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Luiz Lima

'Fui vencido por uma política viciada'

O ex-secretário de Esporte de Alto Rendimento conta por que deixou o Ministério depois de apenas um ano na função

Por Rafael Valesi

query_builder 28 jul 2017, 9h30

Reaça, sonhador e ativista. Estes foram alguns dos adjetivos que o ex-nadador Luiz Lima diz ter recebido de colegas do Ministério do Esporte, durante sua passagem de 12 meses no cargo de secretário nacional de Esporte de Alto Rendimento – ele assumiu o cargo 2 meses antes da Olimpíada do Rio e deixou o posto em junho passado. Os comentários surgiram, segundo o próprio, por causa de sua postura crítica dentro da pasta.

O que este carioca de 39 anos desejava mudar era o modus operandi do Ministério. Em sua primeira experiência na administração pública, o ex-atleta olímpico (disputou os Jogos de Atlanta-1996 e Sydney-2000) e medalhista pan-americano viu de perto a preferência do interesse político sobre as decisões técnicas, entre elas o bom senso orçamentário. Ao questionar a situação, começou a incomodar e fazer desafetos – relatou, inclusive, episódios em que foi intimidado. Por isso, decidiu pedir demissão e deixou Brasília.

Nesta entrevista concedida em sua residência na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, Lima não economizou nas críticas, embora tenha preferido omitir alguns nomes, e apontou uma série de falhas na forma como o esporte é conduzido no país. Lima explicou os motivos de sua saída do Ministério, condenou a falta de democracia nas confederações e no Comitê Olímpico do Brasil (COB), e disparou contra os gastos exorbitantes e a falta de planejamento sobre como gerir o legado deixado pela Rio-2016.

Qual expectativa tinha quando assumiu a Secretaria? Minha prioridade foi dar aos atletas a maior atenção possível. Algumas vezes não segui as recomendações, pois os atendia diretamente. Na minha cabeça, o Ministério do Esporte só existe por causa dos atletas. Eles são meus principais clientes, meus patrões. Fiz de tudo para atendê-los da melhor forma possível. Fui atleta, e sei bem como é não ser ouvido. Queria ser uma ponte sólida entre atletas e o governo federal.

E por que o senhor resolveu sair do ministério? Estava incomodado sobre como é feita a política no País. Em relação aos convênios, aos pedidos que eram feitos. O que me deixou desconfortável foi estar em uma comissão na Câmara, que já havia sido proposta por deputados, sobre a mudança na Lei Agnelo/Piva. Sugeri que os recursos para as confederações não fossem mais geridos pelo COB como um intermediário, mas sim diretamente pelo Ministério. O percentual seriam o mesmo (2,7% da arrecadação das loterias federais), mas a parcela do COB cairia bem.

E o COB protestou… Os presidentes de confederações têm a certeza de serem tão absolutos em suas verdades que tiveram o descabimento de me visitar para tirar satisfações. Um presidente de confederação fez isso. Em outra ocasião, um dirigente do COB me pegou pelo braço, para me intimidar, e me disse em uma reunião no Parque Olímpico: “Já tem presidente de confederação reclamando da sua atuação. Pense que no ano que vem você volta a ser professor, hein?”

Alguém pediu a sua cabeça? Não senti que articulavam minha saída. Diziam coisas do tipo: "Pensa melhor que você pode ficar bem.”

Quem disse? Não posso dizer. É triste, mas só me deu a certeza de que eu estava fazendo a coisa certa.

"Um dirigente do COB me pegou pelo braço, para me intimidar, e me disse: 'Pense que no ano que vem você volta a ser professor, hein?'"

O que o senhor quer dizer com a ‘coisa certa’? Precisamos urgentemente da democratização do esporte brasileiro. Não há razão para um atleta maior de 16 anos não participar diretamente na eleição do presidente da sua confederação. E no COB é a mesma coisa. Meu sonho é ver todos os atletas olímpicos vivos elegendo o presidente do Comitê. É simples. Minha ideia era desvincular esse recurso da Lei Agnelo/Piva, tornando a relação entre COB e confederações muito mais saudável. Como participar da eleição de uma entidade que te dá a principal fonte de recursos? Como fazer oposição a quem está te sustentando?

O que impediu o avanço de suas ideias? Fui vencido por uma política viciada. Mudar o patamar da gestão pública é fácil, mas ela ocorre em velocidade de lesma. Enquanto a sociedade é como uma lebre, o governo não acompanha o ritmo. Não tem cabimento, em pleno 2017, ainda pedir por participação dos atletas nas confederações. Recurso existe, mas tem de ter vontade de fazer. Não quer seguir por esse caminho? Ok, mas não receberá mais dinheiro público. Caminhe sozinho. A iniciativa privada não se faz presente por não sentir confiança em investir em um segmento que não é transparente.

O senhor se decepcionou no Ministério do Esporte? Não me decepcionei. Fiquei angustiado, pois é fácil fazer a coisa certa. Saio angustiado, mas esperançoso. Os servidores públicos querem vender que é difícil mudar. Mas não é. Há a máquina pública e o governo ao seu lado. Se isso for bem direcionado e houver o mínimo de inteligência, dá certo.

Se é fácil mudar, qual é a sua sugestão? É preciso estabelecer prioridades com o dinheiro público, não só no esporte. Isto é nítido a qualquer um. Não é preciso ser um especialista. Mesmo sem dinheiro, é possível realizar mudanças.

Como foi seu relacionamento com o ministro Leonardo Picciani? O ministro é bem articulado e uma pessoa inteligente. Mas, por viver muito a política, cai dentro deste sistema.

O atleta brasileiro é respeitado? Eu só fui convidado para carregar a tocha olímpica depois de me tornar secretário. Queria conduzi-la, mas ninguém me convidou. A Jaqueline Silva comentou que não iria para a cerimônia de abertura da Olimpíada pois não havia sido convidada. Ela, a primeira mulher medalhista olímpica de ouro do país, no vôlei de praia. Um ídolo, uma figura emblemática. Ela devia levar a tocha para dentro do estádio. Quando cheguei no local onde distribuíram os convites, a Jaqueline me ligou, emocionada: “Você consegue um convite para mim?” Isso três horas antes da abertura, com o ônibus saindo para o Maracanã. Pedi, então, para que o motorista esperasse. Fui até o responsável pela distribuição e fiz o pedido de dois convites, um para ela e outro para a companheira dela. Foi negado. Voltei para o ônibus com sentimento de derrota, de frustração. Não bati de frente, e me arrependo profundamente disso. Liguei para a Jaqueline, disse que não tinha conseguido. Ela começou a chorar, e chorei junto ao telefone.

E os atletas que ainda estão na ativa? A Sheilla (bicampeã olímpica de vôlei) me procurou no Ministério. Gravei uma mensagem com ela em relação à pontuação do ranking da CBV, que regula a quantidade de jogadoras de alto nível dentro das equipes. Como secretário tenho direito a dar minha opinião.

E qual foi? Sou a favor do livre mercado. Imagina chegar para o Barcelona e dizer que ele não pode ter Neymar e Messi juntos? Uma bicampeã olímpica estava sem clube pois não tinha quem pagasse seu salário. Restava a ela sair do país. Dei uma opinião, que levou o Ricardo Trade, diretor-executivo da CBV, a ligar para o ministro dizendo que estava chateado com as minhas declarações. São em ações como esta que o Ministério precisa ocupar seu papel - precisa ser o chefe do esporte brasileiro.

Não é? Deveria ser um chefe mais durão. A Olimpíada nasceu com o propósito de unir as pessoas, e não desunir. O COB, apesar de ter pessoas competentes, é uma instituição que representa um evento privado, recebendo 100% de recursos públicos.

Sobre a administração do Parque Olímpico da Barra, qual sua opinião? Nossos recursos no Ministério secaram justamente pelo alto custo do Parque Olímpico da Barra e de Deodoro. Pedíamos ao COB para fazer ações que fomentassem não apenas o esporte competitivo. Ouvimos que o papel deles é somente cuidar do esporte de alto rendimento. Há 14 anos, disse que o Brasil não merecia receber a Olimpíada sem ter esporte de qualidade na escola. Hoje, vou além: a Olimpíada foi um evento com investimento público e com lucro privado.

O senhor não atuou nessas decisões? Não. Havia pessoas responsáveis por isso na Secretaria, e que passaram a trabalhar na Autoridade de Gestão do Legado Olímpico (AGLO). Lamento que o Ministério tenha ficado não só com o Parque Olímpico, mas também Deodoro. Essa tarefa deveria ser da Prefeitura do Rio, como acontece em várias outras sedes olímpicas, abandonadas ou não.

E o que há de diferente entre o Brasil e outras sedes olímpicas neste aspecto? A frustração passa pela ideia de que a iniciativa privada abraçasse o Parque Olímpico. Por uma série de fatores, não apareceu uma empresa disposta a arrendar e cuidar do Parque. E prefeitura foi incapaz de cuidar da estrutura. Está aí a primeira bola fora dos Jogos: algo que foi vendido como fácil administrativamente demonstrou-se uma grande responsabilidade.

As instalações olímpicas foram finalizadas em cima da hora, semanas antes da Olimpíada. As obras poderiam ter sido melhor executadas? O Rio foi escolhido em outubro de 2009. Tivemos sete anos para planejar o bom uso dos equipamentos. Não sou engenheiro, mas digo que tudo poderia ter sido construído com mais esmero. Não seguiram um planejamento, e isso está documentado. E hoje não há dinheiro para desmontar o Estádio Aquático e a Arena do Futuro, para dar a elas o destino prometido.

Como foi tomada a decisão de que o Ministério administraria parte dos equipamentos do Parque Olímpico e de Deodoro? Vivemos uma sinuca de bico. Tivemos de assumir algumas instalações, senão ficariam ao relento. O Parque Olímpico foi construído com uma única intenção: ser o palco das atividades dos Jogos. Deveria se tornar um centro de treinamento, tiveram seis anos para discutir isso, investiu-se 7 bilhões de reais, para algo que não está pronto. Hoje gasta-se muito dinheiro para consertar o que deveria estar pronto. Tem saída? Claro. Mas vai ser caro reformar os estádios. Quando chove, a água brota do chão, algumas salas do Velódromo ficam cheias d'água.

E sobre o Ministério administrar parte de Deodoro? Fui contra desde o início, como secretário e como cidadão. Foi um erro terem construído instalações permanentes, em vez de temporárias. A despesa apresentada no início seria de 60 milhões de reais para fazer a manutenção anual. Depois caímos para 35 milhões e, com o corte após a restrição orçamentária, está em 16 milhões por ano. Apenas quatro modalidades possuem instalações esportivas lá: tiro esportivo, hóquei sobre grama, hipismo e pentatlo moderno. Quatro modalidades que, com todo o respeito, não têm apelo popular. Como vou gastar 35 milhões em um ano se há outras prioridades no nosso país? É melhor assumir o prejuízo e estancar a sangria.

"Liguei para a Jaqueline e disse que não tinha conseguido convite para a abertura da Olimpíada. Ela começou a chorar, e chorei junto"

Há desperdício de recursos públicos em construções esportivas? Claro. Tome como exemplo o Centro Olímpico de Fortaleza, construído na gestão anterior do Ministério com parte de recurso do governo federal, e parte do governo do Ceará. Na minha visita, ficou claro que foi construído algo grandioso demais, que requer manutenção altíssima. Nem o governo federal nem o cearense dispõem dessa verba. Outro exemplo está na cidade de Cascavel, no Paraná. Estão construindo por lá uma pista de atletismo de alto nível. Ainda não está pronta, embora fosse prevista para antes da Olimpíada. Por que construíram uma pista dessas em Cascavel e não em Presidente Prudente, berço da velocidade do atletismo do Brasil? É preciso ter responsabilidade quando se aprova uma obra desse tamanho. Algum compromisso sério deveria ter sido assinado pelo prefeito ou governador para que assumissem a manutenção.

É sobre esse tipo de pedido que se referiu anteriormente? Temos de afastar a política da administração pública. Não é culpa de um ou outro, é como o processo funciona. Temos 513 deputados que fazem visitas semanalmente pedindo coisas, pressionando. Assim, perde-se critério sobre os recursos públicos. Não estou dizendo que houve desvio. Mas posso afirmar que a maioria das ações não são prioritárias.

Qual é o interesse dos políticos envolvidos nisso? Recebi pedidos de ficar emocionado, como o do prefeito de Formoso (MG), pedindo bola e rede. Corta o coração. E tem pedidos de deputados, prefeitos, para fazer eventos grandiosos, que vão durar uma semana. Ou então alguma construção que dá para ver que não vai dar certo. Pedidos descabidos. Uma cidade da Baixada Fluminense pediu convênio de mais de 1 milhão de reais. Não aprovamos pois o texto foi copiado da internet. Sua justificativa era "aumentar a participação de atletas portugueses nos Jogos de Tóquio". Vi que algumas palavras usadas não eram do vocabulário brasileiro, mas sim do português. Peguei uma foto do prefeito na internet e anexei no processo. O episódio virou motivo de piada.

Em sua época de nadador, viu algo de errado na CBDA, que recentemente teve a diretoria presa? Eles caíram no mesmo erro. Foram pegos por um comportamento que poderia acontecer quando se fica 30 anos à frente da confederação. O Coaracy Nunes tornou-se presidente da CBDA em 1988, quando eu tinha 10 anos. Deveria ter encerrado o ciclo dele na CBDA em 1996, quando a natação ganhou três medalhas na Olimpíada de Atlanta. Ele teve seus méritos, trouxe o Campeonato Mundial para o Rio em 1995. Não presenciei nada errado na minha época de atleta. O que presenciei foi uma administração que poderia ter sido mais democrática. Vi a CBDA agindo como muitas outras confederações. São surfistas, pegam carona no sucesso dos outros. Como por exemplo dos clubes, que são a célula formadora do esporte. Quando um atleta atinge um índice para uma competição, a confederação chega com um patrocínio para ele, mas que na verdade é um prêmio. Assim, as confederações surfam em cima do clube e do atleta, e pegam carona no sucesso deles.

O que explica os bons resultados do Brasil no Mundial de Desportos Aquáticos, ao mesmo tempo em que a CBDA tenta se recuperar de sua crise? É importante frisar que as confederações não são um meio de desenvolvimento do esporte. O trabalho dos clubes continua sendo feito. Eles seguem investindo nos atletas com patrocínios, convênios, utilizando a Lei de Incentivo ao Esporte. A CBDA sofreu uma mudança, mas que não teve interferência no desempenho dos nadadores no Mundial. Mas pode ser que nos próximos anos tudo isso possa ter algum reflexo, já que as confederações têm o papel de fomentar o esporte, melhorar o calendário esportivo, fiscalizar as federações filiadas, entre outras coisas.

Pensa em voltar a trabalhar na gestão esportiva pública? Quero me dedicar por enquanto à minha equipe de natação, os Gladiadores. Mas estou aberto a convites. Não descarto administração pública, não somente no esporte como em qualquer outra área.

Foto: Daniel Ramalho/VEJA.com