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Rachel Maia

Sou apenas 0,04% dos CEO's no país

CEO da Pandora no Brasil fala sobre joias, carreira, família, religião, e o fato de ser uma das raras CEOs negras em uma grande empresa no país

Por Felipe Machado

query_builder 2 mar 2018, 17h00

A paulistana Rachel Maia, 47, está à frente da joalheria dinamarquesa Pandora desde que a marca chegou ao país, em 2009. Formada em ciências contábeis e com especializações no Canadá e na Universidade Harvard, buscou carreira internacional. Foi diretora financeira da concorrente americana Tiffany e, por lidar tanto com estrangeiros, passou a adotar a pronúncia em inglês do seu nome como apelido (lê-se “Rêichel” em vez de “Raquel”). Além da sua atuação como empresária, uma pergunta sempre está presente em suas palestras ou entrevistas: o fato de ser uma das raras CEOs negras em uma grande empresa no Brasil. Ela gosta do tema, e acha importante ser uma representante da diversidade. Ela fará uma participação no fórum "EuTenhoDireito", que a revista CLAUDIA realiza na terça-feira no WTC, em São Paulo. Rachel recebeu VEJA em seu escritório para falar sobre joias, carreira, família, religião e projetos sociais:

A senhora é CEO de uma multinacional há quase oito anos, é chamada para dar palestras e faz parte do ‘Conselhão’ (grupo de empresários que aconselha o presidente do Brasil). Como vê a sua gestão na empresa? Eu peguei a Pandora em 2009, com duas lojas e recém-chegada no Brasil, hoje nós temos 98. Eu não vou me fazer de rogada, se perguntarem se eu trouxe o sucesso, respondo que sim, todos os anos.  Com a minha gestão, nós não tivemos nem um ano no prejuízo, localmente falando. Se nós olharmos nossos livros fiscais de encerramento de exercício, não fechamos nem um ano no negativo. Se me falarem para resumir o que você faço de melhor na vida, respondo que é lidar com pessoas. Acho que sou uma boa maestra.

O mercado nacional tem importância para as fabricantes de joias? Eu já vi muitos relatórios em empresas multinacionais excluindo o Brasil. Muitas vezes, isso me deixou acanhada. Agora eu quero saber, levantar a mão e perguntar "por quê estão excluding [excluindo] o Brasil? Pois se vão excluir, não vou estar na sala. Acho que eu faço barulho, para não passarmos despercebidos.

Um dos produtos bem conhecidos da marca são os pequenos amuletos, feitos para serem adicionados a um bracelete. Esses itens são copiados por outros fabricantes. Existe competição com falsificações? Esse tema não pode nos dar medo: sim, isso existe. Eu ofereço qualidade e as pessoas querem usar joia. Mesmo que você entre para comprar prata, você entrou na joalheria chamada 'X'. Mas, se usar algo parecido satisfaz, está tudo certo. Eu ofereço inovação, qualidade e a joia genuína. Se o cliente se satisfaz nesse momento com algo que seja cópia, é opção dele. E o cliente deve ser soberano

A senhora é sempre chamada a falar sobre o fato de ser uma CEO mulher e negra. Como vê isso? Eu sou 0,04% da representatividade dos CEOs por ser mulher e negra. As empresas param para me ouvir, o que não é tão comum. A Rachel está ali para ser uma das pessoas precursoras da diversidade. Ser precursora significa abrir o novo. Não existe tanta mulher negra executiva no luxo? Tá, então vai existir. Eu faço parte de uma das frentes que vai falar: "eis me aqui". Existe uma dor sim, mas nós não podemos esquecer que essa dor tem uma razão. Existiu uma escravidão, acabou há 130 anos. Historicamente, é pouco tempo. Sou a diferença. Não apenas por representar a diversidade. Mas de trazer sucesso para empresa e também ser parte da diversidade.

Basta ser a precursora de algo diferente para que haja mais equilíbrio nas empresas ou é preciso fazer mais coisa? Nós temos que trabalhar para mudar esse cenário. Mas não adianta não fazer nada, ficar aqui sentadinho. Tem que fazer. Tem que ter voz, tem que ter vez, lugar, tenho que brigar. Muitas vezes eu tenho que fazer aparecer. Eu estava num jantar com executivos e alguém me disse: "eu gosto do seu discurso, acho que é tranquilo, mas acho que você tem que ser um pouco mais tough [dura]". Aí a embaixatriz do México falou: "A Rachel, muitas vezes, não precisa falar. O simples fato de ela estar aqui, já mostra a diversidade. Olha para essa mesa, quantas mulheres negras tem aqui? Ninguém. É ela".

Como a empresa, na sua gestão, trabalha a questão da diversidade? Nós estamos tratando de gênero, raça e idade. Quem disse para você que o luxo deve ser só menininha novinha, bonitinha? Não pode! O cliente deve se identificar. Eu sinto orgulho de trabalhar na Pandora: faço parte de uma diretoria em que, de treze pessoas, quatro são mulheres negras.

Não cansa, por representar uma minoria, ter sempre que mostrar um algo a mais? Cansa. Por mais bem preparada que eu sou, por todos que me rodeiam. Essa pergunta sempre tem uma conotação até um pouco dolorida. Mas é a minha responsabilidade. E aí isso não me deixa dormir. Fico assim me cobrando, me questionando se eu tenho esse direito de me fechar e deixar as coisas passarem. Sei que mesmo dessa minha forma atrapalhada - falo demais, aconteço - estou movimentando as coisas. Mesmo no setor de luxo, os poucos que passaram, não exploraram dessa forma. Isso é novo. Eu estou aqui sim, faço parte desse universo, sim. Eu devo responder com atitudes seguras quando sou questionada. Mas nem sempre se está a fim de ter atitudes seguras.

Já pensou em deixar esse papel de referência? Às vezes. Posso te falar a verdade? Dá vontade de apertar um botão e falar: "Ah, quer saber? Vou por o meu chinelo, meus shorts e lavar o chão da igreja”, que é o que eu faço no fim de semana. Mas aí eu tenho que pensar em toda a responsabilidade que eu tenho. Fico felicíssima em trabalhar nos bastidores, mas as pessoas me dizem que eu levantei uma bandeira. Mas tem um monte de gente aí que pode falar. Existe um outro lado, as pessoas estão vendo esse sucesso profissional. Elas gostam de ouvir isso, precisam de heróis. E, neste momento, me veem como herói.

Já se sentiu discriminada alguma vez? Vê alguma diferença entre a discriminação aqui e lá fora? Diversas vezes, mas também fui acolhida. O que muda, na verdade, é se conseguimos ou não lidar com o momento. Perceber o olhar do outro mediante o diferente, me fez sentir diversas vezes mal, pois este olhar nem sempre é positivo e isso toca nosso emocional. No meu ponto de vista, em países latinos, o preconceito tem a característica de ser mais excludente. Muitas vezes, a postura se traduz como: “se você não faz parte do meio, simplesmente não faz parte”. Às vezes, não existe a vontade genuína por parte das pessoas para a inclusão e a aceitação da diversidade.

A senhora mencionou atividades na igreja, como é a sua atuação nela? Há mais de 20 anos sou catequista de crisma. Quando eu saio daqui na sexta-feira, minha agenda de final de semana está totalmente definida. Na manhã de sábado, eu vou dar crisma, e domingo pela manhã, eu também vou para a igreja. Eu trabalho com muitos jovens: a gente joga handebol, vôlei, faz piquenique, vamos até uma praça. Ou sai para arrecadar alimentos nas ruas mesmo, pedindo, tocando de campainha em campainha. E depois dá tudo para o padre. Esses poucos momentos em que eu me dedico a Deus servem como, não só refúgio, mas como um reabastecer. E por estar com os jovens, eu aprendo demais.

A senhora está fazendo um projeto social pessoal. Qual o objetivo dele? É de capacitação profissional, para um grupo de pessoas que eu acho que não recebem um olhar carinhoso: as mulheres de baixa renda. Não só jovens mulheres, mas pessoas que querem ser capacitadas. Eu percebi isso há alguns anos, e agora, quero até tirar proveito da rede de contatos que tenho. Lembrá-los de que às vezes precisa dar uma direcionada na ajuda. Na diversidade, muitas vezes, a idade é um fator muito importante. Porque você acha que se já não é mais jovem, não serve mais para se capacitar. Não. Eu decidi que eu quero ser capacitada aos 40 anos. E está tudo ótimo, tudo certo. Nós temos que tomar bastante cuidado com a qualificação. Quando a gente qualifica, a gente discrimina.

Como faz para dar conta das atividades profissionais e também ser mãe? Esse negócio de saber equacionar muito bem pessoal, família e business, eu não sei. Muitas vezes eu dou 5% para a minha filha, muitas vezes eu dou 10%, muitas vezes eu dou 1%. Quando eu dou 30% é um bom momento. Mas o tempo que eu passo com ela é um tempo de qualidade. Ela me liga às 18h perguntando: "mãe, cadê você?". Eu respondo que já estou chegando, mas aí só chego às 20h. Mas ela fica lá firme, acordadona. Ser mãe, dentro desse universo business, é abdicar. Às vezes, eu converso de uma forma muito adulta com ela. Mas é isso: a mãe precisa trabalhar, pagar as contas. Isso tudo é o meu universo. E eu tento explicar para ela. Não tem florear nesse quesito, não.

Acha que ser uma pessoa com muitos compromissos afeta a sua vida familiar? A minha mãe amputou a perna no ano passado. E eu estava indo pra Washington. Foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Ela é diabética e teve uma situação lá que, em quinze dias, teve que amputar. Daí eu falei: "Putz, e agora? Será que eu vou ter que mudar, completamente, esse universo?".

Eu sou a mais nova de sete irmãos. Eles sentaram comigo e falaram que estavam ali e que eu não mudasse, pois os ajudava muito. E, realmente, ajudo mesmo. Estou construindo uma casa para a minha irmã. Para meu pai e minha mãe, não deixo faltar nada. E assim vai. Meu esforço reverbera para outras pessoas.

A senhora já é uma executiva de sucesso, faz trabalho social, é mãe e tem acesso a pessoas influentes. Onde pretende chegar? Diria que meu objetivo pessoal básico é inovar, sem nem pestanejar. Inovar na gestão. Quero muito mais. Sou CEO Brasil, quero ser CEO da América Latina, CEO global. É possível? Desde que eu continue na trajetória que eu almejei. A Rachel de hoje é diferente da de ontem, e eu quero ser muito melhor amanhã. E sem medo de dizer que no meu time tem gente que sabe muito mais do que eu, como tem sacadas muito melhores.

A senhora já teve a oportunidade de estudar durante bastante tempo nos Estados Unidos. Vê diferenças entre a educação que é oferecida lá fora e aqui? A educação em um país de primeiro mundo é diferenciada e isso não se discute. Aqui no Brasil temos excelentes instituições, sim. Mas infelizmente são poucas para receber toda a população. Acontece uma pré-seleção automática: o Brasil é muito grande e com uma quantidade limitada de boas instituições de ensino, automaticamente exclui muitos interessados. Eu, muitas vezes, fiquei fora dessa pré-seleção, então fui buscar algum lugar onde pudesse receber todo o conhecimento que estava buscando.

Foto: Felipe Cotrim