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Aldo Rebelo

O limite foi ultrapassado

Ex-presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PSB) afirma que MPF, Judiciário e PF querem substituir a política com base na ‘legitimidade do concurso público’ e diz que esse perigo precisa ser afastado

Por Edoardo Ghirotto

query_builder 29 set 2017, 20h30

Aldo Rebelo, 61 anos, ex-presidente da Câmara e ex-ministro dos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, assinou na terça-feira a filiação ao PSB. Após ter ficado quarenta anos no PCdoB, ele afirma que siglas políticas deveriam saber a hora de encerrar suas atividades. “Não são instituições que nasceram para a eternidade. Nasceram para cumprir um papel num período histórico determinado”, afirma. Em entrevista a VEJA ele critica quem acha possível fazer política sem partido, principalmente o Ministério Público Federal, o Judiciário e a Polícia Federal, que “querem a legitimidade do concurso público”. “Esse perigo precisa ser afastado. Essas instituições não podem desejar substituir a democracia e a política como fonte do poder de decisão da sociedade. Acho que o limite foi ultrapassado.”

Por qual motivo o senhor deixou o PCdoB e decidiu se filiar ao PSB? No ano passado, recebi uma proposta para me candidatar à Presidência da República pelo PCdoB. Havia diferenças de foco e de opiniões em torno da agenda do país. Em razão disso, não aceitei a candidatura e houve um processo de afastamento que culminou na minha saída do partido. Como já tinha laços antigos com o PSB, desde a época de Miguel Arraes e Eduardo Campos [ex-governadores de Pernambuco, já mortos], fui convidado e aceitei me filiar.

Quais foram essas diferenças entre o senhor e o PCdoB? Foram diferenças de enfoque na agenda e sobre o que julgo ser prioritário na questão nacional. Entrei no PCdoB há quarenta anos, ou seja, o mundo era outro, o país era outro. Talvez não tenha me atualizado suficientemente para permanecer em dia com os novos temas e as novas coisas da agenda. Isso agora já não tem grande importância.

O senhor saiu de um partido que diz ser comunista para ingressar em uma sigla que se denomina socialista. Para o senhor, o que significa ser de esquerda hoje? Ser de esquerda sempre foi, desde quando entrei no PCdoB em 1977, defender o Brasil, sua memória, os interesses nacionais e os direitos da população. Também significa lutar pela redução das desigualdades sociais, que são inaceitáveis, e pela democracia. Na realidade do Brasil, ser de esquerda era isso. Acredito que isso continua com uma enorme atualidade. O Brasil continua sendo um país de soberania frágil, muito desigual e com uma democracia que é questionada - para não dizer ameaçada.

"A luta contra a corrupção é parte da luta pela democracia. Essas instituições [Judiciário, MPF e PF] procuram exacerbar ou ultrapassar a própria atribuição e querem substituir a política (...). Querem a legitimidade do concurso público. Esse perigo precisa ser afastado. "

O senhor lançou um manifesto em que apresenta pontos que considera centrais para o Brasil, entre eles o combate à corrupção. Como o senhor avalia a Operação Lava Jato? Considero que o Ministério Público Federal, o Judiciário e a Polícia Federal fazem bom uso dos instrumentos contra a corrupção autorizados pelo Congresso e pela Constituição. É preciso dizer que tudo isso começou com a autorização da política, que fez as leis e deu atribuições a essas instituições. A luta contra a corrupção é parte da luta pela democracia. Acontece, porém, que essas instituições procuram exacerbar ou ultrapassar a própria atribuição e querem substituir a política. É como se as corporações públicas - e algumas corporações privadas - tivessem por mérito a atribuição de decidir o destino no lugar da política, já que a política estaria eivada do vício da corrupção e dependeria do voto popular para obter legitimidade. Enquanto isso, outros querem a legitimidade do concurso público. Esse perigo precisa ser afastado. Essas instituições não podem desejar substituir a democracia e a política como fonte do poder de decisão da sociedade. Acho que o limite foi ultrapassado. Recentemente, houve conflitos entre o Supremo Tribunal Federal e o MPF, algumas delações foram questionadas - como a da JBS -, um procurador foi preso e outro teve pedido de prisão, a PF fez programas com alguns delegados no Facebook e o Judiciário autorizou a gravação e o vazamento das conversas de um presidente da República. Essas coisas não integram as atribuições do combate à corrupção.

O senhor acredita que a ação dessas instituições deveria ser limitada? O problema é que essas são as únicas instituições fiscalizadas por elas mesmas. Não há um órgão de controle, como há instituições independentes fiscalizando o Executivo, o Congresso e o Tribunal de Contas. Eles se autofiscalizam. Isso constitui uma brecha para os exageros que essas instituições podem promover. No caso do MPF, esses exageros são visíveis, os abusos são visíveis e isso não é bom para a democracia.

Um delator, o ex-deputado Pedro Corrêa, disse que o senhor recebia um terço das propinas destinadas ao PCdoB no programa Minha Casa, Minha Vida... Na época, pedi ao STF que essa delação fosse rejeitada. Ela foi devolvida, porque foi um ato de vingança do Pedro Corrêa, que foi cassado quando eu era presidente da Câmara. Ele recorreu para que a sessão fosse anulada, mas eu não anulei. Levou à Mesa Diretoria o pedido de anulação da sessão, mas perdeu também. Ele jurou que ia se vingar. Disse que o PCdoB recebia dinheiro do Minha Casa, Minha Vida no Ministério das Cidades. Eu nunca fui ministro das Cidades. Eu respondi pelas quatro pastas que chefiei. Ele foi desqualificado por falta absoluta de fundamento e por ser vingança de um homem que se julgou injustiçado por ter sido cassado.

Um dos pontos da delação da Odebrecht diz que o PT recebia propinas para comprar alianças com partidos que lhe garantiriam tempo nas propagandas de TV, entre eles o PCdoB. Casos como esse podem criar a percepção na população de que os partidos se tornaram supérfluos? Não creio. Se existe essa percepção, ela é errada. Como a política é feita sem partidos? Como você faz imprensa sem jornais, rádio e televisão? Os partidos são o instrumento da política. Se os partidos existentes já não correspondem às expectativas ou já foram superados de alguma forma, que se criem outros. Partidos não são instituições que nasceram para a eternidade, nasceram para cumprir um papel num período histórico determinado. Se não cumprem, eles sucumbem e são substituídos. Esse é o desafio. Mesmo nos países onde prevalece um sistema que não é pluripartidário, pelo menos um, dois ou três partidos existem. Quero saber quem é que tem uma receita para propor democracia sem partido político. Eu acho que seria uma inovação na ciência política.

E a acusação de que o PCdoB recebia dinheiro ilegal para formar alianças com o PT? O PCdoB nunca recebeu dinheiro ilegal para fazer aliança política nenhuma. O PCdoB sempre foi aliado do PT ou de outros partidos, como PSDB, PMDB, PSB e PDT. Essas parcerias aconteciam estritamente no plano político.

Qual avaliação o senhor faz do cenário que se desenha para a corrida presidencial em 2018? É muito precoce fazer avaliações. Eu penso que será uma eleição desprovida de polarização. Os dois campos hegemônicos de antigamente, que são o PT e o PSDB, hoje não polarizam mais. Creio que será uma eleição de terceira via. Não haverá um ou dois polos.

O senhor será candidato a algum cargo nas eleições? Não pretendo. Ninguém pode entrar num partido reivindicando candidatura ou posição partidária. Entrei para apoiar o PSB num projeto de partido que é compatível com o que eu penso. Não tenho nenhuma reivindicação a fazer por candidatura.

"Existe o risco de o presidente Temer terminar o mandato. Não estou dizendo que é a melhor nem a pior saída. Estou dizendo que é a maior possibilidade (...). A situação é muito complicada, o governo é impopular e razões para o afastamento existem."

Foi veiculado durante a semana que o senhor será vice-presidente numa chapa em que o PSB apoiaria a candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB). Esse negócio de vice... Já falaram que eu seria vice do Rodrigo Maia, do Alckmin, do Joaquim Barbosa e do Ciro Gomes. Ninguém entra num campeonato para ser vice. Se entrar no campeonato, você pode até chegar em quarto ou em quinto. Não existe alguém que inscreva seu time para ser vice. Essa é uma decisão que o PSB precisa tomar, se terá candidato ou se terá vice. Tenho relações muito boas e construtivas com todas essas pessoas. Fui companheiro de ministério do Ciro Gomes. O Rodrigo Maia apoiou minha candidatura à presidência da Câmara. Com o governador Alckmin, fiz a maior obra do Ministério do Esporte, que foi um centro paralímpico em São Paulo. Tenho relação política com todos eles, mas isso é uma decisão partidária. Eu não reivindico nem apresento pretensões nesse sentido, até porque isso não funciona no meio político.

O fenômeno de outsiders, de nomes que não se identificam com a política tradicional, como se apresenta João Doria, pode ter um peso relevante em 2018? Não sei por que Doria não se identifica com a política tradicional. Ele é um político tradicional. Foi ministro, secretário e integrou vários governos. Não sei onde estaria essa distinção.

Lula continua como a opção ideal para o campo da esquerda em 2018? Não é para a esquerda, o Lula é uma liderança nacional, reafirmada por todas as pesquisas de qualquer instituto. Se Lula concorrer, tenho certeza que sua candidatura será forte. Mas essa é uma decisão do PT, não cabe a outro partido opinar.

Por ter sido um aliado histórico do PT, o senhor acredita na inocência de Lula nos processos em que ele é investigado ou há perseguição da Justiça, como o PT alega? Não cabe a ninguém julgar alguém por acreditar ou não. Isso não é uma questão de fé. Culpar alguém depende de investigações e provas. Você tem que encontrar as provas e demonstrar. Isso é o que vai decidir o futuro do presidente Lula. O MPF apresenta as provas e quem decide sobre elas é a Justiça. No meio, naturalmente, há questões políticas que, infelizmente, contaminam processos e investigações judiciais e policiais.

De que forma o senhor recebeu o depoimento do ex-ministro Antonio Palocci e a carta de desfiliação em que ele faz acusações a Lula? A carta de desfiliação era uma consequência natural, um manifesto dele para fazer a delação. Eu quero saber onde estão as provas daquilo que ele afirma. Pelo que vi na televisão, o juiz perguntou três vezes se ele presenciou os atos, mas ele afirmou que alguém tinha contado ou que ele tinha ouvido dizer. O próximo passo do Palocci é apresentar as provas do que disse.

Existem riscos de o presidente Michel Temer (PMDB) não terminar o mandato diante da segunda denúncia enviada à Câmara. Como ex-presidente da Casa, o senhor acredita que o deputado Rodrigo Maia está gabaritado para assumir o Planalto em caso de afastamento? Eu vou responder com outra afirmação: existe o risco de o presidente Temer terminar o mandato. Não estou dizendo que é a melhor nem a pior saída. Estou dizendo que é a maior possibilidade. Vamos ver o que isso significa para o país. A situação é muito complicada, o governo é impopular e razões para o afastamento existem. Isso tudo vai, de fato, resultar no afastamento do presidente? Pelo que vi até agora, não. Quanto ao Rodrigo Maia, tenho grande apreço por ele e o considero uma liderança importante.

O senhor seria favorável ou contrário à saída do presidente? O PSB decidiu que o partido votará pelo afastamento do presidente Temer. Eu sempre segui as opiniões partidárias. Fiquei 24 anos na Câmara e nunca descumpri uma orientação do meu partido. Podia contrariar minhas convicções, mas nunca contrariei uma orientação partidária.

Foto: Lailson Santos