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Camilo Santana

“Nenhum estado consegue vencer essa guerra sem apoio federal”

Governador do Ceará, o petista Camilo Santana diz que não vai recuar nas medidas de endurecimento do sistema prisional e elogia o ‘apoio imediato’ dado pelo governo Bolsonaro no combate ao crime organizado

Por João Pedroso de Campos

query_builder 23 jan 2019, 15h30

Após 22 dias de ataques de facções criminosas no Ceará, o governador do estado, Camilo Santana, do PT, descarta recuar nas medidas de endurecimento do sistema prisional que desencadearam a reação dos bandidos. Santana, que foi eleito em 2018 com votação recorde de 79.96%, afirma que implementou as medidas nas penitenciárias só agora, depois de quatro anos no cargo, porque elas exigiam um longo processo preparatório. Ele ressalta a importância do Sistema Único de Segurança Pública, sancionado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) no ano passado, diz que “as eleições já passaram” e elogia o “apoio imediato” do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Justiça, Sergio Moro, durante o agravamento da crise em seu estado. Defende, ainda, a tão cobrada autocrítica do PT.

O grupo político do senhor governa o Ceará há doze anos, mas medidas de endurecimento na segurança como a criação da secretaria de administração penitenciária foram tomadas só agora. Por que a demora? Esse endurecimento foi planejado. Quando assumi, em 2015, convidei um especialista do Fórum Nacional de Segurança para fazer um diagnóstico. Fizemos esse plano, baseado nos eixos de fortalecimento policial, com equipamentos, infraestrutura, tecnologia e sobretudo na Polícia Civil, que é quem faz a investigação e se antecipa às ações, e investimento em prevenção. Em 2016 houve uma greve de um dia dos agentes penitenciários e os presos quebraram as instalações das principais penitenciárias. Tivemos que recuperar a infraestrutura, gastamos quase 50 milhões de reais até 2018, e ainda fizemos concurso público para agente penitenciário. Nós nos preparamos para o endurecimento, senão o sistema não aguentaria.

O governo tinha conhecimento do poder de fogo das facções nos ataques, que já chegam a vinte dias, ou foi pego de surpresa? Não estamos surpresos com essa reação. Estamos trabalhando há um bom tempo, preparando a estrutura do sistema, construindo novas unidades prisionais. Contratamos 70% de agentes penitenciários a mais e mais de 10.000 agentes de segurança pública, criamos a secretaria de administração penitenciária, tudo isso nos preparando para tirar regalias das unidades, tirar comunicação. Os atos reduziram consideravelmente; a persistência de algumas ações mostra que o crime continua incomodado com as medidas que estamos tomando. Continuaremos cada vez mais firmes, não há possibilidade de recuo do estado em relação a aplicar a lei de execução penal dentro das unidades prisionais.

O secretário de administração penitenciária escolhido pelo senhor propõe separar presos sem levar em consideração a facção, mas discute-se se isso não pode resultar em carnificina nos presídios. Minha determinação é tratar criminosos como criminosos, independentemente de qualquer facção, cumprindo a lei. Se a estrutura for boa, podemos controlar qualquer sistema. Foram etapas, nós preparamos melhor o sistema fisicamente, contratamos pessoal, criamos a secretaria de administração penitenciária, fechamos cadeias antigas. Estamos há quase vinte dias com esses ataques e não houve nenhum problema nas penitenciárias do estado.

Os maiores líderes do PCC soltos, que viviam na Bolívia, passavam férias em um condomínio de luxo em Aquiraz (CE), e uma facção foi criada no Ceará. Essas falhas não põem em xeque esses investimentos todos? O crime ultrapassou as fronteiras dos estados e se transnacionalizou. Facções que surgiram em São Paulo e no Rio de Janeiro se espalharam pelo Brasil. Outras foram aparecendo em estados como Rio Grande do Norte, Amazonas, Paraíba, Pernambuco, e no Ceará também. O país não é produtor de drogas e de armas, o que acontece é uma coisa chamada tráfico. Isso tudo entra pelas fronteiras, que são responsabilidade do governo federal. Foi um fenômeno no Brasil inteiro, e eu digo que é por omissão de uma política nacional. O Brasil não tem um plano, uma estratégia de enfrentamento do crime organizado, e nenhum estado consegue vencer essa guerra sem apoio federal. O primeiro passo foi dado no ano passado com a criação do Sistema Único de Segurança Pública. Pela primeira vez, o governo federal assumiu que o problema da segurança também é responsabilidade da União. Essa não é uma questão do Ceará, é uma questão do Brasil. É vergonhoso para o país o crime dominar cadeias e ignorar leis.

O que faltou aos governos do PT em política de segurança? Não faltou só aos governos do PT, mas a todos os governos que passaram. O Brasil chegou onde chegou porque não deram a atenção devida a esse tema. Ou o Brasil enfrenta o crime organizado de forma dura e sem recuar agora, ou será tarde demais. Veja o que está acontecendo com o México e o que aconteceu com a Colômbia. No caso do Rio de Janeiro, veja aonde chegamos, à intervenção federal do Exército.

Além do Executivo, como os outros Poderes podem contribuir no combate à violência? Os estados estão engessados, não posso legislar sobre o tema no meu estado. Tem que haver uma integração com o Judiciário, porque o estado somente guarda o preso, quem julga é o Judiciário. No ano passado, o STJ e o STF soltaram quase treze narcotraficantes presos no Ceará. É preciso integrar o sistema judiciário, o Congresso e o Executivo, que deve coordenar e chamar todos os estados.

" Minha determinação é tratar criminosos como criminosos, independentemente de qualquer facção, cumprindo a lei. "

A maioria dos presos nos ataques é adolescente. O senhor é a favor da redução da maioridade penal? Não acredito que essa seja a solução, porque isso nos levaria a abarrotar cada vez mais o sistema prisional do país. A solução passa por políticas públicas que possam proteger essa meninada, dar oportunidades, como escolas em tempo integral. A maior política de combate à violência é implantar escola de tempo integral no Brasil.

O senhor já defendeu a ideia de que ataques como esses do Ceará sejam tipificados como terrorismo. Pretende liderar uma articulação política neste sentido? Sem dúvida. Já conversei com a bancada do Ceará e com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para que sejam incluídos na lei antiterrorismo atos como esses, explosões, incêndios em veículos. Algumas leis precisam ser reavaliadas, nosso Código Penal é muito antigo. O próprio presidente tem essa pauta na área da segurança. Há uma ambiência positiva para discutir leis mais duras em relação à segurança.

O que o senhor achou da flexibilização da posse de armas decretada por Jair Bolsonaro? Ele está cumprindo um compromisso de campanha, eu particularmente acho que isso não vai resolver o problema. Defendo, sim, que tem que desarmar os bandidos e investir em prevenção, em escolas.

Como foi a conversa com o presidente Bolsonaro e o ministro Sergio Moro durante essa crise no Ceará? Muito positiva, mantive e mantenho contato com o ministro Moro, com o ministro da Defesa e falei por telefone com o presidente Bolsonaro. Ele foi muito receptivo, conversamos sobre o momento do Brasil e a situação específica do Ceará. Tivemos apoio imediato com envio da Força Nacional e abertura de vagas no sistema penitenciário federal para transferir lideranças do crime organizado. As eleições já passaram. Coloquei para ele que aquilo que for bom para o Brasil, poderia contar com meu apoio.

" Se fosse para ir a alguma posse de presidente, teria ido à posse do presidente do meu país, por mais que ele tenha sido adversário. Faz parte da democracia."

O senhor apoiará politicamente a reforma da Previdência? Eu já defendia que o Brasil precisa de uma reforma da Previdência justa, que não prejudique os mais pobres. Precisamos primeiro conhecer a proposta do novo governo e fazer um debate. O erro de Temer foi não ter feito um diálogo sobre a reforma. A expectativa de vida da população aumentou, é natural que aumente a idade da aposentadoria. Agora, havia alguns pontos de que eu discordava, como a aposentadoria rural, que tem muito mais um aspecto social do que previdenciário.

Ciro Gomes, seu aliado, não só não recebeu apoio do PT na eleição presidencial como foi alvo de articulações dos petistas para isolá-lo. Agora, ele tenta construir um campo alternativo ao PT na oposição. De que lado o senhor ficará? Defendo que qualquer oposição hoje no Brasil tem que ter o PT, o partido que mais saiu fortalecido das eleições, com a maior bancada federal, o maior número de governadores. O candidato a presidente foi para o segundo turno, tirou 45% dos votos dos brasileiros. Nós temos muito mais convergências do que divergências. A oposição tem que ter a maturidade suficiente para unir e pensar no Brasil, ter responsabilidade de fazer uma oposição construtiva, crítica, mas respeitosa.

O senhor já defendeu a ideia de que o PT faça uma autocrítica. Como abordar os problemas de corrupção nesse processo? Quem cometeu qualquer crime precisa pagar, independentemente de ser do PT ou qualquer partido. Essa é uma cobrança que a população hoje faz, é muito forte o descrédito na política por conta desses casos de corrupção. A minha autocrítica, além disso, é em relação à política econômica adotada no governo Dilma, à falta de diálogo, ao distanciamento de movimentos sociais e bases do partido, por não unificar e agregar outros partidos de oposição e de centro-esquerda em um projeto maior.

A prisão de Lula deixou o PT acéfalo? Eu acho que é o contrário, isso uniu mais o partido, o Lula representa uma grande liderança, fez muito pelo povo pobre do país, deixou um legado.

O que o senhor achou da ida da senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, à posse de Nicolás Maduro? Eu sou muito sincero dentro do partido, as pessoas até olham um pouco atravessado para mim porque, às vezes, sou muito sincero. Eu não iria, isso não agregou nada, o momento é de pensar no país. Se fosse para ir a alguma posse de presidente, teria ido à posse do presidente do meu país, por mais que ele tenha sido adversário. Faz parte da democracia.

Foto: José Wagner/Divulgação