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Randolfe Rodrigues

Distância das bravatas

Líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) cobra silêncio ao que considera provocações do governo de Jair Bolsonaro

Por Leonardo Lellis

query_builder 22 abr 2019, 22h05

Depois de se decepcionar com o PT e o PSOL, seus antigos partidos, o senador pelo Amapá Randolfe Rodrigues embarcou em 2015 na “sonhática” Rede, capitaneada pela ex-senadora Marina Silva, para tentar fomentar uma inédita unidade das forças progressistas do país que atuam em um espectro mais largo entre esquerda e direita e se irmanam na defesa das liberdades individuais. Não aconteceu. E Randolfe culpa a ausência dessa unidade, materializada no que chama de “egoísmo e autossuficiência” do PT, pela eleição de Jair Bolsonaro em 2018, engolfado em uma série de disputas que minam a sua popularidade em apenas três meses. “Quem venceu foi o antipetismo”, avalia. Hoje líder da oposição no Senado, Randolfe não espera qualquer autocrítica do partido do ex-presidente Lula e conta como pretende conduzir esse bloco — mesmo que esteja baseado em uma legenda que não superou a cláusula de barreira no pleito do ano passado — e construir a almejada unidade em seu campo.

As disputas internas entre os diferentes núcleos do governo esvaziaram o papel da oposição? Mesmo que o trabalho da oposição de apontar os erros tenha ficado mais fácil, aumentaram o desafio e a responsabilidade de oferecer uma alternativa para o Brasil. Temos um governo que completou 100 dias baseado em bravatas, com o conjunto de ministros mais incompetente da história. Cada declaração do presidente é uma tragédia na política externa e na interna. Os filhos são fontes de crises. O núcleo militar é o que menos manda e é repetidas vezes desautorizado e ofendido pelo núcleo ideológico. A comunidade externa vê o Brasil com desconfiança e o país ficou desmoralizado internacionalmente.

E qual deve ser o papel da oposição diante deste cenário? Ela não pode cair nas ciladas do governo. As bravatas só servem para tirar o foco de outras declarações igualmente desastradas. Setores da oposição erram quando caem nesse tipo de provocação. Nós temos que responder ao que interessa à sociedade. Nosso bloco de oposição no Senado, formado pela Rede, PDT, PSB e Cidadania, pretende fazer um primeiro debate com os candidatos Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT), para construir juntos um observatório das políticas do governo e apresentar alternativas.

Não há espaço para Fernando Haddad (PT)? Claro que há. Ele cumpriu um papel muito importante na eleição presidencial. Ele foi derrotado porque a força principal naquela disputa foi o antipetismo. Agora, ele não pode ficar respondendo a provocação no Twitter. Nós queremos construir um campo político e precisamos de uma agenda em comum.

Em 2015, antes do impeachment de Dilma Rousseff (PT), o senhor defendia uma reorganização dos setores progressistas. Por que não aconteceu? Não só não aconteceu, como resultou na eleição do Bolsonaro. Nesse aspecto, teve muita autossuficiência e um pouco de egoísmo do PT. O PT não entendeu seus erros acumulados ao longo do tempo e poderia ter recuado naquele momento para a construção de um campo progressista.

"Mesmo que o trabalho da oposição de apontar os erros tenha ficado mais fácil, aumentaram o desafio e a responsabilidade de oferecer uma alternativa para o Brasil"

Mas a construção desse campo necessariamente passa pelo PT? Hoje não. Eu esperava a dita autocrítica do PT em 2015. O período de governo petista tem uma contribuição que deve ser reconhecida, com a ascensão social dos mais pobres, mas esse período foi superado também pelos erros no combate à corrupção e na agenda ética. Em 2015, uma autocrítica teria evitado o momento que nós estamos atravessando. Hoje eu não espero mais autocrítica de ninguém. Todas as forças políticas do Brasil já são bem grandinhas para saber qual caminho percorrer.

Qual espaço que cabe ao PT agora na oposição? É preciso dialogar com as dificuldades que o povo está sofrendo. No campo da oposição em que estou à frente no Senado, nós vamos procurar construir alianças. O que o povo brasileiro quer saber hoje, concretamente, é como se fará para retomar a criação de empregos, qual é a política educacional que nos tirará dos piores índices de qualidade do planeta, como se garantirá que a saúde é direito de todos, como fazer que agentes do Estado garantam sua segurança.

O senhor admite que o campo progressista deve deixar de lado questões identitárias e de gênero, por exemplo? Nós não podemos perder o que está no nosso espírito e nossos princípios, mas não precisamos cair nas provocações, polemizar as bravatas. Nós temos que tratar das necessidades mais prementes. Temos que falar com aquele cidadão que foi cooptado pelo bolsonarismo na eleição porque não via alternativa. O Bolsonaro se beneficiou pela esquerda, especialmente porque o PT não conseguiu sair das cordas no debate sobre o combate à corrupção. Não podemos entregar esta bandeira, que historicamente sempre foi nossa, nas mãos da direita e dos conservadores. Eu posso falar isso porque sempre apoiei a Operação Lava Jato. Acho que cometeu excessos, mas é um erro criminalizá-la.

Como o senhor se sentiu quando o ex-juiz Sergio Moro aceitou ser ministro deste governo? Eu esperava só que ele agisse como juiz. Acho que ele comprometeu a credibilidade da operação quando aceitou integrar o governo do Bolsonaro, que é antagônico ao principal preso da Lava Jato, o ex-presidente Lula. O Moro demonstrou ser alguém muito voltado a ambições pessoais, distante do cumprimento de suas funções.

A Operação Lava Jato contribuiu de alguma forma para a eleição do Bolsonaro? É um conjunto de circunstâncias. Ela obviamente reforça o desgaste do petismo, mas não há dúvidas sobre os crimes que ocorreram. O erro foi dos agentes públicos que se cumpliciaram com isso. A operação é decorrência desses delitos. Mas é claro que, com o descobrimento do esquema, criaram-se condições para que qualquer candidatura que fosse para o segundo turno contra o petismo e tivesse um diálogo mínimo de combate à corrupção se sagraria vitoriosa.

"O Bolsonaro grotesco e autoritário que se apresentou na campanha é o mesmo que o Congresso já conhecia há 28 anos: um bravateiro, nada mais que isso"

O senhor sempre foi crítico do toma lá dá cá na relação do governo com o Congresso, algo que encontra eco no presidente Bolsonaro. Mesmo assim, ele não conseguiu impedir derrotas nas primeiras votações de interesse do governo. Qual governabilidade é possível com os partidos? Eu continuo crítico do toma lá dá cá. O problema da falta de governabilidade não acontece porque não há o exercício dessa prática, mas pela incompetência e pela arrogância no trato. São vários núcleos de poder, e a influência dos filhos tem atrapalhado a relação com todas as instituições, entre elas o Parlamento. O presidente até se esforça para o toma lá dá cá, pois passou uma semana recebendo os líderes do Centrão. O problema é que ele perdeu a credibilidade muito rapidamente. Ninguém encontra no senhor Jair Bolsonaro autoridade política para negociar. Ele precisa sair do Twitter, afastar os filhos e deixar claro que quem governa é ele, mandado pela vontade do povo brasileiro, e não pela influência do astrólogo da Virgínia [Olavo de Carvalho, guru dos Bolsonaro, mora em Richmond, no Estado americano da Virgínia].

Os recuos de Bolsonaro são celebrados por seus opositores. Do ponto de vista progressista, não seria pior se o presidente fizesse tudo aquilo que promete? O Bolsonaro grotesco e autoritário que se apresentou na campanha é o mesmo que o Congresso já conhecia há 28 anos: um bravateiro, nada mais que isso. Eu gostaria de ter divergência política única e exclusivamente no campo ideológico, mas as trapalhadas e a incompetência são tantas que falta autoridade, e isso resulta em autoritarismo: é a declaração atabalhoada que acaba liberando o agente de segurança do Estado para matar, que permite aumentar o desmatamento da Amazônia, que desmonta os órgãos de controle do Estado. O que eu quero é que o presidente recue, que comece de fato a governar e que tenha autoridade dentro dos limites da Constituição.

Se há este espaço de poder, quem o ocupa? O presidente da Câmara, Rodrigo Maia [DEM-RJ], é um que está ocupando poder hoje. A oposição também conseguiu fazer isso com a revogação do decreto sobre sigilo de documentos públicos e a aprovação da PEC [Proposta de Emenda à Constituição] do Orçamento impositivo. É a ausência de governo que abre espaço para as medidas por parte da oposição. Veja como falta unidade e o governo se confunde em sua própria agenda: o senador Major Olímpio [PSL-SP], líder do partido do presidente no Senado, apoia a CPI da Lava Toga, mas o líder do governo, Fernando Bezerra [MDB-PE], é contra.

A CPI da Lava Toga não tem potencial de abrir uma crise entre Legislativo e Judiciário? A crise já surgiu. Veja a medida do ministro Alexandre de Moraes de mandar tirar do ar uma notícia. Isso é censura. A CPI da Lava Toga não pode ser contra quem quer que seja, mas há excessos e abuso de autoridade que devem ser investigados. Já houve, no passado, uma CPI do Judiciário, proposta pelo Antônio Carlos Magalhães [foi governador da Bahia por três vezes, senador eleito em 1994 e 2002. Chegou a ser presidente do Senado de 1997 a 2001. O DEM foi o último partido a que foi filiado]. E ninguém falou que ela feriu o equilíbrio dos Poderes. Ao contrário, um de seus resultados foi o surgimento do Conselho Nacional de Justiça, que melhorou a atuação do Judiciário.

Seu partido, a Rede, não superou a cláusula de barreira. A votação da candidata Marina Silva diminuiu em 2018. Isso não demonstra a fragilidade da legenda para liderar a oposição? Não adianta apontar a necessidade de autocrítica dos outros se não fizermos a nossa. A Marina cumpriu um papel heroico em 2018 ao sustentar uma candidatura diante de uma polarização cruel e manter-se fiel às suas ideias. A Rede é uma belíssima marca, mas faltou enraizar o partido. Ele tem que estar presente em todos os estados da Federação, lançar chapas de candidatos a vereador, tem que ter nomes fortes para prefeito e alicerçar a base para candidaturas a deputado federal e estadual. Uma fusão não está descartada, mas, pela lei, isso só seria possível em 2020. Nós estamos à vontade para falar de cláusula de barreira, porque, embora tenhamos sido vítimas dessa regra, compreendemos que não é possível um sistema partidário com dezenas de legendas de aluguel.

Foto: Bruno Menezes