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Marco Antonio Rocha

"Sempre respeitamos a norma", diz sócio do voo da Chapecoense

Procurado pela Justiça boliviana disse a VEJA que a LaMia não consegue pagar as indenizações para as famílias do maior desastre aéreo do futebol brasileiro

Por Leonardo Coutinho

query_builder 14 dez 2016, 16h00

Marco Antonio Rocha, sócio da Lamia, que está foragido da Justiça boliviana (Repdodução)

O boliviano Marco Antonio Rocha é um ex-militar que, em sociedade com o também piloto Miguel Quiroga, era dono da LaMia. A operadora de voos charter sediada na Bolívia foi quem operou o voo que resultou na morte de 71 pessoas, entre as quais quase que a totalidade da equipe da Chapecoense e duas dezenas de jornalistas. Procurado pela Justiça boliviana, que decretou a sua prisão preventiva, o empresário está foragido e se diz vítima de perseguição. De seu esconderijo, em local não revelado, ele conversou com VEJA. Para ele, o afã do governo Morales em punir os responsáveis “pode comprometer o pagamento das indenizações devidas às vítimas”. Rocha explicou as razões de sua fuga, deu detalhes da composição da companhia, mas tergiversou sobre os voos realizados no limite da autonomia de combustível do avião e sobre como a LaMia conquistou a preferência dos times de futebol.

O que aconteceu naquela noite? O avião não parou onde deveria ter parado. Miguel (piloto do voo e sócio da LaMia, que também morreu no acidente) levou com ele a verdade sobre porque isso não foi feito. Só depois do acidente eu soube que ele havia recebido uma autorização para abastecimento no aeroporto de Letícia (cidade colombiana na fronteira com o Brasil). Acho que essa autorização chegou tarde. Ou o Miguel não soube dela, ou a ignorou por uma questão de tempo. O voo saiu muito atrasado de Santa Cruz.

O que se sabe é que vocês voavam no limite para economizar nas operações com regularidade. Não é simples assim. Evidentemente tudo estava baseado na economia. Mas sempre procuramos respeitar a norma. Além disso, cada voo é um voo. Não são cálculos frios que garantem essa reserva. Há voos de 100 quilômetros que podem ser voados em 15 minutos ou 25 minutos. Depende das condições de vento e clima, por exemplo. Nós fizemos os nossos cálculos para operar em total segurança.

Os pilotos e sócios Miguel Quiroga e Marco Antonio Rocha posam com presidente da Bolívia, Evo Morales (Reprodução)

Mas o acidente na Colômbia é uma prova de que a estratégia de vocês não só era arriscada, como errada. Nesse caso, especificamente, eu me coloco a pensar o que levou o Miguel a tomar essa decisão tão fatal. De seguir assim como foi. Temos que fazer uma retrospectiva para saber o que passou. Quais foram os eventos que fizeram meu amigo a realizar esse voo dessa forma. Não sei o que o levou a tomar tais decisões.

O senhor não considera essa estratégia suicida? Nunca fizemos algo com a intenção de colocar a vida das pessoas em risco. Uma ou várias coisas deram erradas. E não foi a nossa estratégia de economia que determinou o fato de Miguel não ter reabastecido. Não sei se você sabe, mas o voo estava previsto para decolar de São Paulo às 11 da manhã. Mas uma restrição da Anac levou o Miguel a ter que buscar uma solução por meio de uma companhia comercial boliviana. Eu estava na Europa nessa oportunidade e não participei desse contrato, mas sei que ele teve que solucionar tudo no dia para que os jogadores embarcassem em tempo hábil. Mas o voo atrasou muito. Deveria ter chegado às 15 horas, mas só chegou às 17 horas na Bolívia. Não foi possível cumprir o plano original de parar para abastecer em Cobija (cidade boliviana na fronteira com o Brasil).

Mas o atraso não pode ser usado como justificativa. Claro que não. Já transportamos a Chapecoense em outras oportunidades e com as mesmas restrições da Anac. Quando levamos o time brasileiro para disputar uma partida em Barranquilha, na Colômbia, contratamos uma empresa de charter brasileira para que os levasse até Corumbá. Mas o copiloto não apareceu. E o voo que tinha que sair às 9h30 da manhã só decolou depois de 4h30 da tarde. Chegaram faltando uns 15 minutos para o pôr-do-sol, tomamos a decisão de decolar somente no dia seguinte. O aeroporto boliviano de Puerto Quijaro, de onde decolaríamos, não tem operação noturna. Cobrimos todos os custos. Então não é verdade que a gente só pensava nos lucros.

A controladora de voo que recebeu o plano de voo de vocês se refugiou no Brasil. Quão responsável ela é por esse caso? Por nada. Esse plano se transmite para instâncias superiores na Bolívia e Colômbia. Todo mundo sabia que aeronave estava saindo e em que condições. Mesmo na Bolívia, onde o sistema aéreo é cheio de problemas, uma só pessoa sozinha não decide isso. Muito menos uma subalterna. Há vários culpados. Cada qual contribui de alguma forma para tragédia.

O governo da Bolívia diz que não sabia da existência de sua empresa. Mentira. Uma semana antes do acidente, o presidente do meu país, o senhor Evo Morales, embarcou na mesma aeronave que se chocou contra aquele morro na Colômbia. Fez um voo no Estado de Beni. Elogiou a aeronave e a LaMia. Existem fotografias para comprovar (veja nessa reportagem). O que o governo faz é condenar sumariamente para evitar toda a responsabilidade que possa aparecer.

O vice-presidente da Bolívia, Alvaro Garcia Linera, desembarca do avião da LaMia, empresa que ele jurou desconhecer (Reprodução)

O governo é responsável de que? Não acusarei o governo de nada. O que não considero razoável é a perseguição que tem sido feita. Fecharam a nossa empresa. Confiscaram tudo e prenderam o nosso diretor. Não temos hoje como acionar o seguro para reparar as famílias e amenizar a dor que causamos.

A LaMia pode não indenizar as vítimas? Temos contratado um seguro de 25 milhões de dólares para cobrir os danos civis, para indenizar as famílias das vítimas e os sobreviventes. Mas nem isso nos tem sido permitido. Se cada companhia que se envolve em acidentes fosse fechada imediatamente, imagine que caos seria. Em 2008, um avião de uma companhia operada por militares na ativa, com 151 passageiros, sofreu pane seca e ninguém foi punido pelo governo da Bolívia. Não considero que estejam fazendo apuração de responsabilidades, mas uma condenação sem julgamento.

O que isso tem a ver com os pagamento das indenizações? Os responsáveis pelos seguros somos nós. Fechados, presos e impedidos de atuar como faremos para exigir os pagamentos? Estou preocupado com o fato de que as famílias podem sofrer ainda mais.

Com que dinheiro vocês adquiriram esses aviões? Eles não são nossos. Deixamos a Força Aérea da Bolívia para trabalhar como pilotos da LaMia em Aruba. O negócio não deu certo lá e os aviões da companhia pertencente a um venezuelano (Ricardo Albacete) ficaram no chão. Sugerimos e ele aceitou enviar as aeronaves para a Bolívia, onde a manutenção em solo seria mais barata. Foi aí que Miguel e eu tivemos a ideia de abrir a operadora. Fechamos um contrato de aluguel de 35 000 dólares mensais e começamos a operar um avião, depois de conseguirmos o registro junto às autoridades locais.

Como sua empresa conquistou o mercado dos times de futebol? Parece mentira, mas foi enviando propostas para os e-mails comerciais dos clubes e seleções. Na Venezuela, a gente teve a ajuda do dono dos aviões que nos apresentou à federação. Os demais clientes conquistamos oferecendo preços bem abaixo da média do mercado. Operávamos com lucros baixíssimos. Chegamos a enviar propostas para a CBF, que nunca respondeu.

Os senhores nunca pagaram propina? Nunca.

A Chapecoense contratou vocês de que forma? Mandamos e-mail e oferecemos o serviço. Enviamos primeiro em espanhol e ninguém respondeu. Só depois que uma pessoa da empresa traduziu a mensagem para o português que a conversa prosperou. O Miguel, que falava português fluentemente, assumiu a negociação e deslanchamos. Eles voaram conosco porque realmente a nossa proposta era imbatível.