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Carlos Marun

Constrange, mas não compromete

Fiel aliado de Eduardo Cunha e membro da tropa de choque de Michel Temer, deputado federal critica a Procuradoria-Geral da República, desqualifica delação de Joesley Batista e garante que governo tem maioria para barrar denúncia

Por João Pedroso de Campos

query_builder 27 jul 2017, 20h30

O presidente Michel Temer confia na base aliada para se livrar da denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República, em votação prevista para a próxima quarta-feira na Câmara dos Deputados, mas tem de se conformar com o apoio envergonhado e hesitante da maioria dela. São poucos, muito poucos os parlamentares que se dispõem a defender em público um presidente impopular e acuado por críticas e acusações em série. Carlos Marun (PMDB-MS) é um deles – talvez o mais notório e inflamado integrante da tropa de choque de Temer. Gaúcho, fez carreira política no Mato Grosso do Sul e elegeu-se deputado federal em 2014. Em seu primeiro mandato, logo se notabilizou como fidelíssimo aliado de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – foi o único a pedir a palavra em socorro do ex-presidente da Câmara na sessão que determinou sua cassação. Nesta entrevista, Marun conta por que defendeu – e ainda defende – Cunha, ataca o procurador-geral, Rodrigo Janot, nega todas as suspeitas contra Temer e afirma que o encontro do presidente com o empresário Joesley Batista no Palácio do Jaburu, fora da agenda, tarde da noite, pode até constranger, mas não o compromete.

Por que o sr. acredita que a Câmara deve barrar a denúncia da Procuradoria-Geral da República feita ao Supremo Tribunal Federal? Quando uma denúncia contra um presidente é aceita, o efeito imediato é a punição, ou seja, o afastamento. Por isso, ela deve passar pela Câmara, onde a decisão é jurídico-política. Se Temer tem maioria consistente para continuar no comando do país, isso se deve à óbvia fragilidade da denúncia e ao fato de o presidente ser um velho conhecido da Casa.

Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor de Temer, foi indicado pelo presidente para tratar com Joesley Batista e depois recebeu uma mala com 500.000 reais da JBS. Não é o bastante para o processo? Vejo na denúncia uma completa incompetência. Há alguns dias, roubaram o carro do meu cunhado em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Ele registrou queixa e a polícia localizou o carro, mas não o apreendeu. Colocaram um chip no veículo e prenderam toda a quadrilha. Agora, uma operação controlada da Polícia Federal não consegue seguir uma mala?

Ao combinar pagamentos de propina com um executivo da JBS, Rocha Loures disse que “os canais tradicionais estão obstruídos”, que “o coronel não pode mais” e “o Yunes não pode mais”. Se a propina era só para Rocha Loures, como o senhor interpreta as citações a José Yunes e ao coronel João Baptista Lima Filho, dois amigos de Temer? Quando Loures tem uma conversa como essa, em que fraqueja diante de uma proposta mirabolante, pode falar o que quiser. Ele estava sendo filmado, gravado, seguido, fotografado, e não esteve com o presidente combinando isso. Os resultados que a investigação buscava contra Temer não foram obtidos porque o ato ilícito não aconteceu. Esse dinheiro não iria para o presidente.

O áudio da conversa entre o presidente e Joesley Batista deve basear nova denúncia da PGR contra Temer, desta vez por obstrução de Justiça. Como o senhor entende a orientação de que “tem que manter isso aí”? Se o Joesley, que ficou quarenta minutos gravando o presidente, tivesse conseguido alguma coisa que o comprometesse, uma fala conclusiva, eu não estaria defendendo o presidente. O Joesley disse que estava ajudando, o presidente entendeu que seria a família [do ex-deputado Eduardo Cunha e do doleiro Lúcio Funaro] e não se opôs a isso.

O presidente não só não se opôs como incentivou Joesley a ‘manter isso aí’. Ele considera como uma não oposição. Joesley não diz o valor, não diz que foi feito para comprar silêncio. Joesley diz que ele, um bilionário, estava auxiliando a família de uma pessoa que está presa. Se hoje um amigo meu é preso e alguém me fala que está ajudando, eu também não vou me opor.

“Se hoje Temer tem maioria consistente para continuar no comando do país, isso se deve à óbvia fragilidade da denúncia e ao fato de o presidente ser um velho conhecido da Casa”

O presidente recebeu o empresário tarde da noite na residência oficial, fora da agenda, ouviu dele pedidos e relatos de crimes e o incentivou a ajudar um aliado que está preso e condenado por corrupção. Não são circunstâncias distintas? Pode até ser uma coisa que causa constrangimento, mas não causa comprometimento. Joesley passou quarenta minutos com o presidente tentando comprometê-lo, gravando, e não conseguiu tirar nenhuma palavra comprometedora. O áudio, em vez de ser uma prova contra o presidente, é uma evidência muito grande de que ele é inocente.

Como avalia a tática do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de fatiar as denúncias contra Michel Temer? Avalio, basicamente, como antipatriótica, uma completa desconsideração com o momento que o país vive, com 14 milhões de desempregados. O doutor Janot se propõe a oferecer uma denúncia como se fosse uma novela, em capítulos.

Caso a Câmara derrube a primeira acusação, por corrupção, os deputados teriam a disposição de enfrentar o desgaste de barrar outras denúncias? O fatiamento da acusação vai fazer com que os parlamentares se conscientizem da necessidade de não pautar a vida do Parlamento brasileiro em função de denúncias, mesmo que elas venham de um cidadão da importância do procurador-geral da República.

A transmissão ao vivo da votação da denúncia na TV aberta é positiva ou negativa para os deputados? Para mim é indiferente. Eu noto entre as pessoas uma vontade muito grande de que o presidente Temer permaneça no governo. Ninguém gosta dessa história de trocar de presidente como se troca de camisa. Tanto que você não vê ninguém na rua, as pessoas não se motivaram.

Pesquisa recente mostrou que apenas 3% das pessoas aprovam o presidente e 83% acham que ele está envolvido em corrupção. Isso é o que dizem as pesquisas, não é a opinião da rua. As pessoas não estão dispostas a ser coautoras dessa conspiração que tenta derrubar o presidente. Se estivessem dispostas, nós veríamos o que vimos antes do impeachment da presidente Dilma.

Temer tentou conter filiações de deputados dissidentes do PSB ao DEM. O presidente deve se preocupar com o fortalecimento do partido de Rodrigo Maia (DEM-RJ), o primeiro na linha sucessória? Essa preocupação não é real. É natural que partidos da base disputem esses parlamentares. Eu mesmo gostaria de ver vários desses deputados no PMDB, mas penso que isso vai se definir em função de questões regionais. O que queremos hoje são parlamentares ao lado do governo, especialmente neste momento de reformas da Previdência e tributária.

De que modo uma saída do PSDB da base aliada impactaria o governo? O PSDB está dividido, mas é um partido que presta um bom serviço nos espaços que ocupa no governo, e por isso queremos que a parceria continue. Se sair, contaríamos com o voto do partido nas reformas, e vida que segue. Agora, devo confessar que ficaria muito mais feliz se cessasse esse constrangimento de a cada 48 horas o partido se reunir para pensar no que fazer.

O senhor apoiou Eduardo Cunha até o dia da cassação dele, é um dos maiores defensores de Temer e presidiu a comissão especial da reforma da Previdência. Não teme que essas posições lhe tirem votos? Esses votos eu nunca tive. Mantenho a posição de que Eduardo Cunha não deveria ter sido cassado. Penso que ele não mentiu à Câmara, mas omitiu o fato de ter um investimento na forma de truste no exterior. Sobre o presidente Temer, nem sequer considero a denúncia contra ele um tema controverso, como era o caso de Cunha. Em relação à presidência da comissão da reforma, muitos dos meus adversários decretaram meu fim político, mas acredito que fiz o que é certo. Só faltava termos de ir até o Paraguai buscar algum deputado para assumir aquela posição.

“As pessoas não estão dispostas a ser coautoras dessa conspiração que tenta derrubar o presidente. Se estivessem dispostas, nós veríamos o que vimos antes do impeachment de Dilma”

No fim do ano passado, o senhor fez uma visita de “caráter natalino” a Cunha na prisão e usou dinheiro da Câmara na viagem a Curitiba. Pretende repetir a visita neste ano? Não sei, mas perto do Natal vou fazer uma avaliação. Penso que mesmo que ele tenha explicações a dar à Justiça, fez algumas coisas boas ao país na presidência da Câmara, como o impeachment e a votação da redução da maioridade penal. Não deixaria de merecer uma visita na cadeia.

O senhor devolveu o dinheiro? Eu me arrependo de duas coisas. Primeiro, de ter usado aquele dinheiro. Isso alimentou a hipocrisia dos meus adversários. Foram 1.100 reais, e se criou uma celeuma em cima daquilo... Não devia ter feito. A outra coisa de que me arrependo é de ter devolvido o dinheiro. Já que fiz, deveria ter mantido. Aquilo foi uma coisa pública, uma questão de interesse público, não precisava ter devolvido.

De lá para cá, voltou a visitar Cunha na cadeia ou falou com seus advogados? Não o visitei nem falei com ninguém que tenha conversado com ele. Não tive contato nem com a esposa, nem com advogado, nem com filha, nem com ninguém.

Depois de visitar Eduardo Cunha, o senhor declarou que ele continuava “concatenado com as questões nacionais”. Ele ainda tem influência política na bancada do PMDB, na Câmara e no governo? Nenhuma. O único deputado que esteve lá fui eu.

Cunha não influenciou a indicação do líder do governo no Congresso, o deputado André Moura (PSC-SE)? Isso foi dito pelo senador Renan Calheiros e o que ele fala não faz parte do mundo político sério. André Moura nunca falou comigo sobre Eduardo Cunha. Ele só me perguntou depois da visita, assim como vários parlamentares, como Eduardo estava. Eu respondi que estava concentrado em sua defesa.

Imaginava que Cunha pudesse se tornar um delator da Lava Jato? Naquele momento em que estive lá, em dezembro, ele não fez nenhum sinal nesse sentido, não entrou no assunto. Só destacou que o lugar onde ele estava [o Complexo Médico-Penal de Pinhais] era o mesmo destinado àqueles que não estavam delatando. Ele se diz inocente, inocente não delata. Não sei se a delação vai acontecer.

A delação que Cunha negocia com a PGR já tem mais de 100 anexos e alguns deles podem comprometer Temer. É o que dizem, não posso afirmar porque não tenho informação. O presidente não tem nada a temer, até porque Eduardo Cunha já estava preso praticamente desde o início do mandato.

O próprio presidente disse a Joesley que Cunha tentou “fustigá-lo” com as perguntas enviadas a ele que citam ministros do governo, como Moreira Franco, e financiamento de campanhas de aliados, como Gabriel Chalita. O presidente, em certo momento, exerceu função partidária. Ele próprio reconhece que buscou, sim, em vários momentos, recursos que vieram a apoiar candidatos do PMDB.

Cunha ajudou a financiar as campanhas de muitos deputados. Seus colegas estão com medo do que ele pode revelar? O fato de alguém ter recebido alguma contribuição através de pedidos dele não significa automaticamente que seja resultado de ato ilícito. Tem de haver uma diferenciação entre o que é propina e o que é doação de campanha.

Foto: Cristiano Mariz/VEJA.com