historicamente por estudos e levantamentos empíricos, como o relatório Privatising State-Owned Enterprises, produzido pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). São números que não devem ser desconsiderados no discurso das ideias. Por aqui, tivemos também experiências exitosas, como foi a privatização das telecomunicações.

De todo modo, embora o tema seja complexo e comporte múltiplas análises, há pelo menos dois enfoques relevantes que merecem ser lembrados. Em primeiro lugar, um dado pragmático: no Brasil, muitos desses ativos estão capturados por interesses políticos. Nossas principais empresas vêm sendo historicamente aparelhadas por indicações de partidos políticos. Isso impõe uma lógica de gestão empresarial fundada não na meritocracia e na racionalidade empresarial, mas no jogo dos interesses partidários. A origem desse problema é evidente e remonta a patologias do sistema eleitoral, em que cargos em empresas estatais são moeda relevante na formação de apoio político aos governos. É verdade que a recente Lei das Estatais pretende contribuir para minimizar a prática das indicações políticas, impondo critérios puramente técnicos para a indicação de diretores e membros dos conselhos de administração. Mas, enquanto os governos tiverem o poder das nomeações, sua origem terá sempre o DNA político.

"Nossas principais empresas vêm sendo historicamente aparelhadas por indicações de partidos políticos"

Uma segunda questão prende-se ao modus operandi das estruturas púbicas. As entidades públicas são aparelhos naturalmente ineficientes. Isso deriva de um componente fortemente burocrático que assegura controles sobre a atividade administrativa, mas carrega muitos custos ao seu funcionamento. O regime que rege as licitações, as contratações e mesmo a produção das decisões nas empresas estatais impõe-lhe uma burocracia muito mais pesada do que aquela que integra a empresa privada. Assim se passa porque o regime jurídico das empresas e entidades públicas parte de uma premissa de desconfiança na atuação do agente estatal, submetendo-o a um controle de meios, rico em procedimentos e formalidades. Já os sistemas de controle inerentes às empresas privadas costumam orientar-se por uma premissa de confiança, imprimindo controles de resultado à performance de seus executivos. Essas diferenças têm impacto nos custos que esse controle gera sobre o funcionamento da empresa. Por isso, tende a ser muito menos burocrática e onerosa a gestão de uma empresa privada do que a gestão das empresas estatais.

Esses enfoques demonstram que a gestão privada, sob o atual contexto regulatório no Brasil, tenderá a ser mais eficiente do que a pública, entregando serviços melhores a custos mais baixos. Se é assim, privatizar esses ativos pode ser uma alternativa economicamente racional. Arcar com as ineficiências da gestão pública pode valer a pena apenas para as hipóteses de atuações indelegáveis à iniciativa privada, como são as funções estatais imperativas de cobrar tributos e fazer uso da violência. Ou ainda para atuações pontualíssimas em que o Estado deve atuar na forma de empresa para corrigir falhas de mercado. Fora dessas hipóteses, as privatizações, se bem formatadas, serão a opção racional na busca de uma administração pública mais eficiente. É claro que isso dependerá muito da formatação desses programas e, ainda, das condições institucionais instaladas para o controle estatal sobre os serviços desestatizados — o que demandará agências reguladoras autônomas e devidamente aparelhadas para o exercício da regulação e do controle.

Os resistentes às privatizações costumam afirmar que o Estado deve ter cautela em desfazer-se de suas empresas para não se evadir de sua atuação em “setores estratégicos”. A questão é que, se há serviços empresariais que merecem indução ou orientação mais incisiva do Estado, por serem carimbados de “estratégicos”, que assim seja feito por outras vias, como a regulação ou o fomento direto. Estratégicos ou não para o Estado, os entes privados sempre serão aptos a melhor desempenhar essas atividades. Seria economicamente irracional insistir num modelo de Estado empresário quando há vias mais eficientes e eficazes para garantir que aqueles objetivos sejam atingidos.

Privatizar empresas e desestatizar serviços, por isso, não são apenas uma oportunidade de geração de caixa aos governos — tampouco tais ações devem estar orientadas para isso —, mas uma opção inteligente para oferecer maior eficiência e produtividade às empresas e melhorar a qualidade de serviços essenciais à população.