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Robôs serão os advogados do futuro?

Profissionais deverão não só manejar a tecnologia, mas também superar a eficiência das máquinas para conseguir exercer seu papel de defesa da sociedade

Por Ruy Dourado*

query_builder 1 mar 2018, 21h10

* Ruy Dourado é advogado e sócio do escritório Arap Nishi

Não é novidade que os robôs e a inteligência artificial estão se “infiltrando” em todas as áreas profissionais. Há algum tempo, essas máquinas vêm atuando de forma sistemática no mercado financeiro, na indústria, na medicina e nos mais variados setores da economia.

No entanto, só mais recentemente começamos a observar a chegada dessas “ferramentas” ao mercado jurídico, o que acarretará uma verdadeira disruptura em uma profissão que sempre foi cercada de tradição, erudição e excesso de formalismo. Até aqui, a carreira jurídica foi vista como uma atividade que apenas nós, humanos, seríamos capazes de controlar. O conhecimento das leis, a doutrina especializada e a jurisprudência eram, até então, interpretados para melhor defender os interesses e os direitos dos clientes, e ainda fazer valer as garantias constitucionais, como a da ampla defesa e o contraditório.

Mas fincar os pés apenas no direito tradicional, aquele de Rui Barbosa, Sobral Pinto, Evaristo de Moraes, Orlando Gomes e tantos outros grandes juristas, é querer negar a realidade que não só está batendo na porta, como também já entrou na vida dos advogados, dos escritórios e das empresas. Não que o mercado do direito vá se transformar em commodity regulada por algoritmos. No entanto, a inteligência artificial e a computação cognitiva passarão a realizar, de forma mais rápida, precisa, direta e acessível do ponto de vista econômico, boa parte do que um advogado faz hoje. A máquina não substituirá o ser humano – ela vai impulsionar uma produtividade jamais antes imaginada.

A ciência do direito e todos os seus desafios psicossociais continuarão a existir e a atormentar os estudiosos das mais diversas áreas da carreira jurídica, porém sua aplicação, por meio de seus operadores, será feita de maneira mais próxima ao que idealizou Henry Ford, ao desenvolver a linha de montagem industrial, que provocou uma revolução na forma de se produzir.

Tudo isso para dizer que os profissionais da área jurídica terão de se ajustar. A carreira do advogado mudou nos últimos poucos anos passados e ainda vai mudar muito nos próximos. Todos terão de se reinventar. Até a forma de remuneração poderá sofrer ajustes, uma vez que o tradicional time sheet, que é base para a cobrança de certos tipos de trabalho jurídico, não refletirá mais de forma justa o que a máquina produzirá em segundos.

O advogado das próximas décadas terá de saber manejar com certo conhecimento a tecnologia a ser empregada no seu dia a dia, em especial, aqueles profissionais que lidam com questões que não dependem tanto de conhecimento estratégico e de relacionamento interpessoal.

(Thinkstock)

Cada vez mais, veremos escritórios e departamentos jurídicos tendo de investir fortemente em inteligência artificial, como forma de agilizar a tomada de decisões e simplificar a administração de questões jurídicas que dependem menos do que os robôs ainda não possuem: sentimento, percepção subjetiva dos problemas, estratégia macro, relacionamento, visão global e avaliação do intangível.

O advogado do presente e do futuro terá de se posicionar de maneira clara no mercado, sem os habituais jargões que vemos nos sites e nos press releases dos escritórios de advocacia. O mercado vai exigir outras habilidades que não simplesmente saber conhecer as leis, a jurisprudência e a doutrina específica.

A ruptura do modelo atual, para o pós-tecnologia, já está acontecendo. O mundo jurídico, goste-se ou não, poderá ser visto de maneira binária pelo mercado.

Existirão advogados para atender as necessidades do cliente a partir da consulta a seu “robô”, e aqueles que possuem atributos que uma máquina não consegue ter. Para encontrar a solução para o problema do cliente, é preciso ter conhecimento e sensibilidade que vão além do direito.

As universidades também terão de se preocupar em fugir do modelo acadêmico tradicional, que transmite simplesmente o conteúdo dos livros e leis para o conhecimento do aluno, para que as futuras gerações se adaptem ao novo modelo. Precisarão ensiná-las a pensar, ser criativas e construir redes de relacionamento confiáveis e éticas, para que, ao sair das escolas de direito, os alunos não sejam simplesmente advogados, mas seres humanos além do que as máquinas poderão realizar. Isso sim será o diferencial de um profissional para o outro, e refletirá, inclusive, em sua remuneração.

Para as empresas, os robôs poderão significar economia e eficiência na administração de suas carteiras pelo departamento jurídico, em especial aquelas que tratam de temas referentes a trabalhadores e consumidores, por exemplo.

É ponto pacífico entre os estudiosos que muitos empregos vão desaparecer para que novas formas de trabalho surjam, a partir das novas exigências das demandas mundiais. Uma delas, a de saber pensar, nunca será substituída pela máquina, que tem seu papel e servirá para atender a determinadas necessidades da sociedade contemporânea. No entanto, não será possível garantir Justiça sem a presença do advogado que saiba interpretar, ser criativo e, ao mesmo tempo, utilizar de forma ética a sua rede de relacionamento, de modo a defender o direito de seus constituintes.

O Brasil e, por consequência, os brasileiros já estão atrasados na forma de ensinar e entender o direito contemporâneo, e refletir sobre ele. É isso que realmente fará a diferença para as próximas gerações. Precisamos deixar de lado falsos moralismos e tabus, para encarar o novo direito, as novas demandas, as reais necessidades das empresas e da sociedade civil como um todo.

A máquina só existe porque um ser humano a criou. Em síntese, quem será valorizado como advogado será aquele profissional que melhor souber se expressar como ser humano e utilizar suas redes pessoais a fim de encontrar as soluções para os problemas que afligem toda a sociedade.