Mal tinha chegado de uma viagem de férias, no dia 5 de outubro deste ano, e Paulo Wanderley Teixeira, de 67 anos, nascido em Caicó (RN), tomou um dos maiores sustos da vida. Ex-presidente da CBJ (Confederação Brasileira de Judô), Wanderley havia assumido em 2016 o posto de vice-presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil), na chapa de Carlos Arthur Nuzman, o longevo presidente da entidade, no cargo desde 1995. Enquanto ainda desarrumava as malas, foi pego de surpresa com a notícia de que seu chefe estava sendo preso na Operação Unfair Play (Jogo Sujo), suspeito de ter participado de um esquema de compra de votos para fazer o Rio de Janeiro sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
Coma renúncia de Nuzman, ele assumiu a presidência do COB em definitivo. Em entrevista na sede do COB, na Barra da Tijuca, no Rio, Wanderley falou sobre a crise financeira vivida pela entidade e o rígido corte nas despesas que está implantando, com a demissão de diretores que ganhavam altos salários, como os ex-atletas olímpicos Agberto Guimarães e Bernard Rajzman, e da mudança da sede da entidade da Avenida das Américas para as instalações dentro do Conjunto Aquático Maria Lenk, que integra o Parque Olímpico da Barra.
Falou também sobre as perspectivas para Tóquio-2020, as mudanças no estatuto, a participação de atletas, a suspensão do Brasil pelo Comitê Olímpico Internacional, em razão das acusações de corrupção, e a sua relação atual com Nuzman.
Como está sendo a experiência de comandar o COB? Fui eleito para ser vice-presidente. O impedimento [de Nuzman] veio mais cedo do que esperávamos. Estatutariamente, não tinha como fugir desta situação e assumi com muita vontade. Estou fazendo um doutorado em gestão esportiva. Tive uma excelente experiência na Confederação Brasileira de Judô, mas aqui as coisas são exponenciais.
Como foi o primeiro contato com Thomas Bach, presidente do COI? Foi logo que assumi. Pela situação do COB, por uma questão protocolar, eles teriam de tomar essa atitude inicial [suspender o Brasil]. Foi uma saudação do Thomas Bach, eu retribuí e, desde então, não tive mais contato direto, mas por outras pessoas no COI. Tanto que estamos avançados para entrar em conformidade para revogar a suspensão. Acredito que, no máximo entre 45 e 60 dias, conseguiremos a revogação.
A elaboração de um novo estatuto teve a ver mais com a necessidade de uma mudança geral na entidade ou com a suspensão do COI? Já tinha a percepção de que havia a necessidade de grandes ajustes na estrutura do COB. Era a oportunidade e o momento pedia isso. Havia necessidade de fazer mudanças radicais aqui dentro. O trabalho foi feito com muito cuidado, ouvindo diversos personagens e segmentos da sociedade do esporte. Acredito que o resultado foi bom.
Qual a maior resistência na proposta de implantação do novo estatuto? Não diria resistência, mas o esporte tem rejeição ao novo. Tínhamos de mudar, nos adequar ou seríamos atropelados pela história.
Por que alguns presidentes se mostraram resistentes ao aumento no número de atletas com direito a voto na Assembleia Geral? Alguns consideraram que 12 atletas não estariam representando uma quantidade maior de modalidades esportivas. Também argumentaram que o estatuto tem um artigo que prevê a sua revisão em dois anos. Como é algo novo, por que não aguardar e analisar se era um número apropriado? Foi por isso que houve resistência, havia um fundamento. Antes não tínhamos nenhum atleta e a proposta inicial era ter cinco. Se não tivéssemos citado a quantidade de atletas ou se a comissão de avaliação não tivesse proposto um número, talvez não houvesse nenhum problema.
A eleição para novo presidente será em 2020? Isso, em novembro de 2020. Foi outra mudança no estatuto. O mandato do presidente segue o ciclo olímpico. As inscrições e propostas de candidatos ocorrerão 30 dias depois dos Jogos Olímpicos de verão, em agosto, e em setembro as chapas são apresentadas.
"O esporte tem rejeição ao novo. Tínhamos de mudar, nos adequar ou seríamos atropelados pela história"
Entre as 11 propostas, qual a que mais o agradou? Foi a criação do Conselho Administrativo. Antes era um comitê executivo, com sete pessoas, todas indicadas pelo presidente. Agora serão 15 membros, com a participação de confederações, atletas, membros independentes, representante do COI no Brasil, além do presidente e vice do COB. Outra nova ação positiva foi a criação do Conselho Fiscal, que não sai da chapa do presidente, mas de uma eleição independente, três titulares e três suplentes, cada um eleito separadamente. Foi criado ainda um Conselho de Ética, com cinco membros, sendo três independentes, sem ter qualquer vínculo com esporte por pelo menos dois anos.
A mudança na candidatura para presidente também mudou? Antes, para ser candidato, era preciso fazer parte do Colégio Eleitoral. Teria de ser um presidente de confederação com no mínimo cinco anos de mandato e indicado por pelo menos dez confederações. Hoje basta ser indicado até por três membros do colegiado.
Haverá mais candidatos? Sim. Pode acontecer na primeira eleição um número exagerado, uma pulverização. E tem outro detalhe: o Conselho de Ética vai analisar a candidatura, tem de ter ficha limpa.
O dirigente olímpico do Brasil se modernizou? Quem não se modernizar, quem não se atualizar, ficará fora. Tem de se atualizar obrigatoriamente. O modelo está ultrapassado.
Qual foi sua reação no dia da detenção de Nuzman? Eu estava chegando do exterior, de férias, na madrugada do dia 5 de outubro, e tomei conhecimento como todo mundo, na parte da manhã. Estava no Rio e, como qualquer pessoa que acompanhou o Nuzman em sua trajetória, fiquei sem acreditar. Achei que era engano, que tudo seria esclarecido. Jamais passou pela minha cabeça uma situação semelhante, ainda mais para uma pessoa que tenha feito o que ele fez pelo esporte brasileiro.
Tem conversado com ele? Não, até porque existem restrições legais neste sentido [ele está em prisão domiciliar]. Não tenho tido notícias dele também.
Ficou surpreso com as acusações dos Ministérios Públicos do Brasil e da França? Não esperava jamais uma situação semelhante com a personalidade esportiva que ele era no Brasil e espero que tenha a oportunidade de se defender. Se for culpado, não é problema nosso, é dele e da Justiça.
Acredita na inocência dele? Nuzman sempre foi uma pessoa muito fidalga comigo, sempre me tratou com muita cortesia, mas não tinha intimidade com ele. Não participava do relacionamento de amigos dele. Foi sempre alguém que me tratou com muita deferência.
Imaginava algo como compra de votos na eleição do Rio aos Jogos de 2016? Não tenho conhecimento nem capacidade para comentar. Mas, pelo que vemos, não apenas no mundo esportivo, são situações possíveis de acontecer. Nunca vi ou constatei um fato real de situação semelhante na época do judô. O judô era muito técnico na decisão das sedes dos campeonatos.
Qual o impacto deste escândalo no movimento olímpico internacional? Não foi bom, ainda mais logo depois de uma Olimpíada que foi um sucesso. A Rio-2016 é um marco na história de Olimpíadas no mundo. Foi um evento espetacular sob todos os aspectos. Quando estive no exterior, pessoas comentavam sobre o sucesso. E imagino uma pessoa que veio e depois vê uma notícia desta fica frustrada.
"Não esperava jamais uma situação semelhante com a personalidade esportiva que ele [Nuzman] era no Brasil e espero que tenha a oportunidade de se defender. Se for culpado, não é problema nosso, é dele e da Justiça"
Presidentes de confederações criticavam a forma pouco democrática com que o Nuzman conduzia o COB. Havia receio no trato com ele? Posso dizer sobre o que fiz e o que vi. A CBJ tornou-se uma confederação quase autossustentável, é uma das raras entidades onde o recurso público rivaliza com o privado. Isso nos deu autonomia, reconhecimento público, isso avalizava a CBJ. Eu não participava deste tipo de análise. Escutava algumas coisas, mas nunca ouvi diretamente. O judô nunca teve problemas no COB.
Qual a real situação financeira do COB? Não temos dívida. Nossas receitas são recursos de loteria, através da Lei Agnelo/Piva, e temos alguns convênios de serviços. O patrocínio privado minguou, e é uma das nossas buscas. Não acredito que o COB não seja um bom produto. Estamos trabalhando com muita austeridade, muita transparência e visando a meritocracia. Vamos levar um tempo até nos recuperarmos financeiramente.
O COB demitiu diretores com salários altos, adiou o Prêmio Brasil Olímpico e anunciou mudança de sede para o Parque Aquático Maria Lenk. Ainda é necessário fazer mais ajustes? É necessário mudar a cultura. O recado que é que continuaremos nesta linha. Estamos quase próximos ao que acho, baseado em dados, nos fará atingir o ponto de equilíbrio. Mas algumas culturas têm de ser mudadas, porque não adianta mudar só o efeito se não modifica o pensamento.
Que tipo de cultura? Privilégios. Não vou citar quais, mas são benefícios exagerados. Não que as pessoas não os mereçam, mas digamos que não está de acordo com o momento nacional.
A questão financeira pode afetar as delegações em competições internacionais? Nos Jogos Sul-Americanos de Santiago, em 2014, tivemos uma grande delegação, talvez até exagerada, de 479 atletas. Para Cochabamba (Bolívia), em 2018, vamos levar 309 - sendo que antes da minha gestão estavam previstos apenas 269.
As confederações reclamaram desta redução? Ninguém gosta de perder nada. Ainda mais esportista, que só entra para ganhar.
Será positiva a mudança física do COB para o Maria Lenk? Sim, porque estaremos no nosso meio realmente, onde o esporte está. Será trabalhoso, porque tem procedimento estrutural, de adequação do espaço. Pode levar até um ano para fazer a mudança completa.
Quanto isso trará de economia ao COB? Só com a mudança 4,5 milhões de reais anuais. Nos cortes feitos até agora, são 7,3 milhões de reais/ano, incluindo salários e encargos.
Pretende manter o Prêmio Brasil Olímpico? Sim. Houve redução substancial de investimento nele, mas manteremos um nível alto. Haverá premiação, com os méritos iguais, mas sem luxo.
Como vê projeto de lei que pode modificar a forma de repasse das loterias e reduzir o valor que ficaria para o COB? A Lei Agnelo/Piva é para esporte de alto rendimento, olímpico, universitário e desporto escolar. Não foi feita para pensar em fomento do esporte. Não é um bom caminho reduzir recursos, deve ser o contrário: confirmar e, se possível, ampliar. Mantenho a posição da necessidade de o COB continuar gerindo estes recursos. Fizemos uma grande revolução na distribuição dos recursos para as confederações, critérios fundamentados em meritocracia. Se existe dinheiro, tem de ter resultado em cima do recurso usado. Tenho receio de que, se isso fugir ao controle, vamos ter uma situação de estrangulamento. Por exemplo, as confederações, para gerirem os recursos da forma como o COB faz, terão de contratar mais pessoas. Hoje elas têm a segurança de que os recursos são analisados, se falta documento, enfim, oferecemos ajuda para ensinar como se faz este processo. As contas das confederações e do COB são públicas. O Tribunal de Contas da União tem acesso dia a dia a quanto recebemos, para quem repassamos e para que esses recursos foram repassados.
Este projeto pode ser votado em 2018? Há muitas coisas para discutir no interesse da sociedade como um todo. Isso não é nada. Estamos falando de uma verba de 200 e poucos milhões de reais.
Quantos atletas o Brasil levará para a Olimpíada de Tóquio? Hoje não dá para prever, mas posso dar um indicativo positivo. O ano de 2017 foi o segundo melhor ano do esporte brasileiro em campeonatos mundiais em um ciclo olímpico. É um prenúncio de que se pode ter boa participação em 2020, mas ainda é cedo. Vai ser uma logística muito mais complexa em Tóquio. Por outro lado, já saímos na frente, pois já temos nossa base de apoio [em junho, ainda com Nuzman na presidência, o COB definiu seis bases de treinamento para aclimatação e preparação no Japão]. A maioria será sem custo de estadia.
O senhor é a favor de prever desempenho em competições? Acho que tem de fazer previsão, porque quem investe quer resultado, desde que seja realista. Pode dar errado, mas fazer o quê? Posso dar exemplo no judô de atletas às vésperas de embarcar para competir e se contundiram. Sorte nossa que quem foi ganhou a medalha do mesmo jeito. Olha, se uma equipe ganhou tudo o que disputou no ano, não é possível que não traga alguma medalha. Temos de usar dados para isso, não apostar como se estivesse jogando cartas.
Vai concorrer à reeleição em 2020? Teoricamente posso concorrer, mas ainda não tenho como responder. Estou realizado com minhas atividades até agora, tive uma trajetória dentro da gestão esportiva, como técnico também, mas não me faz falta mais nada. Ainda não vou pensar nisso. Ficaria feliz se conseguir cumprir os objetivos, se mudar a cultura e o entendimento, e mostrar ao público externo o COB como realmente é, uma entidade forte. Somos referência no mundo, nisso não se pode perder.
Foto: Daryan Dornelles