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Judicialização e doenças raras

Há milhares de pacientes legítimos que encontram no acionamento do Judiciário a sua única arma na luta pela sobrevivência

Por Rosangela Moro*

query_builder 16 mai 2019, 20h30

*Rosangela Moro é advogada especializada em doenças raras e sócia do Wolff Moro Advocacia

A judicialização é hoje uma questão que merece uma importante reflexão do ponto de vista jurídico e da saúde pública. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de ações judiciais nessa área aumentou 130% entre 2008 e 2017. Os pedidos, na maior parte, são relacionados a medicamentos, procedimentos de alta complexidade e leitos em hospitais, tanto para o Sistema Único de Saúde (SUS) como para as operadoras de planos de saúde. Por isso, é muito bem-vinda a notícia de que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, se reuniu com governadores para discutir a questão da judicialização na saúde.

(Creatas RF/Getty Images)

Governadores disseram que, no ano passado, a judicialização gerou custos de 17 bilhões de reais aos cofres estaduais. O valor é muito alto e poderia ter sido usado para viabilizar melhorias no atendimento e assistência à saúde da população. Há dentro desse montante de processos e ações uma parcela de casos fúteis, que emperram o sistema judiciário e banalizam o instrumento jurídico. Por outro lado, há milhares de pacientes legítimos que encontram na judicialização a sua única arma na luta pela sobrevivência. Os pacientes com doenças raras estão justamente nessa posição.

Uma proposta que está sendo avaliada para ajudar a desonerar os cofres estaduais consiste em estabelecer parâmetros em que a judicialização só seria avaliada pelo poder público se o tratamento em questão estivesse disponível no SUS.

"É fundamental que o STF enxergue que o parâmetro de considerar passível de judicialização apenas tratamentos disponíveis no SUS não atenderá todos os pacientes. Caso contrário, será uma sentença de morte para os portadores de doenças raras."

As doenças raras reúnem diversas enfermidades cuja única similaridade em muitos casos é o fato de impactarem um número pequeno de pessoas. Para ser denominada “rara”, a doença deve afetar até 65 pessoas a cada 100.000 indivíduos, ou 1,3 pessoas para cada 2.000 indivíduos. A vasta maioria é causada por fatores genéticos, de difícil tratamento, envolvendo tecnologia inovadora e, ao mesmo tempo, debilitadora em seu custo e acesso. Os tratamentos da doença rara são muito caros, seja pelo alto custo de pesquisa e desenvolvimento, seja pelo fato de ter uma população muito pequena que fará uso do medicamento. O resultado dessa combinação alto custo e baixo público é a impossibilidade de uma pessoa comum arcar com custos elevadíssimos para o resto da vida.

Para um medicamento ser incorporado ao SUS, há uma série de critérios que o governo federal leva em conta, como o custo e o total de pessoas que vão se beneficiar desse tratamento. Para as doenças raras, essa conta nunca fechará. Ou seja, esses tratamentos jamais serão incorporados aos SUS. E, se a regra em discussão no STF for acatada, esses medicamentos não serão mais passíveis de judicialização. Como ficam os pacientes que sofrem com essas doenças raras? Uma política pública que absorva a compra e distribuição de medicamentos para as doenças raras esbarra na diversidade de cada enfermidade, o que torna essa ação muito complexa. Muitos dos tratamentos, por serem indicados para um número bastante pequeno de pessoas, não têm pedido de registro na Anvisa. Outros têm pedidos em tramitação, aguardando avaliação, sem data a ser definida. Sem registro, não podem entrar para o SUS. E, novamente, o paciente com doença rara ficará desassistido.

A judicialização na saúde será discutida no próximo dia 22 de maio por conta da pauta do STF, que votará em recursos relacionados ao tema, que têm o potencial de impactar mais de 26.500 ações em andamento. É fundamental que o STF enxergue que existem diversos casos contemplados embaixo do guarda-chuva da judicialização. E que o parâmetro de considerar passível de judicialização apenas tratamentos disponíveis no SUS não atenderá todos os pacientes. Caso contrário, será uma sentença de morte para os portadores de doenças raras.