PÁGINA ABERTA

Emissoras são as que mais se arriscam em duelo com a TV paga

A longo prazo, a prevalecer o suspense da queda de braço, a aposta da TV aberta envolve valores muito maiores que os do outro lado

Por Cristina Padiglione*

query_builder 30 mar 2017, 19h30

* A jornalista Cristina Padiglione, especializada em televisão, edita o site www.telepadi.com.br

Os primeiros resultados de audiência da transmissão exclusivamente digital de TV na Grande São Paulo, na manhã desta quinta-feira, primeiro dia de apagão do sinal analógico na região, confirmam que Record TV, SBT e RedeTV! apostaram alto ao peitar a indústria de TV paga. Dispostas a serem remuneradas pelas operadoras de TV por assinatura, que se recusam a pagar por isso, as três voltaram a ser transmitidas apenas pelo sinal gratuito – a exceção é a Vivo, que continua a negociar com a Simba, empresa formada pelas três redes para representá-las perante o setor de TV paga.

Enquanto o número de televisores ligados subiu, de 28,2% entre 6h e 12h de quinta-feira, dia 23/3, para 29,4% no mesmo horário desta quinta, dia 30, segundo dados prévios da Kantar Ibope, a Record perdeu saldo e fatia na participação de audiência, o que se repetiu com SBT e RedeTV!, mas não com Globo e Band (ambas mantêm seus sinais nos pacotes de TV paga e obtiveram crescimento em números absolutos, assim como nas fatias que lhes cabem no bolo das TVs ligadas).

Calcule o risco dos canais que compõem a Simba: 35% das pessoas que assistem à televisão na região Metropolitana de São Paulo sintonizam seus televisores por TV paga, nas contas da Kantar Ibope. Seria algo em torno de 7 milhões de indivíduos. A Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA) atribui à região, onde o sinal foi desligado, 3,7 milhões de seus clientes, distribuídos em 29 cidades. Em contrapartida, esses três canais juntos somam 25% da audiência alcançada por todo o bolo sintonizado na TV paga.

Ainda é cedo para traçar teses com os números das quedas nos primeiros dias, até porque a Simba tem pela frente o hercúleo trabalho de cultivar um hábito inédito em um público muito acostumado a encontrar todas as ofertas em um único controle remoto. Na questão operacional (e nem vamos mencionar a qualidade do conteúdo), a Simba passa a funcionar como uma espécie de Netflix, que obrigará o telespectador a trocar um controle por outro para sintonizar nova saída de canais e um outro menu, para encontrar SBT, Record e RedeTV!. Mas há dois agravantes na conquista desse hábito: a Globo, concorrente maior de todos eles, e a Band estarão disponíveis nos dois menus, o da TV paga e o do digital aberto. São duas adversárias de peso para quem procura programação menos repetitiva que a oferta de canais pagos. Segundo agravante: na Netflix, o telespectador pode escolher a que horas assistir ao que busca. Nos canais abertos, tudo tem hora para acontecer (e em alguns casos, como é praxe nas constantes mudanças de programação do SBT, nem sempre a hora é respeitada). A chance de o telespectador perder algo que poderia lhe interessar, reduzindo a plateia de cada canal, é grande. As três perdem audiência no zapping do assinante.

Na outra ponta do duelo, a TV paga prosperou um bocado entre 2008 e 2014, estacionou em 2015 e vem perdendo clientes de 2016 para cá – só entre janeiro e fevereiro deste ano, foram 95 mil assinaturas a menos. O setor, no entanto, tem se vangloriado de engordar sua audiência, mesmo perante a redução de pagantes. Aí é que está: esse bolo vai murchar consideravelmente com a saída de três redes. A campanha dos canais abertos para que o consumidor se queixe no Procon e em suas operadoras vem fazendo efeito. Fazia tempo que os departamentos de marketing de NET/Claro, Sky, Oi e cia. não trabalhavam tanto como nas primeiras horas desta quinta. Um dos argumentos defendidos pela Simba para incentivar o consumidor a reclamar é que o pacote adquirido por ele tinha os três canais na hora da assinatura de seu contrato e esses canais não podem ser suprimidos de um momento para o outro. Mas quem é assinante sabe que não é fato inédito ver um canal de sua preferência desaparecer do line up, sob os mais diversos pretextos.

As operadoras defendem-se sob o argumento de que só poderiam remunerar a Simba se aumentassem a conta paga pelo consumidor, o que não pretende fazer. Se desse um mísero real por assinante a cada canal, e dizem que a reivindicação vai muito além disso, a despesa do setor teria um acréscimo de R$ 54 milhões, quantia que a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA) afirma que só poderia vir do bolso do assinante.

A longo prazo, a prevalecer o suspense da queda de braço, a aposta da TV aberta envolve valores muito maiores que os do outro lado. A TV paga tem menos a perder com o caso. O setor já vem perdendo assinantes e deve perder a larga fatia de quem pagava só para ter um bom sinal, o que agora, em tese, não será mais necessário. Já os canais abertos, em plena crise econômica, apostam suas cabeças junto com as de quem realmente paga suas contas: o mercado publicitário, que tem urgência em seus objetivos. Aos anunciantes, não interessa, nem por um segundo, perder sua plateia de maior poder aquisitivo, formada, na esmagadora maioria, pelos telespectadores que ainda pagam para ver TV e que são as maiores vítimas desse duelo.

Ilustração por AlphaDog