Milton Friedman disse não existir almoço grátis ao se referir a propostas que visavam a dar alguma coisa de graça, ou mais barata, a alguém. Alertava que isso não existe, sempre havendo quem vá pagar a conta.
A recente greve de caminhoneiros gerou sério problema de abastecimento, tendo por mote econômico o preço dos combustíveis, em especial o do óleo diesel. Esse foi o estopim da crise, embora existam outros componentes para a análise desse período.
A solução encontrada foi reduzir 46 centavos por litro de diesel, através de duas medidas: uma tributária, que diminuiu 16 centavos da CIDE e Pis/Cofins, e uma financeira, traduzida em um subsídio à Petrobras no valor de 30 centavos. Estima-se que essa operação custe aos cofres públicos 13,5 bilhões de reais.
Lê-se que para custear essa despesa o intuito é obter 4 bilhões de reais através da reoneração da folha de salários e de redução de benefícios fiscais, e outros 5,7 bilhões de reais de um suposto excesso na arrecadação de tributos. Mesmo acreditando nesse cálculo pouco crível, ainda faltam 3,8 bilhões de reais para fechar a conta, o que ocorrerá através de um alegado corte de despesas.
Todos esses números apontam para um ajuste nas contas públicas visando a reduzir o preço do óleo diesel por sessenta dias, encerrar a greve e permitir o retorno de todos às suas atividades cotidianas. Porém, sabendo-se que o governo não gera dinheiro, apenas redistribui o que recebe através dos tributos, existem grupos que ganharão e outros que perderão com esse acordo. Para tornar isso claro é necessário correlacionar as soluções adotadas com os diferentes grupos envolvidos, em especial os consumidores, a sociedade e os acionistas da Petrobras.
Reduzir os tributos no preço final agrada aos consumidores de óleo diesel, porém onera a sociedade em geral. Isso porque será necessário aumentar a receita ou cortar gastos para que a União feche suas contas — os estados, que cobram altíssimo ICMS, não abriram mão de nem um centavo. Ganham os acionistas da Petrobras, pois aumentarão as vendas em face da redução do preço do produto.
Subsidiar combustível é uma solução financeira que implica aumentar o gasto público para que os acionistas da Petrobras não tenham perdas (Reinaldo Canato/Veja.com)
Dar subsídio é uma solução financeira que implica aumentar o gasto público, para que os acionistas da petroleira não tenham perdas. Tal qual na solução tributária, isso agrada aos consumidores, porém desagrada à sociedade, chamada a pagar a conta através de aumento de tributos ou do cancelamento ou remanejamento de gastos.
Pelo que se vê, o preço cheio do diesel que era pago pelos consumidores passou a ser pago pela sociedade, em benefício dos acionistas da Petrobras.
Ocorre que, na realidade, o esquema acima exposto é mais complexo, pois a União por um lado perde arrecadação ao abrir mão dos tributos, mas por outro recompõe as perdas acionárias na qualidade de acionista majoritário da Petrobras. Os acionistas privados pegam carona na recomposição dessas perdas.
Outra complexidade está na difusa menção à sociedade, pois, lendo o Diário Oficial, é possível identificar orçamentariamente quem perdeu e vai pagar essa conta. Perdem as empresas exportadoras, pois deixarão de receber a devolução dos tributos federais incidentes na cadeia produtiva (Programa Reintegra), o que onerará as exportações brasileiras e terá impacto na balança comercial; perdem também diversos programas sociais do governo, tais como o de policiamento ostensivo nas estradas federais, bolsas de estímulo ao ensino superior, gastos com o SUS, cujo corte impacta fortemente os mais fragilizados em nossa sociedade.
A gênese do problema está na precificação atualmente adotada pela Petrobras, de absoluta realidade tarifária. Ou seja: repassa-se todo dia ao consumidor o efetivo preço internacional do petróleo, cotado em dólar, o que é vantajoso aos acionistas privados da empresa. Perde o consumidor, que pagará pelo produto o preço internacional, a despeito de grande parte da produção ser realizada no Brasil, além do fato de que os valores passam a traduzir a instabilidade internacional – se Donald Trump briga com algum aiatolá iraniano, o preço aumenta no interior da Amazônia.
Ocorre que, sendo o óleo diesel a principal matriz energética do sistema de transporte de cargas no Brasil, seu preço se torna estratégico, e não de mercado livre. Logo, será inevitável que existam intervenções governamentais em sua precificação, com o objetivo de reduzir seu impacto, o que descontentará os acionistas privados, pois estarão perdendo dinheiro ou deixando de ganhar, se o preço praticado acarretar perda de lucratividade para a empresa, como ocorreu antes da gestão atual.
"Sendo o óleo diesel a principal matriz energética do sistema de transporte de cargas no Brasil, seu preço se torna estratégico, e não de mercado livre"
Exposto o problema, verifica-se que existem algumas alternativas que devem ser politicamente consideradas. Uma: a Petrobras fechar seu capital pois não necessita de acionistas privados. O preço dos combustíveis seguiria uma estratégia de governo, e, sem acionistas privados, não haveria perdas a ser recompostas em caso de intervenções governamentais. Adotada essa via, seria necessário ter extrema cautela para não sufocar as empresas concorrentes, uma vez que a estatal exerce alguns monopólios de fato no setor, sendo que o monopólio de direito já foi extinto no século passado e a efetiva livre concorrência é assegurada na Constituição.
Outra hipótese seria privatizar a empresa e retirar o Estado de sua operação. Porém, nesse caso, o que fazer em crises como a que foi recentemente vivida? As empresas privadas reduziriam o preço do diesel? Ou ele deixará de ser um preço estratégico para o mercado de transporte de cargas brasileiro, influenciando fortemente os índices inflacionários? Será que a Agência Nacional de Petróleo terá força para regular esse setor em prol da população?
Pode-se ainda deixar tudo como está, compensando eventuais perdas dos acionistas privados com essa fórmula meia-sola adotada pelo governo e fazendo arranjos no orçamento de acordo com os grupos de pressão que influenciam diretamente essa política pública energética – como os caminhoneiros e os demais que ganharam essa queda de braço com o governo.
Nesse caso seria adequado alargar o prazo e o porcentual da vinculação do preço do diesel ao mercado internacional, para dar proporcionalidade com a produção interna, bem como permitir um suspiro na mudança diária dos preços, o que vem gerando muita instabilidade econômica e perdas de eficiência e produtividade no mercado. Como os atuais acionistas privados veriam essa alternativa?
Sob certo prisma, o debate deve partir do artigo 238 da Lei das Sociedades Anônimas, que estabelece que a pessoa jurídica que controla a sociedade de economia mista poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação, sendo considerado como exercício abusivo orientar a empresa para fim lesivo ao interesse nacional, em prejuízo da economia nacional.
Parece existir muito pouco a ser feito pelo atual governo, ao qual só deve estar sendo servido café frio. Porém, trata-se de um debate que deve ser efetuado pela sociedade desde já, para facilitar a vida do novo Congresso e presidente em 2019. Aguardar a eleição para discutir o tema só atrasará ainda mais uma solução efetiva para esse e outros conflitos orçamentários redistributivos que estamos vivendo.