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Benjamin Barber

Como as cidades podem parar Trump

Cientista político americano acredita que o novo presidente dos Estados Unidos vai encontrar nos prefeitos o maior obstáculo para aplicar suas medidas nacionalistas

Por Daniela Flor

query_builder 26 jan 2017, 17h30

Donald Trump tem planos radicais para os próximos quatro anos e a garantia de um Congresso republicano ao seu lado. Seu discurso nacionalista e reacionário, porém, não conta com o apoio da maioria dos americanos, especialmente nas grandes cidades. Em Manhattan, sua casa, o republicano teve menos de 10% dos votos na eleição de novembro, enquanto Washington lhe rendeu apenas 4%. Em um país dividido, há meios de impedir Trump de expulsar imigrantes e atingir minorias? Para o cientista político Benjamin Barber, sim, é o poder das cidades que pode (e deve) frear o magnata. Antigo consultor externo de Bill Clinton e autor de obras como Jihad x McMundo e If Mayors Ruled the World (Se os Prefeitos Governassem o Mundo), o americano falou a VEJA sobre como os prefeitos dos Estados Unidos já mostram sinais de resistência e podem sair vitoriosos na batalha contra Trump.

No livro If Mayors Ruled the World, o senhor escreve que o desafio da democracia moderna é atuar de acordo com o mundo interdependente e globalizado. Donald Trump vai na contramão disso, ao dizer que colocará a “América em primeiro lugar”, assim como o Reino Unido, com o Brexit, ou outros movimentos nacionalistas. Por que sua estratégia é equivocada? Populistas reacionários, como Donald Trump, se colocam contra o rumo da história, pois ignoram ou não compreendem que vivemos um mundo sem fronteiras. Trump acha que o Estados falham no trabalho que precisam fazer. Sua teoria é: se você construir muros, pode parar pessoas de irem e virem, impedir a entrada de doenças, manter o capital dentro e os imigrantes fora. Em um mundo interdependente, problemas precisam ser solucionados coletivamente e colaborativamente e, se você não fizer isso, vai falhar. O plano de fundo das crises econômicas e políticas, seja no Brasil, na Europa ou nos Estados Unidos, é o colapso da soberania. Os Estados-nações foram fundados sob o princípio de que protegeriam os interesses econômicos, culturais e legais de seus cidadãos. Desde a II Guerra Mundial isso não é mais verdade. Vivemos em uma era na qual todos os problemas que temos atravessam fronteiras, por isso, elas não são mais relevantes. Não é algo que Trump possa controlar, mesmo que ache que pode.

Se os Estados-nações falharam, são as cidades a solução para cumprir o papel de proteger indivíduos nos Estados Unidos? Por quê? As cidades são corpos governamentais legítimos que sabem trabalhar através das fronteiras para proteger direitos, garantir movimento e assegurar a agenda progressista de um mundo interdependente. Cidades abrigam mais da metade da população mundial, representam 80% do PIB global, controlam de 95 a 98% das universidades e são onde toda a inovação e o empreendedorismo são encontrados. Além disso, enquanto Estados-nações são, por definição, monoculturais, cidades são multiculturais. Enquanto nações sobem muros, cidades têm fronteiras abertas. Em todas as formas, as cidades têm a cara do século XXI.

Como a resistência das cidades na Era Trump deve se manifestar nos Estados Unidos? Pelas razões citadas, governos municipais, prefeitos, conselheiros locais, cidadãos e movimentos civis devem defender através da não cooperação na execução de medidas. Movimentos e declarações também vão servir para defender a inclusão, os direitos dos imigrantes, da comunidade LGBT e dos muçulmanos de não serem perseguidos por sua religião. O caso do salário mínimo justo é um exemplo que já está em prática. Enquanto o governo federal briga por causa desse tema, metade das cidades dos Estados Unidos tem como decreto o salário mínimo de 15 dólares a hora, mesmo que o país não tenha, e não podem ser impedidas.

"Enquanto nações sobem muros, cidades têm fronteiras abertas. De todas as formas, as cidades têm a cara do século XXI"

É uma possibilidade teórica ou o senhor que acredita que, na prática, será real a resistência das cidades a medidas da administração de Trump? Em 21 de novembro, o prefeito de Nova York, Bill De Blasio, fez um discurso afirmando que se o governo federal insistir em registrar muçulmanos e perseguir imigrantes, sua cidade vai resistir. Se Trump cortar direitos das mulheres, Nova York, uma cidade rica, declarou que vai protegê-los e financiá-los. Eric Garcetti, de Los Angeles, e Kasim Reed, de Atlanta, também declaram que não vão cooperar na retirada de imigrantes. Não é só a teoria de que as cidades podem fazer agir, dezenas delas já deixaram claro que não vão permitir que o governo federal abuse dos direitos de seus cidadãos.

Trump afirmou que vai se esforçar para acabar com as “cidades santuários”, que adotam a política de não denunciar imigrantes ilegais. Na prática, legalmente, o poder federal tem meios para fazer isso? As agências imigratórias, federais, podem tentar prender imigrantes, mas é difícil sem a cooperação das cidades e das polícias locais, especialmente onde Trump não foi o mais votado. A Constituição americana, com a nona e décima emendas, também garantem a separação vertical do poder e dão força para defendermos direito de inclusão, diversidade e justiça social.

Trump decretou que vai bloquear o financiamento federal das cidades onde forças de seguranças locais não cooperarem com agentes de imigração, o que inclui Nova York, San Francisco e Chicago. Isso pode dificultar a resistência das cidades a medidas federais? As cidades geram a riqueza da nação, porque entregam dois terços dos impostos que recebem ao governo dos Estados Unidos e só recebem um terço de volta. Se o presidente realmente quiser fazer uma guerra com os municípios, meu conselho é: parem de dar os seus impostos ao governo federal. Usem o que precisarem e entreguem o que sobrar. Claro, o governo federal vai processá-las, mas vai precisar confrontar milhares e corre o risco perder na Justiça. Financeiramente também há cidades com dinheiro para bancar a briga. Em Chicago, o prefeito Rahm Emanuel já anunciou um fundo de 1 milhão de dólares para garantir a proteção de imigrantes.

Se as cidades saem perdendo ao entregarem impostos ao governo federal, por que não resistiram antes? Prefeitos são pessoas moderadas e pragmáticas, não são revolucionários naturais, ou seja, se não precisarem brigar, não vão fazer. Até hoje foi isso que aconteceu, porque eram recompensadas pelos serviços do governo federal. Mas se Trump tentar interferir com os direitos de minorias e disser “se não fizerem o que eu quero, não pago”, acredito que vamos encontrar prefeitos com coragem suficiente para bater de frente e dizer “então não vamos dar os fundos”.

"Prefeitos são resolvedores de problemas, e ideologias não solucionam problemas urbanos"

O enfrentamento generalizado de poderes locais contra o governo federal já aconteceu antes na história americana? Não, porque no século séculos XIX e XX, eram os governos nacionais que protegiam os direitos universais e o progresso, através de sua soberania. Tivemos uma inversão no cenário político americano e mundial. No passado, governos locais eram reacionários e, agora, são os poderes federais tentam se fechar, criar fronteiras e excluir.

Por que essa inversão de papéis ocorreu? Por causa do crescimento da interdependência, no mundo globalizado, onde os Estados não conseguem mais exercer soberania e proteger seus cidadãos. Para tentar proteger o seu poder e inclinadas a tendência de rivalizar, as nações estão se tornando mais exclusivas, estreitas e monoculturais, enquanto as cidades entendem que precisam de outras para funcionarem. É o oposto do progresso.

No contexto americano, os prefeitos são menos apegados ao sistema bipartidário? Por que os poderes locais dos Estados Unidos vão na contramão do que defendem lideranças a nível federal? Claramente, porque prefeitos são resolvedores de problemas e ideologias não solucionam problemas urbanos. Todo prefeito precisa que pessoas ricas fiquem e paguem impostos. Eles precisam do apoio das empresas, dos sindicatos e da sociedade civil, por isso, cada vez mais tendem a ser independentes. É o que aconteceu com o ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, que foi republicano e democrata, até que preferiu não ter partido. Hoje, temos ideólogos a nível nacional, dizendo do que são a favor e contra, enquanto os prefeitos pensam em como resolver o transporte ou como conseguir mais empregos.

Esse é um fenômeno global? Com certeza. Meu livro If Mayors Ruled the World olhou para sessenta países e cidades de todo o mundo, por isso, digo que isso é verdade até para países fechados como a China. O governo nacional segue altamente ideológico, mas prefeitos de cidades chinesas pensam o que fazer sobre o excesso de carros ou a poluição. Em Medellín, na Colômbia, a cidade construiu um sistema de trem para trazer as pessoas de favelas distantes para a cidade e isso mexeu na economia. Isso foi uma ideia da direita ou da esquerda? Nenhum dos dois. É só um bom sistema de transporte, que não responde à ideologia. Prefeitos estão bem menos interessados em conceitos abstratos.

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